Mesmo nomes, apelidos diferentes: distinção social simbólica.
Breve análise sobre a atribuição de apelidos diferenciadores a crianças com o mesmo nome e como essa prática constitui uma instância significativa da dinâmica simbólica no espaço escolar.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Mesmo nomes, apelidos diferentes: distinção social simbólica
Este artigo propõe que a prática de atribuir apelidos diferenciadores a crianças com o mesmo nome constitui uma instância significativa da dinâmica simbólica no espaço escolar. O nome, ao ser transformado, carrega mais do que identidade, ele comunica valor. A forma como esse valor é distribuído, mesmo sob o disfarce da informalidade, tem efeitos sobre a construção do eu infantil.
Nas escolas, é comum que duas ou mais crianças compartilhem o mesmo nome. Para diferenciá-las, professores e colegas recorrem frequentemente a apelidos, muitas vezes baseados em atributos físicos, como altura, peso ou força. Dessa prática aparentemente inofensiva surgem denominações como “Pedrinho” e “Pedrão”, que estabelecem posições distintas entre sujeitos que, na linguagem formal, são iguais. Este artigo investiga como esses apelidos afetam a constituição da identidade infantil, propondo que a distinção simbólica entre crianças que compartilham o mesmo nome pode gerar frustração, inferiorização e conflitos subjetivos. Para analisar esse fenômeno, recorremos à psicologia histórico-cultural de Lev Vygotsky e à sociologia crítica de Pierre Bourdieu. Ambas as abordagens permitem compreender a linguagem como mediadora da subjetividade e do poder simbólico.
HIPÓTESE
A hipótese central é que os apelidos funcionam como mecanismos classificatórios que, ao diferenciarem, também hierarquizam, influenciando tanto a autoimagem da criança quanto sua posição relacional no espaço escolar.
FUNDAMENTAÇÃO
Lev Vygotsky: o nome como instrumento psicológico
Vygotsky (1991) concebe o desenvolvimento psicológico como um processo mediado por signos e instrumentos culturais. A linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas uma ferramenta fundamental de organização interna da consciência. O nome próprio, nesse contexto, é um dos primeiros signos simbólicos que a criança interioriza como marca de sua identidade. Quando esse nome é alterado por um apelido, sobretudo um apelido comparativo, esse signo passa a carregar significados adicionais que escapam à neutralidade.
Para Vygotsky, os signos não apenas representam a realidade, mas também a transformam internamente no sujeito. Assim, quando uma criança é chamada sistematicamente de “Pedrinho”, esse diminutivo pode se converter em um operador psíquico de menoridade, fragilidade ou submissão. Se, ao mesmo tempo, o outro Pedro é apelidado “Pedrão”, a construção da identidade passa a estar atravessada por uma hierarquização simbólica da qual a criança participa, mesmo sem compreender plenamente suas implicações sociais.
Pierre Bourdieu: a linguagem como poder simbólico
Em sua obra O poder simbólico, Pierre Bourdieu (2008) argumenta que a linguagem é um instrumento de dominação simbólica. As palavras não têm apenas função descritiva, elas também produzem efeitos de verdade e autoridade. A nomeação, nesse sentido, não é um ato neutro. Ela confere posições dentro de um espaço social, reforçando hierarquias e distinções legitimadas por uma estrutura invisível de poder.
Bourdieu mostra que expressões linguísticas carregam o que ele chama de “capital simbólico”, ou seja, valor social que legitima ou desqualifica um sujeito. Ao chamar uma criança de “Pedrinho”, o ambiente escolar pode estar atribuindo a ela uma posição simbólica de inferioridade, mesmo sob a aparência de afeto ou brincadeira. A distinção criada pelo apelido não apenas nomeia, mas classifica e posiciona, um efeito típico daquilo que Bourdieu denomina violência simbólica, quando relações de dominação são naturalizadas sob o manto da normalidade.
Além disso, essa nomeação opera dentro do que Bourdieu chama de espaço social, um campo de relações em que os sujeitos disputam reconhecimento. No caso das crianças, o uso de apelidos diferenciadores pode criar microposições de prestígio ou desvalorização, que são internalizadas e reproduzidas nas interações cotidianas.
UMA ANÁLISE
A articulação entre Vygotsky e Bourdieu permite compreender que os apelidos dados a crianças com o mesmo nome não são apenas formas práticas de distinção, mas carregam significados simbólicos profundos. Por um lado, atuam sobre a constituição subjetiva da criança, influenciando sua autoimagem e sua estrutura emocional. Por outro, refletem e reforçam uma lógica social de distinção e hierarquia.
Assim, uma criança chamada de “Pedrinho” pode experimentar sentimentos de menor valor ou limitação, em contraste com o “Pedrão”, que pode ser visto como forte, grande ou dominante. Essas nomeações, mesmo involuntárias, funcionam como formas de classificação simbólica que atravessam o desenvolvimento infantil, com potenciais efeitos emocionais e sociais de longo prazo.
ALGUMAS CONSIDERAÇOES
Ao unir a psicologia histórico-cultural e a sociologia da educação, este estudo indica que práticas simbólicas cotidianas não são neutras. Elas operam sobre o sujeito, moldam sua identidade e expressam relações sociais profundas. Pesquisar essas práticas com o devido rigor teórico é uma forma de trazer à tona estruturas invisíveis que sustentam desigualdades subjetivas desde a infância. A partir dessa reflexão, torna-se necessário considerar que os professores reconheçam o papel formador da linguagem que utilizam em sala de aula, mesmo em seus aspectos mais informais. Isso não significa proibir apelidos, mas sim refletir sobre os efeitos simbólicos que eles podem produzir e, quando necessário, intervir para evitar que crianças sejam marcadas por classificações depreciativas. O artigo, portanto, pode servir como uma ferramenta de formação docente, ajudando educadores a perceberem que nomear é também atribuir valor e posicionar socialmente. Estar atento a isso é promover uma escola mais justa, inclusiva e respeitosa com as diferenças.
REFERENCIAS
VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 12. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
Publicado por
RAFAEL GARCIA DA SILVA, estudante de Psicologia pela Puc-Campinas e Ciências Sociais pela Unicamp.
Publicado por: Rafael Garcia da Silva
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.