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A morte do Baiano

cena de filme de horror, morte do baiano, homem alto magro 60 anos de idade.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

A MORTE DO BAIANO

Este “causo”  tem como protagonista o Sr. Márcio de Oliveira que todos em Andiroba/MG conhecem pelo apelido de Baiano, ou melhor, ninguém sabe que seu nome é Márcio, ou melhor ainda, nem ele mesmo sabia qual o seu nome de batismo e de registro. Baiano sempre foi seu verdadeiro nome.

Eis o seu perfil:

Homem, alto, magro, 60 anos de idade (aproximadamente), solteiro, natural de Icoporanga/ES. Mudou-se ainda pequeno para a cidade de Janaúba/MG na divisa com o Estado da Bahia, originando, daí, o seu apelido (nome). Cresceu trabalhando em fazendas onde aprendeu a profissão de peão/ boiadeiro.

Não foi alfabetizado e, talvez por estar sempre envolvido no meio rural e distante de tudo, nunca fez questão de saber o seu nome completo e coisas supérfluas como, por exemplo, data de seu aniversário ou de quem quer que seja. Mudou-se, ainda jovem, para Ribeirão das Neves/MG exercendo sua profissão no local denominado recanto da mata.

Veio para Andiroba/MG no início da década de 1980, para trabalhar em fazendas de pecuária, lidando com cavalos, burros e bois, não importando se fossem mansos ou bravos, pequenos ou grandes.

Embora tenha passado a maior parte do tempo nos recantos rurais, todos os Andirobenses o conhecem, pois sempre que tinha tempo aparecia nas festas e nos bares da cidade, não abrindo mão da vestimenta típica de um verdadeiro peão/boiadeiro.

Pois bem, o caso de sua morte ora relatado parece ter se iniciado numa de suas fugas da solidão do campo à procura de amigos e, quem sabe, de algum romance na cidade de Andiroba/MG, valendo ressaltar que fazia questão de sempre dizer que coração de peão, por ter não lugar fixo de residência, não se deixa amarrar por mulher.

Entretanto, o destino lhe preparava uma dessas armadilhas que desaba qualquer teoria machista e, talvez por um descuido seu num desses embalos de sábado à noite, seu coração, como o de qualquer homem, abalou-se profundamente ao deparar-se com uma jovem donzela que não lhe negou atenção e afeição, surgindo, daí, uma paixão que nunca, em toda a sua vida, havia lhe acometido com tamanha força.

Os encontros que eram semanais passaram a ser diários e, sem dar muito tempo à amada para se desfazer de outros compromissos, tratou de levá-la para sua casa, elegendo-a, de imediato, rainha do seu humilde castelo.

Foram dias felizes em que o Baiano procurou trabalhar mais perto da casa, de forma a não perder de vista a sua donzela. À tardinha, antes do por do sol, já de banho tomado, sentavam à mesa para o jantar e, entre uns drinks e outros, o papo rolava até tarde. Na verdade, não há relatos da vida amorosa dos dois, mas ao que tudo indica, os primeiros dias foram muitos calientes.

Para o Baiano tudo era novidade e estava muito bom, pois havia tempos que não tinha uma companhia feminina. Entretanto, para a sua “Dorothéia” (diga-se de passagem que o Baiano é a muito parecido com Don Quixote nas gravuras do livro de Cervantes) a monotonia do mundo rural começou a sufocar-lhe e, pensando num modo de amenizar sua angústia, requereu ao amado que abastecesse o lar com mais licor de alambique.

Até aqui, passaram-se pouco mais de quatro semanas e, como qualquer pedido da amada fosse uma ordem, o Baiano tratou de abastecer o lar com os melhores licores alambicados da região, bem como com peças de carnes para churrasco e outras iguarias de modo a tornar aquele final de uma linda tarde do mês de maio numa grande festa a dois.

Entretanto, como se sabe, a angústia tende a aumentar à medida que o álcool ingerido passa a fazer efeito. Assim, não demorou muito para que a amada começasse a desabafar e a jogar a culpa de sua tristeza no companheiro, sob o falso argumento de que ele estava privando sua liberdade, seus encontros e contatos que mantinha na cidade, etc.etc.etc. Quanto mais falava, mais licores bebiam, chegando ao ponto em que o monólogo transformou-se em diálogo e, por fim, o diálogo transformou-se numa rica discussão, própria de um casal em que, além do amor, há ciúmes no ar....

De um lado o Baiano defendia a sua posição possessiva, pois sabia quantos eram lobos maus que estavam na cidade à espreita de seu chapeuzinho vermelho. Portanto, argumentava que a prendia a seu lado em face do grande amor que nutria por ela, desejando, sempre e sempre, a sua presença, fazendo o possível e o impossível para mantê-la, sempre ao seu lado ali na fazenda.

