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Os vários "feminismos"

Breve análise sobre os vários "feminismos".

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Na esfera pública brasileira contemporânea, um dos debates mais acirrados e polêmicos, certamente, diz respeito à questão feminista. Geralmente, para os setores conservadores, o “feminismo” é visto de maneira depreciativa, preconceituosa e reducionista.

Desse modo, para começar a analisar esta temática, é importante compreender o feminismo em sua complexidade. Para tanto, podemos dizer que não há somente “um”, mas diferentes “feminismos”. Alguns, inclusive, bastante divergentes entre si. Pode-se citar como exemplos: “feminismo liberal”, “feminismo radical”, “feminismo marxista”, “ecofeminismo”, “feminismo animalista” e “feminismo vegetariano”. De maneira sucinta, o que diferencia estes movimentos é a maneira como cada se avalia a origem da opressão sofrida pelas mulheres.

À primeira vista, a nomenclatura “feminismo liberal” pode induzir a equívocos. Nesse caso, o adjetivo “liberal” não se refere necessariamente à emancipação coletiva ou algo similar, mas está atrelado à chamada racionalidade neoliberal.

Esta vertente do feminismo associa a libertação das mulheres somente à igualdade de gênero e à ampliação de oportunidades no mercado de trabalho, não levando em conta antagonismos de classe, raça ou orientação sexual.

Trata-se do feminismo presente nas narrativas produzidas pela grande imprensa, estampado em capas de revistas e jornais, em peças publicitárias, em discursos corporativos e exibido em quadros de diversidade de muitas empresas.

Não por acaso, o feminismo liberal – ao entender a desigualdade de gênero como falta de oportunidades iguais para homens e mulheres, alinhando-se aos preceitos da meritocracia – está facilmente acomodado dentro da estrutura patriarcal, capitalista e racista. Consequentemente, contribui para reproduzir e reforçar as desigualdades sociais.

Já o “feminismo radical”, surgido nos Estados Unidos, durante a efervescente década de 60, teve grande influência das lutas sociais travadas em solo estadunidense naquele período, como o combate ao racismo e a defesa dos direitos civis.

Ao contrário do que supõe o senso comum, a palavra “radical”, nesse caso, não está relacionada ao extremismo, mas à “raiz” ou “origens”.

Para as feministas radicais, o patriarcado está na raiz das desigualdades sociais, sendo o principal e mais antigo sistema de opressão da humanidade (inclusive, é responsável por gerar outras formas de opressão).

Este sistema de poder e dominação masculina define “o que é ser mulher”, “como ela deve se portar em público”, “como ela deve se apresentar”, “quais papéis sociais deve desempenhar”, etc.

Nessa relação dialética homem versus mulher, a identidade feminina construída é utilizada como mecanismo de controle.

Tendo em vista esta realidade, o feminismo radical defende a abolição da ideia de gênero, já que é por causa dela que as mulheres são tratadas como se pertencessem a uma hierarquia inferior em relação aos homens.

Em resumo, as feministas radicais querem acabar com o patriarcado. Assim, se opõe às normas e instituições vigentes, buscando descontruir os tradicionais papeis de gênero, de forma que a hierarquia entre homens e mulheres seja abolida.

Assim como o feminismo radical, o "feminismo marxista" concebe a opressão da mulher como um problema estrutural. Também entende o patriarcado como algo problemático.

Porém, as feministas marxistas enfatizam que, ao longo da história, o patriarcado foi incorporado ao capitalismo. Portanto, a superação do patriarcado está intrinsicamente atrelada à superação do próprio capitalismo.

Patriarcado e capitalismo não são sistemas autônomos, independentes. Pelo contrário, formam uma unidade indivisível. Por isso, não faz sentido querer acabar com a opressão patriarcal e com a opressão racista, sem considerar o fim do capitalismo, sistema fundado na divisão da sociedade em classes, baseado em todo tipo de dominação.

Ou seja, para a o feminismo marxista, a opressão de gênero, a opressão racial e a exploração do trabalhador se articulam entre si para gerar o lucro da burguesia.

Esta nefasta articulação pode ser observada na situação material da mulher trabalhadora, ator social que mais sofre com a descriminação, com as condições laborais precárias e com as duplas (ou até triplas) jornadas de trabalho.

É importante frisar que, segundo o feminismo marxista, a revolução socialista só faz sentido se incluir as mulheres e suas reivindicações.

Menos conhecido do que as vertentes feministas abordadas anteriormente, o “ecofeminismo” sugere uma revolução ecológica, com as mulheres em sua liderança, pois partem do princípio de que a dominação sofrida por elas e pela natureza possuem uma mesma raiz: a lógica patriarcal. 

Entre as ramificações do ecofeminismo, há o “ecofeminismo animalista”, que inclui a perspectiva dos animais, sob o argumento de que eles também são dominados e explorados pela lógica patriarcal e capitalista.

As mulheres que se identificam com o ecofeminismo chamam a atenção para o fato de que o tratamento recebido por mulheres, natureza e animais (dependendo da ramificação) são próximos. Para corroborar seus argumentos, recorrem a algumas estruturas conceituais, como, por exemplo, os dualismos de valores opostos que são hierarquizados: homem versus mulher, mente versus corpo, cultura versus natureza, ativo versus passivo, autônomo versus dependente, etc. 

Não coincidentemente, nas ordens hierarquizadas dos dualismos apresentados na frase anterior, aqueles que foram mencionados em primeiro lugar (os “superiores”) estão associados ao homem.

Exemplo emblemático que traduz este dualismo de valor hierarquizado é a concepção de um “Deus”, masculino, que mora no céu, responsável por governar a “Terra” (espaço onde a exploração acontece sem escrúpulos), tratada, justamente, como símbolo feminino.

Também é fundamental lembrar que as consequências das mudanças climáticas recaem mais sobre as mulheres, haja vista que o trabalho de reprodução social, indispensável para a continuidade do capitalismo, ainda é considerado um atributo feminino. São elas que lidam com a escassez de alimentos provocadas por secas (ou outras condições atmosféricas atípicas que interferem na agricultura).

A partir desse olhar integrado, o ecofeminismo joga luz sobre a conexão entre a vida e a natureza, a partir da perspectiva da mulher; ressaltando a relação entre a opressão sofrida por ela e a exploração da natureza como processos oriundos de um mesmo fator: o controle machista.

Ainda nessa linha, o “feminismo vegetariano” denuncia que a cultura patriarcal é responsável por objetificar animais e mulheres. A intersecção desses dois grupos reside no fato de que, em várias ocasiões, as mulheres são animalizadas, sendo tratadas como “pedaços de carne” disponíveis para consumo.

Além do mais, ao constatarem a opressão em comum que animais e mulheres sofrem e que o consumo de carne é historicamente associado à cultura da virilidade masculina (a ponto de que o homem que opta por se abster da dieta carnívora tem, muitas vezes, sua própria sexualidade questionada), as feministas vegetarianas defendem que o vegetarianismo seja incluído como uma das práticas do feminismo, já que a recusa da ingestão de carne seria uma forma de desalojar um dos aspectos do controle masculino.  

Referências

DA SILVA, Cleonice Elias. Um feminismo para todo mundo: experiências do passado e possibilidades para o futuro. Revista PHILIA| Filosofia, Literatura & Arte, v. 2, n. 2, p. 561-576, 2020.

DELAP, Lucy. Feminismos: uma história global. Companhia das Letras, 2022.

FERREIRA, Anna Paula Mattos. O feminismo é para todo mundo. Anna Mattos, 2021.


Publicado por: Francisco Fernandes Ladeira

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