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Proseando com o poeta

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O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Não faz parte dos meus hábitos ir com freqüência ao cemitério, mas dias atrás fui. Não, não se assustem... Não vou contar uma história de fantasmas... Ao contrário. Vou contar de alguém que está bem vivo. Ou, pelo menos, a cidade toda fala dele como se ainda estivesse.

Tanta intimidade se justifica, afinal de contas ele é o nosso Poeta das Rosas, ou das Flores, se preferirem. Mesmo sendo um artista singular, um gênio, um mito, e trazendo um quê de místico, por paradoxal que pareça nosso personagem está entranhado no dia-a-dia dos são-pedrenses.

Bem, no meu "passeio" pelo cemitério me vi à frente do túmulo de Gustavo Teixeira. Reparei que, sei lá por qual motivo, nem uma flor havia a lhe fazer companhia. E pensar que estamos às portas da primavera...

Tudo bem! O fato em si não é grave, posto que após a morte, no meu entendimento, vamos para outro plano espiritual, e talvez nem precisemos de flores. Dar-lhe uma flor, no caso, seria mais um gesto simbólico, e resolvi fazer esse gesto.

Olhei à minha volta e não tive dúvidas. Caminhei até o túmulo florido mais próximo e roubei uma dália. Imaginem... E se o dono dela me pega? Mas, acho que não... Certamente ele diria que é uma honra ser vizinho de pessoa tão ilustre como Gustavo Teixeira e poder colaborar com o enfeite de sua tumba.

Tudo acertado comigo mesma, apanhei a dália, depositei no túmulo do poeta, e nesse momento iniciamos um diálogo imaginário:

"- Me desculpe, Poeta. Dália para o Poeta das Rosas! E ele:

- Ah! Bem lembrado! Você sabe o quanto eu gosto delas... E de rosas, violetas, pássaros, pôr-do-sol, paisagens e pessoas. Falo muito de pessoas em meus versos. Falo em renúncia, solidão, desilusão, saudade, sonhos, alegria, esperança, amor e morte. Enfim, tudo o que faz parte da vida do ser humano. Por isso criei tantos poemas. Com eles homenageio a natureza, nossa cidade, nossa gente."

Confesso que estranhei um Gustavo tão falante. Sempre ouvi dizer que era retraído, sóbrio, estranho, entre tantos outros adjetivos menos ou mais lisonjeiros. Porém, todo mundo tem o direito de dar asas à própria fantasia e formar histórias em relação a um ídolo. Curiosa, arrisquei uma preleção e uma pergunta a esse homem talentoso, inteligente e de tão fina sensibilidade.

"- No prefácio do seu livro ‘Ementário', Vicente de Carvalho diz que ‘a ambição de deixar a sua alma ecoando sonoramente em outras almas, através dos tempos, é sem dúvida o incentivo dos poetas, e a ilusão de quase todos eles'. O que o senhor me diz disso?

- O Vicente está certo. No meu caso, de cada vez que alguém se lembra de um verso meu, está se lembrando de mim, e isso me deixa muito feliz!

- Sabe, Poeta, muita gente conta que o senhor era um homem solitário, de pouca prosa...

- É verdade. Faz sentido. No tempo em que andei por aí talvez tenha andado meio distraído, mas não foi por mal. De fato,  eu vivia submerso em minhas próprias impressões e nos meus sentimentos em relação a tudo o que me cercava. Fazer poesia é algo complicado. Mas o saldo foi bom: amei demais e, em contrapartida, amealhei bons sentimentos. Tenho certeza de ser, ainda hoje, muito amado.

- Então, me permita perguntar: o que se sente ao escrever uma poesia?

- Bem, o ato de criar, para mim, sempre foi uma mistura complexa de dor e prazer. Quando surge a idéia, a sensação é indescritível. A alegria é imensa. Depois vem a dor, a angústia de mergulhar no que se fez para  aparar as arestas, lapidar o que se escreveu. É só fazendo para experimentar como se faz. Não dá para explicar de outra forma a sensação de criar ou de ver um poema pronto!

- E como se escolhe o tema?

- É mais ou menos o que acabei de falar: primeiro é o momento mágico da inspiração. Depois, é o trabalho, por assim dizer, ‘braçal'. É a transpiração.

- Poeta, ao versejar sobre amores, alegrias e desilusões amorosas o senhor está  sendo autobiográfico?

- Às vezes sim, às vezes não. Ao escrever sobre meus sentimentos eu posso estar, também, me referindo aos de outras pessoas. Muitas vezes descrevo a minha história, em outras, as histórias alheias. No fundo, todos nós experimentamos dores e alegrias semelhantes. Isso, sem contar que ‘o poeta é um fingidor', como diria meu colega Fernando Pessoa.

- Escrever sobre objetos é mais fácil?

- Não!!! Eles são temas carregados de complexidade. Uma poesia pode transformar um objeto, levar o leitor a ver de forma totalmente diversa, sob um novo ângulo, coisas aparentemente simples como mesa, cruz, espelho, estátuas, leito, piano, leque ou relógio. A poesia tem um poder irradiador, transformador, e isso é muito bom, lúdico e interessante.

- Em quanto tempo se cria uma poesia?

- Ah! Depende! Às vezes vem a inspiração e, junto com ela, a poesia pronta, irretocável. No mais, demora dias, meses, até anos... De qualquer forma o intelecto e a emoção dos poetas trabalham constantemente. É labor em tempo integral, sem descanso. Até dormindo o poeta está trabalhando. Os sentimentos, as impressões e sensações são incessantes e a forma de colocar tudo isso no papel é tarefa árdua.

- Como é desgastante, hein!

- É sim. A emoção é a principal ferramenta de trabalho dos poetas. Lidar com emoções vinte e quatro horas do dia nos deixa por demais vulneráveis. Mas a luta, embora difícil, é compensadora... Eu sempre amei o que fiz.

- O seu dom para a poesia foi herdado?

- Que eu saiba, não. Fui agraciado por Deus com esse dom e procurei apurá-lo, para realizá-lo cada vez melhor. É o mínimo que eu poderia fazer para agradecer a Deus pelo dom com que me presenteou.

- Nossa! É lindo isso que o senhor falou, Poeta!!! Agora..., eu tenho uma última pergunta, se quiser me responder: há muita especulação em torno de sua morte. De que o senhor morreu?

- Olha, diga aos meus conterrâneos que eu fui ferido mortalmente pela minha própria ferramenta de trabalho.

... É... tem razão o Poeta. Eu vou dizer. Tchau!".

E saí do cemitério, lentamente, pensando que cada pessoa acredita no que quer. Como de poeta e de louco todo mundo tem um  pouco, acredito piamente que minha prosa imaginária com nosso amado poeta foi mais do que real!!!


Publicado por: Bete Bissoli

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.