O que foi encoberto no Pan e o que o Pan encobriu

Os jogos pan-americanos demonstraram que o país, embora imerso em graves conturbações socias, é capaz de agir com seriedade e até mesmo com excelência, desde que haja comprometimento das autoridades administrativas e, indubitavelmente, dos dirigentes do crime organizado carioca. Bom, como tocar em tais aspectos compromete o estado emocional de muitos homens públicos (pais de família!), é justo que estes fatos sejam acobertados, varridos para debaixo do tapete, como é de praxe na cultura do país.

Afinal, "merda, quanto mais mexe, mais fede". Também não é aprazível explicitar um motivo de demérito do PAN Rio 2007, que realmente fugiu do controle dos governantes, uma vez que existe um laço de intimidade muito estreito entre essas personalidades burocráticas e os presidentes das escolas de samba, o qual não pode ser interrompido (pactos de sangue!). Além do mais, o acidente com o vôo da TAM já fez alarde suficiente nos noticiários. Aliás, foi companheiro dos medalhistas nos jornais. Parecia até uma lua de mel: só estavam os dois lá.

E o povo brasileiro, surpreendentemente, despontou com certo ar de politização ( para não falar em instinto primitivo de pura zombaria). O presidente Lula foi vaiado, ainda que com certa legitimidade. Entretanto, não cabem questionamentos: não era o momento nem o lugar. Aquela aclamação animalesca provavelmente se refletirá sobre os próprios cidadãos brasileiros, que mais uma vez posaram de imbecis no cenário internacional. Pode ser que isso seja até muito bom. Não estamos no país do relativismo (talvez seja preciso encarar os fatos por outros ângulos, virar de cambalhota quem sabe!)? E olha que aquilo é o que há de mais nobre na sociedade brasileira. Sabem quanto custou vislumbrar da magnífica cerimônia de abertura no assento mais humilde?

A grande lição do PAN foi assimilada por todas as instâncias do poder público: a alienação do povo desmantela os obstáculos da roubalheira. A diversão transborda dentro do espírito do cidadão a cada nova conquista esportiva, e quase todos se esquecem dos bois do Renan Calheiros. Bem vindo ao país do rodeio... ops...do futebol!!

Apesar dos expectadores da abertura do PAN possuírem dinheiro suficiente para depreciar a figura do presidente em um evento de repercussão mundial, não investem pesadamente no desenvolvimento intelectual. Discordar da política empreitada pelo Lula é democrático e é, sim, evidência de consciência da cidadania; mas o que ocorreu no Maracanã foi uma agitação infantil cuja finalidade consiste na elaboração de uma situação de constrangimento. É a mesma precipitação que levou aos episódios grotescos que atingiram o presidente estadunidense por parte do congresso nacional ("Bush, você não é bem vindo"): a inadequação da ação política ao contexto em que se deram. Os brasileiros lá presentes deveriam compreender que não estavam na qualidade de eleitores nas arquibancadas, e sim como apreciadores da cerimônia. Era necessário admitir também que o presidente configurava naquele instante como porta voz dos brasileiros, voz esta que foi calada pela multidão inconseqüente.

Se fosse a intenção daquele grupo social privilegiado articular uma manifestação política efetiva, sairiam às ruas ou financiariam passeatas, comícios, viagens para bater panela em Brasília ou seja lá o que for. Mas não foi esse o caso. Assim, o ocorrido enquadra-se como prova concreta da necessidade de maturação do comportamento dos brasileiros, visando não só a uma melhor participação nos eventos desportivos, como também a uma interferência benéfica nos assuntos públicos. Hoje, vale a pena conferir, a moda no Rio e em São Paulo é o adesivo que circula nos carros: " eu ajudei a vaiar o Lula". Que elite a nossa!