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A DESCONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS SOBRE VISÕES REDUZIDAS DO CONTINENTE AFRICANO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA SÉRIE “SENSE 8”

Breve exposição de ideias sobre a desconstrução dos estereótipos que colaboram para uma visão reducionista do continente africano: uma perspectiva construída a partir da série "Sense 8".

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

A DESCONSTRUÇÃO DE ESTEREÓTIPOS SOBRE VISÕES REDUZIDAS DO CONTINENTE AFRICANO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA SÉRIE “SENSE 8”

Introdução

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que seres humanos são seres sociais. Assim afirmou o filósofo da antiguidade helênica, Aristóteles, e ainda assim afirmam pesquisadores e filósofos modernos. De modo geral, precisamos viver em grupos, sobretudo, mais que viver nesses grupos, sentir a necessidade em sermos aceitos, amados e respeitados. Parece empírico perceber que isto é uma necessidade visceral para nós.

Os Seres Humanos são sociais e simbólicos

O fato é que, além de sermos seres sociais, somos também simbólicos, isto é, nossa mente é simbólica. Para o historiador Yuval Harari, autor deSapiens uma breve história da humanidade”, essa capacidade da nossa mente trabalhar com símbolos, com o imaterial, com o metafísico é o que nos define como espécie. Note que estes símbolos são tão fortes que podem moldar inclusive o que nos é sagrado ou profano. Assim nos apontou o filósofo e historiador das religiões Mircea Eliade:

A manifestação do sagrado num objeto qualquer, uma pedra, uma árvore, e até para um cristão a encarnação de Deus em Jesus Cristo. Encontramo-nos diante do mesmo ato misterioso e simbólico: Manifestação de algo de ordem diferente, de uma realidade que não pertence ao nosso mundo, porém em objetos que fazem parte de nosso mundo. (ELIADE, 2010)

Portanto, podemos perceber que símbolos, histórias, religiões e tantas outras ideologias aproximam ou afastam pessoas, formam grupos, opiniões e também podem formar conflitos, preconceitos e etnocentrismos dos mais variados. Diante disso, podemos fazer uma breve pergunta: como humanos modernos, qual papel da mídia na construção desses símbolos, destas ideologias, destas variadas percepções que temos do mundo e também do outro?

Partindo do pressuposto que símbolos e narrativas expressas nas diversas formas de mídia formam opiniões e narrativas, que de certa forma serão enxergadas como realidade ou frações de realidade, atentemos para como a mídia corrobora com diversos preconceitos que temos sobre o continente africano. É normal vermos retratados em livros, revistas, filmes e séries a África como centro de todo e qualquer tipo de mazela que aflige a humanidade.

Dentro desse contexto, o que se retrata nessas obras diversas são: fome, pobreza, doenças, corrupção, guerras, violência e o que mais pode estarrecer o homem moderno. Trataremos brevemente desse tipo de visão enviesada a partir da obra, exposta em formato de série “SENSE 8”.

Análise crítica da série Sense 8

A série foi escrita e dirigida por Lilly e Lana Wachowski, sendo lançada no serviço de streaming “NETFLIX”. A narrativa gira basicamente em torno de oito personagens, que estão espalhados ao redor do globo que, entretanto, estão interligados por um fenômeno fictício nomeado pela obra de “ressonância límbica”. Tal fenômeno permite e até mesmo força todos os oito personagens a dividirem suas emoções, sentimentos, sensações e até mesmo sentidos físicos, ou seja, os personagens vivem quase que uma única vida dividida em oito espectros. Aqui focaremos nossa atenção em Capheus Onyongo: um jovem africano cidadão de Nairóbi, no Quênia.

