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PÓS-HUMANISMO NO CONTO ROBBIE (1940) DE ISAAC ASIMOV

Análise dos contos Robbie(1940) escrito por Isaac Asimov, de forma a interpretar a relação homem versus máquinas descritas pelo autor, partindo de concepções de autores pós-humanistas.

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Resumo

O gênero Ficção Científica é conhecido por abordar temas que refletem questões sociais decorrentes dos avanços tecnológicos. Um autor aclamado nessa área, por abordar tais questões, é Isaac Asimov. Portanto, o objetivo deste trabalho foi analisar a relação entre homem e máquina na escrita deste autor. Isso foi feito examinando o conto Robbie (1940) a partir dos princípios do Pós-Humanismo. Para isso, foi necessário contextualizar a literatura de Ficção Científica, descrever a teoria pós-humanista, examinar e apresentá-la na narrativa escolhida. Os autores foram escolhidos para discussão com base em argumentos apresentados pelos autores Braidotti (2020), Haraway (2009), Pepperel (2003) e Santaella (2013) sobre Pós-Humanismo. Em relação às informações sobre o gênero Ficção Científica, foi utilizada a literatura de Régis (2003), Roberts (2018).

Palavras-chave:  Ficção Científica. Pós-Humanismo. Isaac Asimov. Contos.

INTRODUÇÃO

Grandes nomes marcam a “Era de Ouro’’ (1938-1950) da Ficção Científica, época em que as mais famosas obras foram publicadas. Um deles é Isaac Asimov. Asimov abordou diversos temas em seus livros que sempre apresentavam questões sociais, como política, economia e sociedade. Ele escreveu diversos clássicos como os romances Foundation Trilogy (1942–1993) e I, Robot (1950). Em suas obras, Asimov sempre buscou debater sobre a relação entre humanos e robôs. Explorando temas como a ética na criação de máquinas inteligentes, a possibilidade de coexistência pacífica entre robôs e humanos e o papel dos robôs no progresso da humanidade, Asimov foi capaz de apresentar através da literatura as possíveis consequências dessa relação, trazendo sempre uma reflexão sobre o futuro da humanidade.

Tal relação é debatida no movimento contemporâneo chamado Pós-Humanismo, que pode ser caracterizado como uma corrente de pensamento que busca caracterizar o “ser” humano após tantas influências e interações com avanços tecnológicos. Com a modernidade, a humanidade está cada vez mais interligada com a tecnologia, mudando a forma dos indivíduos se comportarem e com isso alterando as relações entre natural e artificial, entre o humano e o “outro’’ A teoria pós-humanista surge então como um mecanismo de questionar os conceitos fixos defendidos pelo Humanismo, sendo um deles a definição do que é ser humano. Assim como afirma Hayles (2020) o movimento pós-humanista não simboliza a ruína da humanidade, apenas de certas concepções enraizadas a respeito do humano.

Definições a respeito do que significa ser humano e “pós-humano” são amplamente desenvolvidas com o intuito de transmitir que a condição humana passou e continua a passar por diversas mudanças, e que o significado do que representa o que é ser humano sofre influências pela manipulação humana da tecnologia. Essas conexões entre os temas foram feitas por Oliveira(2023) e conduziram também a pesquisa deste artigo. Desse modo, pergunta que conduziu a investigação para esse artigo foi: Como a teoria do Pós-Humanismo é representada nos contos True Love (1977) e Robot Dreams (1986) de Isaac Asimov?

Esta pesquisa consiste em uma investigação bibliográfica que utiliza a obra "Robbie" (1940) de Isaac Asimov como fonte de dados. O método utilizado é o hipotético-dedutivo. O objetivo é analisar se a identidade humana ocorre em seres não humanos e como características humanas são reproduzidas nessas entidades. A abordagem é qualitativa, buscando extratos das obras para apoiar as hipóteses da pesquisa. A técnica de coleta de dados utilizada é a observação direta.

DESENVOLVIMENTO

A teoria pós-humanista surge do Humanismo e indaga a noção de Homem usada neste movimento - uma figura totalmente eurocêntrica, derivada da então superioridade europeia. O Pós-Humanismo questiona quem é e quem será essa figura do Homem no futuro, resultado da interação com a tecnologia. Entre os diversos teóricos, Rosi Braidotti traz a noção de Pós-Humanismo analítico como “referente aos conhecimentos de ciência e tecnologia e é um dos componentes mais importantes da cena pós-humana contemporânea” (BRAIDOTTI, 2020, p. 142). De acordo com Oliveira (2023) Teóricos pós-humanistas buscam conceituar o que é ser humano e até que ponto o ligamento com a tecnologia pode alterar a concepção do Homem. As definições a respeito da espécie humana são colocadas em questionamento, visto que o humano atual não é o mesmo humano de séculos anteriores, há novas adições em sua composição tanto física como intelectual advindo da adjunção da tecnologia

