Tudo na vida é lapidação
Os encontros com o outro servem para aperfeiçoamos sentimentos vitais, como amor, confiança e esperança; ou mesmo para lidarmos com seus opostos.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
“Tudo nesta vida é lapidação”. Com esta frase um amigo baiano encerrou, por telefone, uma conversa em que falamos de tudo, inclusive da solidão. Ele lembrava de alguns de nossos conterrâneos que viviam sozinhos e se declaravam amargurados com o destino a eles reservado.
Em cima da sua conclusão, constatávamos que tudo – absolutamente tudo (de bom e de ruim) – pode ser usado como matéria-prima para nos lapidarmos. Se analisarmos a essência da palavra “amadurecer” poderemos chegar à conclusão de que se trata de um processo gradativo de alcançar o próprio auge. Uma fruta madura é aquela que chegou ao topo da sua “proposta de existir”. Se não for consumida, apodrece e perde seu objetivo primordial. Assim, a lapidação de nós mesmos – infinitamente mais demorada do que o tempo de amadurecimento de uma fruta – é a busca do nosso máximo possível.
Sendo assim, dá para acreditar que até a dor da solidão pode ser uma ótima oportunidade para exercitar tais lapidações. Há uma história literária muito instigante sobre a aprendizagem que nasce da existência solitária. No livro “O Deserto dos Tártaros”, o escritor italiano Dino Buzzati conta a trajetória de vida do jovem oficial Giovanni Drogo, que é nomeado para fazer parte de um batalhão do Exército italiano, localizado em um forte à beira do Deserto dos Tártaros – uma região de fronteira. Com todos os sonhos e esperanças que arrebatam a maioria dos jovens, a personagem via naquela oportunidade uma chance única de experimentar aventuras inesquecíveis, de travar batalhas que pudessem dar sentido à sua vida, até então monótona. Ao contrário, tudo que encontrou foi uma rotina vazia e tomada pelo silêncio e pela solidão.
Buzzati, num dos trechos que me marcaram, diz exatamente assim: “...deu-se conta de que os homens, ainda que possam se querer bem, permanecem sempre distantes; que se alguém sofre, a dor é totalmente sua, ninguém pode tomar para si uma mínima parte dela; que se alguém sofre, os outros não vão sofrer por isso, ainda que o amor seja grande; e é isso que causa a solidão da vida.”
O jovem oficial da ficção não tardou para perceber a força dessa afirmação do autor/narrador. Consciente de que aquele deserto que seus olhos perdiam de vista havia despertado seu próprio deserto interior, não lhe restou alternativa a não ser conhecê-lo mais a fundo. Na frase a seguir Giovanni Drogo arremata o que pôde tirar dessa vivência: “acreditamos que ao redor há criaturas como nós e, ao contrário, só há gelo, pedras que falam uma língua estrangeira. Preparamo-nos para cumprimentar o amigo, mas o braço recai inerte, o sorriso se apaga, porque percebemos que estamos completamente sós.”
Todos, em menor ou maior grau, vivem essa experiência. Quem não já se sentiu só em meio à multidão ou mesmo ao lado de alguém muito próximo? Não há, no entanto, qualquer mal nisso! Nascemos sós e morremos sós. Está é uma condição da essência humana. Os encontros com o outro servem para aperfeiçoamos sentimentos vitais, como amor, confiança e esperança; ou mesmo para lidarmos com seus opostos. Eles são, na verdade, grandes chances para as “inter-lapidações”, como quis dizer meu amigo.
Publicado por: Roberto D´arte
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.