A trama nos apresenta o jovem Capheus como um miserável. Sim, o rapaz é bem jovem, embora não dita sua idade durante a obra. O que a narrativa nos apresenta é um homem negro na casa dos vinte a vinte cinco anos que, apesar da pouca idade, vê sobre os ombros a responsabilidade de cuidar da mãe doente. Vamos agora relatar alguns aspectos importantes para a formação da narrativa do personagem, bem como do ambiente onde ele está inserido:

  • O personagem é um homem jovem, contudo, forçado pela falta de oportunidades a sustentar a mãe, como também a si próprio;
  • A profissão da qual escolheu é de baixo “status social”. Ele é um motorista de “VAN” no conturbado e precário sistema de transportes da cidade;
  • A doença que incapacita a mãe dele de prover o próprio sustento é a AIDS;
  • O cenário apresentado é de extrema miséria e falta de estrutura, inclusive urbana (toda cidade é apresentada como algo beirando o rural, o campesino, com raríssimas exceções);
  • A grande paixão desse personagem são os filmes do astro “hollywoodiano” Jean Cloude Van Dame;
  • A cidade, como também a política nela exercida são retratadas por corrupção, violência e precariedade, a ponto de Capheus ter de recorrer a contrabandistas para conseguir os remédios de sua mãe. O produto é retratado como algo falsificado ou adulterado, o que mantém sua mãe em estado de total incapacidade;
  • A cidade é governada, paralelamente, por grupos criminosos fortemente armados.

Nota-se que o escolhido para composição do personagem é fruto do esteriótipo ocidental e eurocêntrico do que é a África. Não que tenhamos material o suficiente para negar os problemas do continente, entretanto, as escolhas que fazemos para retratar a África, bem como seus habitantes, são sempre as mais negativas possíveis. Na obra em questão, os outros “sensitivos” têm funções mais nobres ou emocionantes como: um condecorado policial, uma hacker ativista política, uma renomada “DJ”, um especialista em cofres e uma “CEO” asiática especialista em artes marciais, dentre outros.

O jovem Capheus é um fracassado motorista de VAN, vivendo uma vida miserável com sua mãe doente, com a nada surpreendente doença, a AIDS. Seu contexto social é de um país pobre, famélico, violento, corrupto e fracassado. O que resta a Capheus? Resta idolatrar um ícone “hollywoodiano”, e com um atento detalhe, a escolha de “Van Dame”. Não nos parece nem um pouco aleatória, haja vista que o auge do ator mencionado é a década de 90.

O que assistimos é uma África pobre, faminta, violenta, atrasada, rural, selvagem. Selvagem no mais amplo espectro, com pessoas vivendo pela lei do mais forte, doentes e famintas, entregues a natureza bruta. E o Jovem assume então a única coisa que lhe resta: uma posição de subserviência e encantamento em face aos seus companheiros.

Considerações finais

E esse é o grande problema em questão. Contamos histórias a partir de nossos recortes, de nossas próprias verdades incompletas e enviesadas, onde as estruturas do que achamos normal é colocar a África e o africano sempre como fracassados.

Que possamos então ouvir e ver, sobretudo, contar novas histórias sobre guerreiros, poetas, reis, rainhas e deuses que foram impiedosamente sequestrados de seus lares, mas que lutaram e ainda lutam por reconhecimento. E para um historiador de lugares, são apenas lugares, nem bons e nem maus, apenas fruto de seus próprios contextos e temporalidades.

Referências bibliográficas

ADICHIE, C. H. O Perigo e uma única história. TED global, 2009. Disponível em: https://www.ted.com/talks/chimamanda_ngozi_adichie_the_danger_of_a_single_story?language=pt-br. Acesso em 01 ago. 2023.

ELIADE, M. O sagrado e o Profano. WWF Martins Fontes, 1992, 192 p.

ELIADE, M. Tratado de história das religiões. WWF Martins Fontes, 1993, 504 p.

HARARI, Y. N. Sapiens, uma Breve história da humanidade. Companhia das letras, 2020, 472 p.

SENSE8. In Wilkipédia, enciclopédia livre. Estados Unidos, NETFLIX, 2015. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sense8. Acesso em 01 ago. 2023.

Publicado por Rafael Rocha Porciúncula Rodrigues[1] e Cleide da Silva Canario[2]

[1] Aluno do Curso de Licenciatura em História da Universidade Veiga de Almeida.

[2] Professor Tutor do Curso de Licenciatura em História da Universidade Veiga de Almeida.


Publicado por: Rafael Rocha Porciuncula Rodrigues

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