Neste início de século XXI, a tecnologia já é algo intrínseco ao ser humano tal forma que como relata Donna Haraway traz em Manifesto Ciborgue (2009), a ideia de que a interação entre humanos e tecnologia nos torna ciborgues, mas não “ciborgues”, como nos filmes de cinema. Mas, sim, como uma versão melhorada do Homem com a ajuda da tecnologia, na ciência e na medicina, por exemplo. De modo que “para Haraway, as realidades da vida moderna implicam uma relação tão íntima entre as pessoas e a tecnologia que não é mais possível dizer onde nós acabamos e onde as máquinas começam” (KUNZRU, 2009, p. 22).  Essa relação entre humano e tecnologia, ou a forma como o ser humano se comporta com a inclusão da tecnologia no cotidiano, é bastante abordada na Literatura de Ficção Científica, pelo autor escolhido nesse trabalho, Isaac Asimov, mas também por diversos outros. 

Isaac Asimov é fortemente citado por ser o “mais famoso autor de FC do século” (ROBERTS, 2018, p. 392). É de autoria dele importantes livros do gênero como Foundation (1951), Nightfall (1941) e The Caves of Steel (1954). Uma das características das obras de Asimov era trazer nos enredos a relação entre homens e robôs. Asimov ao escrever sobre robos e com ajuda de seu editor John Campbell, eles estabelecem as “Leis da Robótica” em 1940. Com o estabelecimento dessas leis, as narrativas ganham uma nova perspectiva, dessa vez otimista, o autor mostra a convivência de homens e máquinas e pode haver harmonia entre eles, Asimov traz em seus livros robôs que ajudam o Homem, que o obedecem e tem como princípio defendê-lo

A influência da obra R.U.R pode ser notada durante a Golden Age, os autores da época buscavam de certa forma negar, o que foi proposto na peça teatral. Os autores da Golden Age, rodeados pelos avanços tecnológicos, produziram narrativas que defendiam a tecnologia.Os autores da época retratavam os robôs de forma "domesticada", como criaturas confiáveis e gentis com os humanos, com o objetivo de estimular nas pessoas um sentimento amigável em relação aos robôs e negar a possíveis traços negativos e agressivos. Um importante nome nessa causa foi Isaac Asimov, preocupado em “demonstrar a segurança e a fidelidade dos robôs em relação aos humanos” (REGIS, 2006, p. 8). O autor que chegou a publicar mais de 500 obras, é considerado por pesquisadores, como o mais prolífico escritor, assim como afirma Melo (2016, p. 45) em “Asimov talvez tenha sido o escritor mais produtivo e mais flexível de todos os tempos, chegando até mesmo a afirmar que escrevia pelo mesmo motivo que respirava: pois se não o fizesse, morreria”.

Análises conto Robbie (1940)

O conto Robbie foi publicado em 1940 pelo autor Isaac Asimov. A história é narrada em um futuro em que robôs fazem parte da sociedade e tem como foco uma menina chamada Gloria e sua relação com seu robô de estimação chamado Robbie. Gloria é bastante apegada a Robbie, que é um robô programado para desempenhar a função de babá. Contudo, a mãe dela, a Sra Weston, é contrária a essa relação, por isso, o pai de Gloria, George Weston devolveu o robô para a fábrica em que ele foi produzido. Depois de vários acontecimentos, incluindo o luto de Gloria pela perda de seu amigo até um passeio a Nova York, a mãe após presenciar Robbie salvando a vida de Gloria, finalmente permite que a família mantenha o robô. O conto aborda temas como a relação entre humanos e robôs e a maneira que as relações entre seres humanos e máquinas são concebidas e mantidas. No início do conto é exposto a insatisfação da mãe de Gloria pela presença de Robbie em sua casa:

Análise 1

"– Ouça o que eu digo, George. Não vou confiar a minha filha a uma máquina, e não me importa quão esperta ela seja. Ela não tem alma e ninguém sabe o que pode estar pensando. Crianças simplesmente não foram feitas para serem protegidas por uma coisa de metal. (...) - Bom, o que os vizinhos têm a ver com isso? Veja bem. Um robô é infinitamente mais confiável que uma babá humana. Na verdade, Robbie foi construído com uma única finalidade: ser o companheiro de uma criancinha. Toda a sua “mentalidade” foi construída com esse propósito"(ASIMOV, 2018, p. 28)

