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O mundo introspectivo de Clarice Lispector, na obra A Paixão segundo G.H

Através de artigo cientifico verá uma análise do mundo introspectivo de Clarice Lispector.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

O presente artigo cientifico faz uma analise do mundo introspectivo de Clarice Lispector. Sua literatura surpreendeu por definir-se pela busca de uma compreensão da consciência individual, marcada sempre pela grande introspecção dos personagens. Tendo como objetivo a análise das características que constituem a individualidade, o momento em que o personagem perde a sua identidade e vai em busca da descoberta do eu.

Palavras - chave: Individualidade. Descoberta. Espaço. Impossibilidade. Compreensão.

1 INTRODUÇÃO

No presente artigo propomos-nos a analisar os fluxos de consciência, a reprodução dos fatos no psicológico dos personagens e a analise de identificação do “eu” na obra “A paixão segundo G.H” de Clarice Lispector. De inicio faremos uma análise geral da obra e em seguida discutiremos a tensão psicológica que é mantida na personagem em todo o decorrer da narrativa e a maneira de como o espaço influencia no comportamento da personagem.

Uma das marcas da escritura clariciana são as epifanias pelas quais passam suas personagens. É do cotidiano, mantido sob direção de organização e regras, que vemos homens, crianças e principalmente, mulheres serem retiradas por um espaço de tempo, refletirem acerca de sua condição e encontrarem-se com algo maior, inabarcável pelas regras sociais e normas de conduta. O texto da autora parece ser a tentativa de preocupação desse momento em que a personagem se perde dentro de si própria “É difícil perder-se. É tão difícil que provavelmente arrumarei depressa um modo de me achar...”(LISPECTOR, 2009, P.10). Essas tomadas de consciência pelas quais passam a personagem da obra de Clarice, ao mesmo tempo que revelam uma insatisfação de poder dá uma forma para contar o que lhe aconteceu, também denotam a procura de uma transcendência. Pela impossibilidade de agarra-se a uma coisa única, fixa de maneira satisfatória, o texto fica então marcado pela angustia da incompletude, da busca de querer transmitir algo, mas não ter como representá-lo.“[...] estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu.”(LISPECTOR, 2009, P. 9) É a partir dessa sensação de incompletude, desse oscilar entre sentimentos, desse conflito interior é que, a personagem chega ao grande desafio que é dar forma aquilo que ela viveu. “Mas é que também não sei que forma dar ao que me aconteceu. E sem dar uma forma, nada me existe”. (LISPECTOR, 2009, P. 12).

“A paixão segundo G. H” de Clarice Lispector, trata-se de um romance introspectivo é uma narração da observação de uma pessoa dos seus processos mentais, ou seja, é um exame que a personagem faz dos próprios sentimentos ou pensamentos. A narrativa foge ao padrão convencional ao tratar dos problemas do ser consigo mesmo e com o mundo. A narrativa aborda o momento em que uma personagem toma consciência da própria individualidade, o que pode ser desencadeado por situações prosaicas como a contemplação da arrumação do quarto que ela imaginava que estava desorganizado, com o desenho a carvão na parede e com uma barata. Com ela mesma declarou: os mesmos livros não se preocupam com os fatos em si, porque para mim o importante é a repercussão dos fatos no individuo. Nesse sentido o leitor de seus textos é desafiado por narrativas bastantes complexas apresentadas muitas vezes sob a forma do pensamento das personagens, o fluxo da consciência que experimentam transformações que abalam a estrutura prosaica de suas vidas.

O que me acontecia? Nunca saberei entender mas há de haver quem entenda. E é em mim que tenho de criar esse alguém que entenderá. E que apesar de já ter entrado no quarto, eu parecia ter entrado em nada. Mesmo dentro dele, eu continuava de algum modo do lado de fora. Como se ele não tivesse bastante profundidade para me caber e deixasse pedaço meus no corredor, na maior repulsão de que eu já fora vitima: eu não cabia. Ao mesmo tempo, olhando o baixo o céu do teto caiado, eu me sentia sufocado de confinamento e restrição. E já sentia falta da minha casa. Forcei-me a me lembrar que também aquele quarto era posse minha, e dentro de minha casa: pois, sem sair desta, sem descer nem subir eu havia caminhado para o quarto. A menos que tivesse havido um modo de cair num poço mesmo em sentido horizontal, como se houvessem entortado ligeiramente o edifício e eu, deslizando, tivesse sido despejado de portas a portas para aquela mais alta. (LISPECTOR, 2009, p. 44)

2 A PERSONAGEM E O ESPAÇO

O processo de descoberta individual, a dificuldade de relacionamento humano, a hipocrisia dos papéis socialmente definidos, a busca do eu em tentativas desesperadas de constituição da identidade que rompe com as expectativas sociais são temas constantemente abordado nas obras de Clarice Lispector. Seu interesse principal não esta no desenvolvimento do enredo, mas no estudo da repercussão que os fatos tem sobre a consciência dos personagens. É uma literatura introspectiva que busca interrogar o que é interior do ser humano para revelar suas duvidas e inquietações.

Merece destaque o interesse pela analise psicológica dos personagens, que leva a autora a uma abordagem penetrante dos problemas gerados pela tensão existente entre o individuo e o ambiente.

