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A Anestesia Raquidiana Pode Desencadear a Cefaléia no Pós-Operatório?

Clique e confira quais são os problemas que a anestesia raquidiana pode desencadear.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Cefaléia é um sintoma extremamente frequente com causas e mecanismos fisiopatológicos bastante va­riados. É uma das queixas mais frequentes em consul­tas médicas e também um dos motivos mais comuns de falta ao trabalho. A cefaléia é um sintoma universal no ser humano. Estima-se que 90 a 100% das pessoas terão algum tipo de cefaléia ao longo da vida. Elas são classificadas em primárias e secundárias (NETTO, 2010).

As cefaléias primárias mais comuns são do tipo migrânea (enxaqueca), tensional e em salvas. Outras formas menos comuns incluem a hemicrania contínua a cefaléia nova diária e persistente, do esforço, da tosse, por estímulo do frio, hemicrania paroxística crónica (NETTO, 2010).

As cefaléias secundárias são aquelas causadas por alguma outra doença reconhecidamente capaz de originá-la, tal como tumores cerebrais, traumatis­mo craniano, meningites, acidente vascular cerebral, hidrocefalia, aneurismas entre outras. A cefaléia pós-raquianestesia (CPR) está inclusa nessa classificação (NETTO, 2010).

A cefaléia pós-raquianestesia é descrita desde o dia 16 de Agosto de 1898 quando o cirurgião alemão, Augusto Karl Gustav Bier, realizou ressecção do pé num tuberculoso, injetando 3 ml de solução de cocaína a 0,5% na raque de seu paciente. Duas horas após observou vômitos e cefaléia. Testou a técnica em mais cinco pacientes e todos se queixaram de cefaléia pós-punção (IMBELLONI, CARNEIROS, 1997).

J.Simpso, famoso cirurgião, mostrou-se entusiasmado com a utilização do clorofórmio para anestesia do parto. Correntes religiosas muito conservadoras na Inglaterra contestaram esse procedimento a ponto de invocar textos bíblicos para lançar maldição sobre a novidade científica e derrotar Simpson em sua obstinação quase herética de suprimir a dor do parto. Grupos médicos e religiosos contrários à inovação técnica apresentaram como principal argumento a citação bíblica: “Darás a luz com dores a teus filhos”, ao que Simpson respondeu de forma fulgurante: “E o Senhor mergulhou Adão em profundo sono. Ele dormiu e o Senhor tirou-lhe uma costela...” Pronto, fazer Adão mergulhar em sono profundo, conforme relatava a própria Bíblia, era o reconhecimento e aceitação plena da lisura do procedimento anestésico (THORWALD, 2010).

Desta forma decidiu realizar a experiência em si próprio e em seu assistente, e ambos desenvolveram a cefaléia típica pós-raquianestesia. Eles descreveram o desaparecimento dos sintomas com a posição supina e o agravamento com a posição ereta, postulando que a cefaléia fosse causada pela perda de líquido cefalorraquidiano (LCR) pelo orifício causado pela agulha. A hipótese de que ocorra perda do LCR do espaço subaracnóideo pelo orifício produzido pela agulha, com diminuição da pressão liquórica e desvio caudal do cérebro, resultando em dor por tração dos vasos e das estruturas meníngeas, permanece até os dias de hoje. No ano seguinte, Augusto Paes Leme realizava a primeira raquianestesia no Brasil (IMBELLONI, CARNEIROS, 1997).

A cefaléia por hipotensão do LCR pode ocor­rer após realização da raquianestesia, após punção para retirada de líquido cefalorraquiano para exames labo­ratoriais e após perfuração acidental da dura-máter, na tentativa de realização da anestesia peridural. Alguns fatores estão relacionados com o seu aparecimento, como a idade adulta, a gestação e o diâmetro do ori­fício de perfuração das meninges dura-máter e arac­nóide. Alguns desenvolvem um tipo de cefaléia que chega a ser incapacitante5 (NETTO apud NEVES).

A fisiopatologia da CPR é diretamente relacionada com uma perda maior que a produção do LCR6. O sistema nervoso central é sustentado e en­volvido pelo LCR, sendo desta forma protegido, por aproximadamente 150 ml7. A cada oito horas são pro­duzidos e renovados cerca de 500 ml. Cerca de 60% de sua produção é realizada nos plexos coróides e 40% por outras estruturas, sendo que aproximadamente 115 cm3 são subaracnóide-máter e 25 cm ventricular1. A pressão do LCR aferida na posição sentada, mede cerca de 40 cm H2O e em decúbito dorsal, de 5 a 10 cm H2O. Quando a perda do LCR é maior que a sua produção, aproximadamente 0,35 ml/min6, dá início a diminuição de sua pressão, resultando em tra­ção das estruturas cerebrais como meninges, nervos e vasos cranianos, agravando-se na posição ereta. A CPR aparece entre o 2º e 7º dias após a punção, sen­do mais comum no 2º dia. Esta teoria foi compro­vada em teste experimental em voluntários. A cefaléia desaparece em cinco dias, em 90% dos casos (NETTO, 2010).