De outro lado a amada argumentava que sentia falta do convívio dos amigos nas noites de Andiroba; que ele ficava o dia todo trabalhando e não lhe dava a atenção que precisava; que sentia falta dos parentes; blá, blá, blá....

Pronto, a confusão estava armada e tudo poderia ser esquecido se evitassem um confronto e fossem dormir para resolverem essas questões no dia seguinte, de cabeças frias. Mas as doses de licor não cessaram de ser ingeridas e a questão, que antes parecia ser simples, transformou-se num problemão e palavrões começaram a serem proferidos por ambas as partes, como por exemplo: corno, piranha, brocha, vagabunda, etc.

Até aí tudo ainda poderia ser esquecido com uma boa noite de sono. Mas, das palavras passaram-se às ações, iniciadas com um pequeno empurrão dado pela amada, e com as seguintes palavras que, foram proferidas por ela: fica longe de mim Baiano!!!!.

Ora, ora, ora! Isso não! Isso é cruel demais para com um amante dedicado e fiel. Ou seja, isso era pedir muito, pois o que mais ele queria era ficar perto, junto e, se possível, colado ao grande amor de sua vida. O empurrão não foi nada, mas essas palavras, e mais uma dose, foram o estopim que faltava ser aceso para a bomba explodir. E explodiu, mesmo. Foi nesse momento de frustração que o Baiano cometeu seu grande erro e, querendo mostrar o tamanho de seu amor, tentou segurar o braço da amante para trazê-la junto a si. Não entendendo o seu gesto, a amada deu-lhe um truculento empurrão que o desconcertou totalmente.

Vale ressaltar que se trata do mesmo Baiano que montava burros bravos, laçava bois e vacas de qualquer tamanho e fazia com que qualquer um desses animais dobrassem os joelhos com um simples (para o Baiano, é claro) aperto nas sua ventas ( narinas).

Aí a tendência era de que tudo piorasse, uma vez que de um lado o Baiano não entendia de onde surgiu tamanha força naquela criatura frágil, meiga, dócil e com um rostinho de menina assustada. De outro, a amante assustada e, sabedora do tamanho da força do Baiano, procurou armar-se com o primeiro objeto que encontrasse.

Infelizmente o primeiro objeto ao alcance de sua mão foi um facão de poda (ferramenta muito utilizada em fazendas e sítios, cuja lâmina de aço é de aproximadamente 60cm de comprimento) e, sem pestanejar, desferiu-lhe um golpe bem no alto de sua cabeça.

Bastante atordoado, o Baiano tenta dizer-lhe que não precisava daquela agressão toda e caminha, cambaleando, em sua direção para tentar tirar-lhe o facão e retomar o diálogo, mas a amada entende que ele quer mais briga e desfere-lhe, com o mesmo facão, o golpe final, que o atinge na lateral direita de sua cabeça.

Cena de filme de horror:

Noite escura (sem lua); área rural de Esmeraldas/MG; casa mal iluminada; sem vizinhos (o mais perto estava a uma distância de aproximadamente 03 Km); sangue esparramado e ainda esguichando das feridas abertas na cabeça da vítima; gemidos de dor e gritos de espanto; o Baiano, forte como era, ainda procurava forças para andar e arrastar, espalhando mais sangue na sala, na escada e na grama ao lado de fora da casa, pedindo por socorro. Um verdadeiro caos...Um horror!!!

Percebendo a gravidade da situação a amada, agora agressora, deixou o local e seguiu pela mata a pé até a casa dos vizinhos mais próximos (03Km), Sr. Mário e esposa. Lá chegando, narrou o ocorrido, pediu ajuda e retornou ao local do crime. O Sr. Mário, por sua vez, saiu, também a pé, em direção à casa do vizinho mais próximo, (01Km) Sr. Brito, encarregado da fazenda, a quem relatou o fato.

Já era 19:30h, aproximadamente, quando o Brito recebeu a notícia a quem cabe relatar, com suas palavras a seqüência dos fatos ocorridos:

Quando recebi a notícia não sabia se o Baiano ainda estava vivo, mas tinha que tomar uma atitude, pois não havia ambulância na cidade e nem carro disponível na fazenda. Assim, dirigi-me a pé à casa do Gerson (vulgo calango ou coelho), mais ou menos 01 Km, e solicitei seus serviços de taxista para que me levasse ao local do crime. Lá chegando encontramos a mulher sentada na escada da casa e o Baiano estirado na sala, imóvel e todo ensaguentado.

A mulher, quando no viu foi logo dizendo: Gente, acho que matei o Baiano!

Realmente, parecia que ele estava morto, pois, de longe, não percebi sua respiração. Então pedi ao Calango (o Gerson ou Coelho) que se aproximasse da vítima para verificação, pois eu não estava me sentindo muito bem ao visualizar tanto sangue espalhado. O Gérson então retornou e disse:

-Ele tá vivo sô. Só que tá muito machucado e gemendo muito fraquinho.