Ao observarmos G.H no momento em que ela se perde dentro de sua própria casa e dentro de si mesmo, a ficção introspectiva fica centrada na intimidade da personagem, o fluxo psicológico é marcado nesse momento e, é a partir dos fatos do cotidiano, aparentemente sem importância, que os personagens, descobrem-se e encontram a própria razão de existir.

No romance “A paixão segundo G.H” uma mulher de classe média alta encontra-se num momento interior delicado. Sedenta por organização, G.H procura fazer com que o exterior seja um modo de organizar-se interiormente. Assim, aproveitando que a empregada demitira-se, a mulher resolve ela mesma fazer faxina no apartamento onde mora. A personagem decide começar pelo quarto da empregada, local que supõe ser o mais desorganizado. Surpreendida com a limpeza do lugar, a personagem encontra-se com uma barata e, a partir desse momento, com o transcendente que ela passa a refletir sobre si e sobre a existência.

Decidida a começar pelo quarto da empregada, atravessei a cozinha que dá para a área de serviço. No fim da área está o corredor onde se acha o quarto [...] Há cerca de seis meses – o tempo que aquela empregada ficara comigo – eu não entrava ali, e meu espanto vinha de depara com um quarto inteiramente limpo. Esperava encontrar escuridões, preparara-me para ter que abrir escancaradamente a janela e limpar com ar fresco o escuro mofado. [...] abstraindo daquele meu corpo desenhado na parede tudo o que não era essencial, e também de mim só vendo o contorno. No entanto, curiosamente, a figura na parede lembrava-me alguém, que era eu mesma. (LISPECTOR, 2009, p. 33; 36;40)

A experiência de G.H. vem dar-lhe o contato necessário com o transcendente. Como maneira de escapar da opacidade da vida social fabricada com normas, a personagem se entrega dolorosamente a essa visão do incognoscível. Contudo, dessa experiência pouco fica alem de uma confirmação da existência desse incognoscível. A personagem-narradora mergulhou no seu interior em busca de si mesmo pela introspecção radical, sua identidade e as razões de viver, sentir e amar. G.H. ao entrar no quarto e dar com tudo o que viu, é motivada a fazer uma avaliação longa e difícil de sua própria existência e daí ver-se que já não é mais a mesma pessoa após ter entrado no quarto, já não é mais a mulher alienada que tomava café distraidamente em seu apartamento.

Em mim um sentimento de grande espera havia crescido, e uma resignação surpreendida: é que nesta espera eu reconhecia todas as minhas esperas anteriores, eu reconhecia a atenção de que também antes viverá, a atenção que nunca me abandona e que em ultima analise talvez seja a coisa mais calada à minha vida – quem sabe aquela atenção era a minha própria vida. Também a barata: qual é o único sentimento de uma barata? A atenção de viver, inextricável de seu corpo. Em mim, tudo o que eu superpusera ao inextricável de mim, provavelmente jamais chegara a abafar a atenção que, mais que atenção à vida, era o próprio processo de vida em mim (LISPECTOR, 2009, P; 50).

No romance introspectivo o espaço em que se dá os fatos, vale como uma espécie de projeção das personagens ou o local ideal para o conflito. A relação que se dá entre personagem e espaço é mostarda no momento em que G.H. abre a porta do quarto e começa a observar o vazio, neste momento o espaço é possuidor de uma força interior dramática que desencadeia no personagem uma tensão psicológica.

Segundo MOISÉS (1999), O espaço no romance introspectivo escasseia e cumpre a função quando presente, de sinais externos duma viagem no interior do “eu”: com poucos acidentes concretos, arma-se o espaço onde se desencadeia o drama, porquanto este se situa no intimo das personagens, não no cenário.

O quarto era o oposto do que eu criara em minha casa, o oposto da sua beleza que resultara de meu talento de arrumar, de meu talento de viver, o oposto de minha ironia serena, de minha doce e isenta ironia: era uma violentação das minhas aspas, das aspas que faziam de mim uma citação de mim. O quarto era o retrato de um estomago vazio. O quarto me incomodava fisicamente como se no ar ainda tivesse até agora permanecido o som do riscar do carvão seco no cal seco. (LISPECTOR, 2009 p. 42).

3 CONCLUSÃO

Ao fazermos essa analise da obra “A paixão segundo G.H.”, podemos perceber a maneira como Clarice Lispector consegue trabalhar o introspectivo, transmitindo ao leitor as preocupações de ordem emocional da personagem G.H, uma mulher que em um dado momento olha para dentro de si, e já não se reconhece mais, não conhecendo a sua própria identidade e, por isso, vai em busca do conhecimento interior e chega a uma série de reflexões inquietante, angustiante e, ao mesmo tempo intrigante. É através de um universo de questionamento e reflexões que o leitor toma contato com a atmosfera de instabilidade emocional em que G.H. se encontra.

É desta forma que a literatura introspectiva e intimista de Clarice Lispector fixa-se na crise do próprio individuo, no interior do ser humano em busca contingente de identificação do próprio individuo. Tal forma de narrar é um convite para que o leitor se atire nessa atmosfera que busca, acima de tudo, a compreensão do ser humano.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANDIDO, Antônio. “A Personagem do Romance” IN:

CANDIDO, Antônio. A Personagem de Ficção. São Paulo: Perspectiva, 2009.

LISPECTOR, Clarice. A Paixão segundo G.H. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.

MOISÉS, Massaud. A Análise Literária. 11ª Ed. São Paulo: Cultura, 1999.


Publicado por: Maria Ozanila dos Santos

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