Nessa parte do conto, a Sra. Weston se mostra totalmente contra a relação desenvolvida entre sua filha e o robô Robbie. Ela se mostra não apenas contra o robô de estimação da sua filha, mas também contra robôs em geral, não se importando com as vantagens e qualidades do robô. Como no trecho: “Não vou confiar a minha filha a uma máquina, e não me importa quão esperta ela seja. Ela não tem alma e ninguém sabe o que pode estar pensando”. A opinião da Sra Weston é discutida por Robert Pepperell em seu livro The Posthuman Condition(2003), ao debater sobre a negação e certas dificuldades em aceitar as formas em que a tecnologia está sendo inserida nas instituições sociais, ele afirma que: Despite all the excitement and the high expectations of robotics it should also be recognised that we are still coming to terms with the huge degree of complexity involved in replicating anything approaching human-like behaviour (or ‘humanoid’ as the terminology has it). (PEPPERELL, 2003, p.4). Apesar de todas as vantagens consequentes da tecnologia, nem todas as pessoas estarão de acordo com as mudanças que irão ocorrer em função do progresso científico, e de que forma os resultados desse avanço será visto como algo benéfico ou como algo problemático, que foi o caso da personagem Sra Weston que se recusa a permitir que sua filha seja criada por um robô. Já o Sr Weston afirma que o robô é até mais confiável que uma babá humana já que ele foi programado para isso, assim na falaUm robô é infinitamente mais confiável que uma babá humana. Na verdade, Robbie foi construído com uma única finalidade: ser o companheiro de uma criancinha. Toda a sua “mentalidade” foi construída com esse propósito. As discussões analisadas pelo movimento do Pós-Humanismo tratam justamente essas temáticas discutidas pelo casal Weston, a tecnofilia e tecnofobia, o apreço e a aversão pela tecnologia respectivamente. Bruna Silva e Fabiano Veliq (2021, p. 262) ao analisarem os aspectos das mudanças sociais que acontecem no Pós-Humanismo, apresentam como “O segundo aspecto que destacamos é sobre o estatuto da inclusão dos não humanos na convivência e socialização humanas”. Aspecto esse que é apresentado como um dos principais conflitos em narrativas que apresenta a temática homem versus máquina, de que forma seres não humanos devem ser inseridos na sociedade, se eles são dignos de direitos sociais e quais contextos eles devem ser estabelecidos.

Analise 2

"– Talvez... talvez devamos buscar Robbie de volta. Isso seria possível, sabe. Posso entrar em contato com...

– Não! – replicou ela de maneira veemente. – Não quero nem ouvirfalar disso. Não vamos desistir assim tão fácil. Minha filha não será criada por um robô, nem que leve anos para fazê-la se desacostumar dele.

– Você está ajudando muito, George – foi a fria resposta. – O que Gloria precisa é de uma mudança de ambiente. É claro que ela não consegue esquecer Robbie aqui. Como ela poderia, quando cada árvore, cada rocha a fazem lembrar dele? É de fato a situação mais absurda de que já ouvi falar. Imagine uma criança definhando pela perda de um robô" (ASIMOV, 2014, p. 34 )

Os pais de Gloria conversam sobre a possibilidade de trazer Robbie de volta, porém a mãe se recusa. Pela fala da Sra. Weston, pode se concluir que o comportamento da filha mudou bastante ao ser afastada de Robbie e a recusa da mãe em aceitar Robbie continua e ela afirma que não irá ceder ou mudar de opinião como no trecho “Não quero nem ouvirfalar disso. Não vamos desistir assim tão fácil. Minha filha não será criada por um robô, nem que leve anos para fazê-la se desacostumar dele”. Ela afirma que não irá aceitar que sua filha seja criada por um robô nem que passe anos para que ela entenda. A opinião de não aceitar Robbie pela Sra. Weston, representa a negação de parte da sociedade em aceitar que os avanços tecnológicos farão sim parte da sociedade, de forma que “A perspectiva pós-humanística não é sinônimo da superação da condição humana ou de nossa obsolescência, e sim é inclusiva aos não humanos na nossa constituição” (SILVA; VELIQ, 2021, p. 247). Ao aceitar Robbie, não significaria um regresso social ou resultado da obsolescência humana em relação a outros seres, mas sim a inclusão de seres não humanos que fazem parte da sociedade.