Em concordância com esta fisiopatologia, o Subcomitê de Classificação das Cefaléias da Sociedade Internacional de Cefaléia classifica a CPR como cefa­léia secundária, atribuída a transtorno intracraniano não vascular por hipotensão do LCR e deve satisfazer os seguintes critérios diagnósticos: 1) a cefaléia deve piorar em 15 minutos após o paciente ficar em pé e melhorar em 15 minutos ao deitar-se, além de: 1) estar associada a um dos seguintes sintomas: rigidez de nuca, zumbido, hipoacusia, fotofobia ou náuseas; 2) aparecer dentro de cinco dias após a punção dural; 3) desapare­cer espontaneamente dentro de uma semana ou dentro de 48 horas, após tratamento eficaz do extravasamento do LCR, e se a cefaléia persistir esta relação é posta em dúvida (NETTO, 2010).

A incidência de cefaléia pós-punção varia de 0,4% a 70% e está diretamente relacionada com o calibre da agulha. A cefaléia pós-raquianestesia é inversamente proporcional à idade do paciente acima de 20 anos. O risco de um paciente de 25 anos desenvolver cefaléia é de 3 a 5 vezes maior do que um paciente acima de 65 anos. Em estudo retrospectivo, foi demonstrado que a cefaléia é mais freqüente na mulher do que no homem. Este fato não foi confirmado em três estudos prospectivos, justificando-se pela alta incidência de grávidas no estudo retrospectivo. Entretanto, em dois recentes estudos bem conduzidos, foi demonstrado uma maior incidência de cefaléia nas mulheres até 30 anos em relação aos homens, não ocorrendo diferença em torno da quinta década. É razoável afirmar que a mulher jovem tem um risco maior de desenvolver cefaléia pós-raquianestesia do que o homem, diminuindo gradativamente até a menopausa. A partir desta data, mulher e homem apresentam o mesmo risco. A história prévia de cefaléia não influencia a incidência de cefaléia pós-raquianestesia (IMBELLONI, CARNEIROS, 1997).

O diagnóstico de cefaléia pós-raquianestesia só pode ser confirmado quando outras causas de cefaléia são eliminadas, o que é realizado com um cuidadoso interrogatório e um detalhado exame físico. O diagnóstico diferencial inclui: cefaléia psicogênica, meningite, cefaléia tensional, cefaléia migratória, infarto cerebral, crise hipertensiva e alterações metabólicas. Raramente a cefaléia pode ser causada por tumores cerebrais e hemorragia intracraniana (IMBELLONI, CARNEIROS, 1997).

A partir deste estudo compreende-se que a anestesia raquidiana pode levar ao aparecimento de cefaléia no pós-operatório. Embora seja possível utilizar técnicas de prevenção da mesma, como por exemplo, o uso de agulhas de menor calibre durante a punção. Sendo que a cefaléia pós-raquianestesia tem um enorme impacto na recuperação pós-anestésica do paciente. O paciente que desenvolve CPR apresenta uma carga emocional aumentada e constitui uma forma de perpetuação do medo da raquianestesia. O apoio psicológico é fundamental.

 Por isso é extremamente importante que o enfermeiro como membro importante da equipe juntamente com o anestesiologista, esteja presente nos períodos pré, trans e pós-operatório, passando todas as informações necessárias, tirando dúvidas do paciente e da família. Criando um vínculo de segurança entre enfermeiro e paciente, contribuindo para se acabar com os tabus e preconceitos existentes com a raquianestesia. Tornam-se necessários estudos mais aprofundados a respeito da cefaléia pós-raquianesia, principalmente estudos mais atualizados no que se diz respeito a sua incidência e causas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

THORWALD, Jurgen. O século dos cirurgiões: conforme documentod de meu avô, o cirurgião H.E Hartmam. 1 ed. Editora: Leopardo. São Paulo, 2010.

SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Corpos de passagem: ensaios sobre a subjetividade contemporânea. Editora: Estação Liberdade. São Paulo, 2001.

IMBELLONI LE, Carneiro ANG. Cefaléia pós-raquianestesia: causas, pre­venções e tratamento. Rev Bras Anestesiol 1997;47:453-64.

NETTO et al, ISIDORO Binda. Cefaléia Pós-Raquianestesia: fatores de risco asociados a prevenção de sua ocorrência – atualização. Rev Neurocienc 2010; 406-410.

IMBELLONI LE, Carneiro ANG. Influência do Calibre da Agulha, da Via de Inserção da

Agulha e do Número de Tentativas de Punção na Cefaléia Pós-Raquianestesia. Estudo Prospectivo*. Revista Brasileira de Anestesiologia, 1995.


Publicado por: Lorena de Andrade Santana Almeida

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