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Sobre os direitos humanos

Análise sobre os direitos humanos.

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Este texto apresenta uma resenha sobre a temática “Direitos Humanos” (DH), tendo como base o documentário Direitos Humanos Para Humanos, dirigido pelo cineasta, filósofo e cientista social Gabriel Filipe. A obra em questão visa romper com o véu de desinformação que envolve a temática DH no Brasil, a partir de falas de autoridades, professores e pesquisadores engajados na luta pelos direitos humanos.

Conforme o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), podemos entender os DH como as normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os seres humanos, sem distinção, independentemente de sua posição social, econômica ou jurídica, o que inclui aqueles que cometeram um determinado crime ou, porventura, violaram alguma lei. Nesse sentido, os DH regem o modo como os seres humanos individualmente vivem em sociedade e entre si, bem como sua relação com o Estado e as obrigações que o Estado tem em relação a eles.

No Brasil, comumente, a temática “Direitos Humanos” gera acirrados e acalorados debates. Para os setores progressistas, os DH são de vital importância para que, sobretudo os cidadãos mais vulneráveis econômica e socialmente, sejam protegidos de eventuais abusos das forças repressivas do Estado e tenham seus direitos como cidadãos devidamente respeitados. Em contrapartida, no campo conservador, predominam visões céticas e críticas em relação aos DH, difundidas por frases feitas, eivadas de preconceitos e senso comum, como “Bandido bom é bandido morto” e “Direitos humanos para humanos direitos”. No caso, o “bandido” se refere ao indivíduo da classe baixa e o “humano direito”, majoritariamente, pertence às classes privilegiadas. 

De acordo com essa lógica,“DH são para presos e o cidadão de família de bem não precisam, porque já os possuem”. Isso significa que, defender os direitos humanos, supostamente, equivale “a proteger bandido” ou “a conceder regalias e privilégios a quem não merece e transgrediu as regras vigentes”. Enquanto isso, o “cidadão de bem” ficaria “desprotegido pelo Estado” e “à mercê de bandidos”. 

Além do mais, a premissa de que “o cidadão de família de bem” não necessita de direitos humanos porque já os possuem é demasiadamente problemática, pois, como dito nos parágraos antecedentes, todos os indivíduos, sem exceção, têm direito a proteção e garantia de seus direitos humanos (liberdade de expressão, liberdade de associação, proteção contra a tortura, proteção contra o preconceito, entre outros tantos direitos).

Diante dessa realidade, torna-se inevitável refletirmos sobre a necessidade de se recorrer a DH para humanos, haja vista que, na sociedade de maneira geral, há uma (falaciosa) sensação de que o Estado não pune como deveria determinados delitos, o que leva parte da população a “fazer justiça” com as próprias mãos, o que pôde ser constatado no documentário, nos casos de “linchamentos” ocorridos na Zona Sul da cidade de São Paulo, no Guarujá e em Linhares, onde inocentes foram mortos por supostamente terem cometidos crimes como estupro e roubo.

Este tipo de postura nos remete aos primórdios da civilização humana, mais precisamente à chamada “Lei de Talião”, baseada no vingativo preceito “olho por olho, dente por dente”, com castigo dado na mesma proporção do dano causado.

Assim, quando falamos em “linchamentos”, é preciso discutir a diferença semântica entre “Violência x Justiça”. Segundo Gabriel Filipe, a violência consiste em uma forma de ignorar a racionalidade humana e resolver conflitos pelo uso da força. Consequentemente, por meio do “linchamento”, o linchador passa por uma espécie de afirmação moral, a se reconhecer como aplicador da “justiça”.

No entanto, recorrendo ao pensamento de Max Weber, inferimos que não cabe ao cidadão comum a prerrogativa de “fazer justiça”; mas ao Estado, que detém o monopólio do uso legítimo da força (o que requer, por exemplo, que todo cidadão acusado de um crime seja julgado de acordo com as leis vigentes e tenha amplo direito à defesa).

Também é importante ressaltar o estímulo à violência como incentivo à agressão aos DH, o que, atualmente, se encontra muito presente em programas policialescos, responsáveis por gerar uma crescente onda de medo entre a população e a sensação de que a legislação brasileira é frouxa com bandidos (e, de certa forma, incentiva ao crime). Desse modo, em uma sociedade sedenta por justiça, o aumento da repressão e uso da violência desmedida (seja feita por agentes públicos ou não) passa ser bem-vista (uma “solução fácil” para “problemas complexos”).

Por outro lado, os direitos humanos são desacreditados (como apontado anteriormente, vistos como forma de proteger criminosos que, supostamente, teriam mais “direitos” do que as “famílias de bem”). Nesse sentido, baseados em um determinismo biológico, os setores conversadores, ao olharem para a população carcerária, lançam o seguinte questionamento: “Como se ressocializar uma pessoa que nunca foi social?”

Não se trata de negar a importância de fatores genéticos em nossa personalidade, tampouco conceber o ser humano como uma espécie de tábula rasa, fruto inexorável de seu meio social. Mas, como todo indivíduo deve arcar legalmente por seus eventuais crimes, ele também tem o direito de, cumprido sua pena, ter uma nova chance, ser novamente inserido na sociedade. Se podemos dizer que essa “pessoa nunca foi social”, é no sentido de lhe ter sido negado o básico para o exercício da cidadania, de uma vida minimamente digna, com suas necessidades vitais satisfeitas. Em situações de vida altamente desfavoráveis, talvez a entrada no mundo do crime seja a única possibilidade.

Não por acaso, ao traçarmos o perfil da população encarcerada no Brasil, de acordo com o Infopen, temos os seguintes dados: 61,7% são pretos ou pardos e 75% têm até o ensino fundamental completo, um indicador de baixa renda. Dito de outro modo, aqui está o retrato do cidadão excluído em nosso país.

Como o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo (atrás apenas dos Estados Unidos e China), e os índices de violência não pararam de crescer nas últimas décadas, é fácil inferir que prisões em massa não são a solução para o grave problema da segurança pública. Isso significa que o uso exclusivo da punição, não provoca reação eficaz para mudanças de comportamento de um(a) infrator(a). Lembrando as palavras de Drauzio Varella, em depoimento citado no documentário Direitos Humanos Para Humanos, “a superpopulação nas cadeias causa problemas para quem está ‘fora das grades’. Um menino que chega na cadeia bobinho, ‘assaltante de farol’, [devido às péssimas condições e contato com outros presos] sai de lá um assaltante perigoso e com boas relações no mundo do crime”.

Feitas as observações acima, uma questão se torna inevitável para nós, educadores: de que maneira poderemos orientar a aplicação dos DH, se nossa família foi agredida violentamente por uma pessoa criminosa?

Evidentemente, não se trata de uma resposta simples ou definitiva. É natural que se tenha dificuldades em pensar na aplicação dos DH quando se trata de agressão à sua própria família. Um primeiro passo seria a busca por apoio e ajuda para lidarmos com as consequências emocionais e psicológicas da violência sofrida.

Referência Bibliográfica 

DIREITOS HUMANOS PARA HUMANOS. Direção de Gabriel Filipe. Brasil, 2020. Disponível em: . Acesso em: 26 dez. 2023.

Também é fundamental lembrar o que foi dito ao longo deste texto: os direitos humanos se aplicam tanto para agressores quanto para agredidos. Portanto, em situação de violência, nós, cidadãos democráticos, devemos exigir que o Estado faça justiça, e não nos preocuparmos em resolver uma situação por nossos próprios meios, a partir da vingativa e nefasta prática do “justiçamento”.


Publicado por: Francisco Fernandes Ladeira

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.