Falo com franqueza, nunca vi tanto sangue esparramado e no corpo de um homem. Mas dava para ver que os cortes eram na cabeça e, talvez pela quantidade de sangue, pareciam enormes. Bem, daí enrolamos o Baiano num cobertor, o colocamos no banco de trás do carro e partimos imediatamente para Esmeraldas pela estrada de chão batido(mais ou menos 18Km). Lá chegando fomos direto para o Hospital Municipal, onde o deixamos, ainda com vivo. Preenchemos a papelada e, como não podíamos fazer mais nada, retornamos e demos um jeito de avisar os parentes.

Depois disso, nos dois primeiros dias seguintes, as únicas informações que chegaram à Andiroba eram de que o Baiano fora transferido para o hospital de Sete Lagoas e/ou Ribeirão das Neves.

Até que, três dias depois, chegou a notícia segura de que o Baiano morrera e fora sepultado em Ribeirão das Neves.

Após essa triste notícia restou à comunidade católica solicitar, numa das missas quinzenais celebradas na Igreja de Santa Ana, cartão postal de Andiroba/MG, que a celebração fosse em intenção da alma do Baiano (ninguém sabia seu nome), de forma que fosse recebida e confortada nos mais sagrados recantos do céu. E assim foi feito.

Cumprido o dever cristão, o sentimento de perda de uma pessoa tão envolvente foi suplantado pela memória de sua alegria de viver. Enfim, a vida continua; ninguém nasce para ser semente; foi a vontade de Deus; são coisas da vida e o destino de cada um está traçado, etc.

Acontece, porém, que passados uns dois meses do ocorrido, surgiu um boato na cidade de que alguém havia visto a assombração do Baiano andando a pé, sem barba, cabeça raspada, bem vestido e com uma faixa branca enrolada ao lado da cabeça.

Evidentemente que, à primeira vista, nem de longe poderia ser a assombração do Baiano, uma vez que ele NUNCA: a) foi visto andando sem ser num lombo de cavalo; b) raspou a barba; c) vestiu roupa diferente da de peão/boiadeiro e d) deixou de usar chapéu. Mesmo assim o alerta foi geral e os boatos aumentaram. Alguns diziam acreditar, outros não e muitos ficaram na dúvida. Como canja de galinha e precaução não faz mal a ninguém, embora ninguém admita, dava medo somente em pensar na figura de uma assombração do Baiano com uma faixa branca na cabeça, sem barba e sem chapéu numa estrada escura. E as crianças? Os pais preferiam não contar, visto que a maioria das crianças (e alguns adultos desavisados) já tinha algum receio quando via o Baiano (vivo) à noite dormindo em cima da cela do cavalo a caminho de sua casa. Quanto mais nas vestes descritas pelos boateiros. Ao que tudo indica muitos andirobenses deixaram de andar sozinhos nas ruas e nas estradas, principalmente à noite.

Mas, essa situação foi logo resolvida. Num certo dia de sol claro, o medo foi aos poucos se transformando em espanto para, finalmente, transformar-se em alegria, quando, de repente, Andiroba recebe novamente uma de suas figuras mais ilustres, não em forma de assombração, mas em carne e osso (mais osso do que carne,é verdade). Eis que aparece o Baiano, “vivinho da silva” e já sem a faixa na cabeça que tanto passeou nas mentes dos Andirobenses. Naquele momento, de chapéu tampando as feridas já bem cicatrizadas na cabeça, conta a todos toda a trajetória nos hospitais e sua rápida recuperação admirada pelos médicos e enfermeiros. Portanto, o boato inverídico não foi o de sua aparição em forma de assombração, mas o de sua morte.

Assim, termina este pequeno “causo” com um final feliz e hoje, passado mais de um ano e meio do ocorrido, o Baiano continua trabalhando muito, apreciando uma(s) boa(s) dose(s) de cachaça (o tal licorzinho alambicado), uma Skol gelada, um chapéu de peão/boiadeiro, um bom cavalo arriado e uma narração de rodeio acompanhada de uma boa música caipira.

Entretanto, quando o assunto é mulher e paixão, o Baiano muda logo de assunto, demonstrando claramente que o trauma ainda não passou completamente.

Mas parece que as coisas estão mudando para o Baiano neste ano novo que se inicia. Ou seja, com sua história publicada num Blog com fotos (andirobaexiste) e seu vídeo divulgado no Youtube, o mundo inteiro vai conhecê-lo e, quem sabe, outra paixão tomará conta de seu coração traumatizado, mas romântico e cheio de amor para dar. FIM.


Publicado por: Éder Ângelo Braga

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