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O Muro

Confira aqui o texto chamado O muro de Robert Lima!

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Sempre tive curiosidade de saber o que havia atrás daquele muro...

Na época eu tinha oito anos de idade, e sempre nas férias escolares, eu ia passar um tempo na casa da minha avó. Ela era uma senhora dos seu setenta e quatro anos, gostava de costurar, sempre à beira da janela, que dava visão para o muro.

Todas as vezes que estava brincando no quintal, ela sempre falava:— Vinicios, vá brincar em outro lugar, sai de perto desse muro!

Era um muro alto, talvez não fosse tão alto assim, eu era uma criança, e tudo parecia muito maior perto de mim.

Sempre gostei de brincar com a natureza, nunca fui ligado em carrinhos ou brinquedos do tipo. Eu gostava de experimentos, misturava água, folhas e tudo que via pela frente, enterrava, e depois noutro dia, ia ver o resultado da bagunça. Me divertia em cavar buracos, achar tesouros, subir em árvores, nada convencional pra uma criança da cidade. As férias na casa da vovó, eram as melhores, mesmo com toda simplicidade que havia na época. Um dia, eu acordei bem cedo, a vovó estava fazendo o café, e vovô tinha saído para comprar o pão, aproveitei a distração e fui pro quintal, ela nem percebeu que eu havia acordado.

Escavei o buraco onde eu tinha enterrado as minhas experiências, com as mãos cheias de terra preta, olhei pra trás, e vi o muro. Eu na minha curiosidade de criança, fui até lá, observei ele bem de perto, era alto mesmo, metade de pedra e a outra de cimento. Em cima dele havia muitos cacos de vidro. Eu pensei...— pra que tão alto e tantos cacos, se ao lado não morava ninguém?

Foi ai que eu me enganei, olhei por uma fresta da rachadura, e pude ver outro lado. Existia uma casa, parecia abandonada, o mato estava alto, mas eu podia ver as janelas desbotadas pelo tempo, vidros quebrados e muita poeira, na varanda, muitas cachopas de marimbondos.

— Vinícios, onde você estava garoto! Gritou vovó. Eu com as mãos pretas de sujeira e cara de paisagem, sem saber o que dizer.

Noutro dia...

— Vovó, vou brincar na rua com a Michele _Pode ir brincar, mas quando der a hora, quero você dentro de casa, ok? sim vovó, claro.

Eu como toda criança, falava uma coisa, mas fazia tudo ao contrário.

— Ei Michele! Vamos brincar? — Vamos! Vou pegar minhas bonecas — Bonecas? eu não brinco com bonecas, isso é coisa de meninas! — Então vamos brincar de que? — vamos andar de bicicleta, vou pegar do meu avô, e você pega a sua — Tá bom.

Ficamos andando de um lado para outro, até cansar. Então paramos e sentamos na calçada da casa que tinha o enorme muro.

— Michele, você já entrou nessa casa? — Eu não Vinícios, minha mãe sempre disse para não chegar ai perto Minha avó diz a mesma coisa pra mim, o que deve ter de mau aí dentro?

Eu e Michele olhamos pela fresta do portão de madeira, empurramos, ele estava semi aberto, amarrado pelas correntes, mas o pouco que abriu, deu espaço pra que eu e Michele pudesse passar. Entramos, apesar do mato está alto, o caminho de pedra que levava até a casa estava limpo. Demos as mãos, e mesmo com medo, entramos.

A casa era escura, teia de aranha por todo lado, sem falar nos marimbondos que ficavam voando em cima de nossa cabeças, só esperando o momento de dar uma ferroada. Nossas pernas tremiam, mas não recuamos. Toda criança é teimosa, entramos.

A porta da casa estava sem tranca, a sala estava coberta de jornais e muita poeira, e um colchão jogado no chão.

Mesmo que nós sussurrássemos, nossa voz ecoava casa adentro. De repente a porta fecha, numa força dada pela corrente de ár que entrava na casa, ficamos trancados. Eu e Michele sentamos no chão abraçados, nosso coração quase sai pela boca, só pensava na minha casa. Um cheiro de mofo misturado com fezes de animal. Foi aí que tudo começou acontecer, ouvimos todo tipo de barulho, água caído da torneira, panelas caindo no chão. Sentimos pessoas passando pertinho de nós, mas não enxergava nada. O colchão começou a dançar no meio da sala, como se alguém tivesse pregando uma peça na gente.

Pelo corredor que dava pra copa, vimos uma imagem clara, flutuando em nossa direção. Eu e Michele encolhidos no canto da parede, um com a cabeça encostado no outro, de olhos bem fechados para não ver o que estava acontecendo. Ela veio em nossa direção, se abaixou e ficou olhando pra nós.

Eu de olhos serrados, que dava para ver um pouco entre as pestanas. Ela sorria, e fazia sinal com as mãos nos chamando, como se quisesse brincar.

Era uma menina, não conseguia ver seu rosto, mas pela silhueta que flutuava, sabia que era uma mulher.

Só tinha uma alternativa pra nós, entrar na dela. Eu e Michele levantamos devagar, se escorando na parede. Ela, acompanhando nosso movimento, sorrindo.

Eu sentia arrepios até a cabeça, como acontece até hoje quando entro em lugares cheios de energia. Tentamos manter a calma, a menina flutuante foi até o corredor, e nos chamando pra que nós as seguíssemos.

Michele chorava, não sei se era de medo ou porque era chorona mesmo. Fomos até um quarto levado por ela, muito sujo e úmido. Ela aponta pra um guarda roupa velho, sem portas, detonado pelo tempo. Olhei no fundo dele, havia uma boneca de pano, muito velha, amarelada e olhos de botão caídos. Ela sorri pra mim, entendi o que ela queria.

Peguei a boneca, estiquei os braços pra que ela pegasse, ela tentou, mas sua forma não permitia segurar nada. A menina flutuante fez cara de choro, aí eu pensei — Mas uma, já basta Michele chorando, agora a esbranquiçada também!

De repente, ela abraça Michele e num folego só, se apossa do corpo da minha amiga. Michele agora sorri pra mim, mas não é Michele, é o sorriso dela.

Ela pega a boneca contra seu peito, abraça forte, cheira, beija, senta no chão e canta uma canção de ninar mamãeee foi a ruuua, papai foi trabalhar...

Nesse instante, as portas se abrem, as janelas destrancam, um vendaval carrega todos os jornais casa afora, e Michele sai do transe.

        — Vamos Michele! É agora!

Saímos correndo, tropeçando e levantando, chegamos até portão, e passamos pela fresta.

       — Ufa! Vamos pra casa, eu não quero mais ficar aqui — Nem eu Vinicios.

A sensação de alívio era grande, mesmo que fosse tomar um puxão de orelhas da minha avó, nada mais era pior, do que tinha acontecido.

      — Meu filho, já chegou? Você acabou de sair não faz trinta minutos — Cadê a Michele? Não quis brincar com você? — Não vovó, eu desisti, prefiro ver desenho na TV.

Até hoje não sei o que ouve, parecia que tinha levado horas lá dentro.

Hojo tenho vinte cinco anos e Michele vinte e quatro, ainda nos encontramos nas férias, mas nunca mais tocamos no assunto, nunca mais chegamos perto daquele...Muro


Publicado por: Robert Lima

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