Gloria sofria a perda de Robbie como quem passa por um luto, o sofrimento não era pela perda de uma máquina, mas sofria como se tivesse perdido um parente muito próximo e querido assim como “É de fato a situação mais absurda de que já ouvi falar. Imagine uma criança definhando pela perda de um robô”. Esse comportamento de luto é explicado pelos autores em “Na medida em que vamos constituindo uma relação de maior proximidade com as máquinas, vamos as tomando como dotadas de certa identidade, promovendo processos de interação mutuamente afetáveis e transformativos” (SILVA; VELIQ, 2021, p. 248). Robbie e Gloria tinham uma interação afetiva muito próxima e o resultado dessa interação teve como consequência a transformação de identificação a respeito da consideração que ela tinha por Robbie.

CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo a análise dos contos Robbie(1940) escrito por Isaac Asimov, de forma a interpretar a relação homem versus máquinas descritas pelo autor, partindo de concepções de autores pós-humanistas. Ao explorar esse conto foram examinadas as principais temáticas que envolvem a interação entre humanos e tecnologia. Para isso foi necessário realizar um levantamento dos principais assuntos: a teoria do Pós-Humanismo e o gênero de Ficção Científica, com a finalidade de mostrar a conexão entre a teoria e a Literatura.

Com o propósito de compreender a questionamento inicial dessa pesquisa que foi “Como a teoria do Pós-Humanismo é representada nos contos Robbie (1940) de Isaac Asimov? teve-se como respostar que pelo fato de ao usar a tecnologia para ter um ser que cumprisse melhor a função e babá. A personagem Robbie, mesmo sendo constituído de um material artificial, era considerado humano por gloria. No conto foi explorado os conflitos éticos de um novo ser que desafia a individualidade e a suposta superioridade humana. Foi visto pelos diversos personagens como a ética humana é desafiada ao encarar os seres não-humanos. Do mesmo modo, foi provado que a escrita de Isaac Asimov demonstra que o movimento pós-humanista e seus conceitos aparecem como consequências dos avanços tecnológicos e científicos e como a definição de humanidade encaminha-se para uma nova forma.

Ao longo desse trabalho foram pesquisados conteúdos relevantes, de forma a acrescentar o repertório de pesquisa sobre o gênero de ficção cientifica e o autor Isaac Asimov, e como sua escrita foi e continuar a ser fundamental para a literatura. Karen Melo (2016), ao escrever sobre a escrita de Isaac Asimov, afirma que o estudo da obra do autor é uma foma de se refletir sobre a relação do ser humanos e a tecnologia de forma figurada apresentado pela Ficção Científica que é reflexo da sociedade. Asimov, mesmo tendo publicado grande parte de sua bibliografia há mais de 50 atrás, os temas abordados se mostram cada vez mais atuais, visto que a sociedade parece se encaminhar para o futuro que ele descrevia. Desse modo, o estudo e análise de suas obras é tão importante para a Literatura.

REFERÊNCIAS

ASIMOV, Isaac. Eu, Robô. São Paulo: Aleph, 2014.

ASIMOV, Isaac. I, ROBOT. [S. l.]: Harper Voyager, 2018. 256 p. ISBN 978-0-00-736935-5. Ebook Edition.

BRAIDOTTI, Rosi. Pós-humanismo – A vida para além do sujeito. p. 111-156 In BERNARDINO, Lígia; FREITAS, Marinela; GIL SOEIRO, Ricardo. Pós-humano. Que futuro? Antologia de textos teóricos. Húmus, 2020.

FELINTO, E; SANTAELLA, L. O explorador de abismos: Vilém Flusser e o pós humanismo. São Paulo: Paulus, 2012.

Kunzru, Hari. "Você é um ciborgue”: um encontro com Donna Haraway.".  17-32. In: TADEU, Tomaz(org). Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Autêntica, 2009

PEPPERELL, Robert. The post-human condition. Intellect books, 2003.

REGIS, Fátima. Como a ficção científica conquistou a Atualidade. REGIS, Fátima. Nós, Ciborgues: tecnologias de informação e subjetividade homem máquina. Rio de Janeiro: Programa de Pós-graduação da ECO-UFRJ, p. 227, 2002.

ROBERTS, Adam. A verdadeira história da ficção científica: Do preconceito à conquista das massas. 1. ed. São Paulo: Seoman, 2018

SANTAELLA, L. Comunicação Ubíqua: Repercussões na Cultura e na Educação. São Paulo: Paulus, 2013.

SILVA, Bruna Coutinho; VELIQ, Fabiano. Figuras pós-humanas e inteligência artificial: uma reflexão a partir de Black Mirror. Ação Midiática – Estudos em Comunicação, Sociedade e Cultura, p. 243-265, jul. 2021. ISSN 2238-0701. Disponível em: . Acesso em: 20 abr. 2023. doi:http://dx.doi.org/10.5380/am.v22i0.73909.


Publicado por: MARIA GABRIELA LOPES DE OLIVEIRA

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