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O Estácio de Sá de Clóvis Bornay

Breve história de Estácio de Sá de Clóvis Bornay.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

CONTEXTO HISTÓRICO E ENREDO

O ano de 1965 ficou marcado na história da cidade do Rio de Janeiro em função das comemorações pelos 400 anos de fundação do município. Figuras históricas emblemáticas eram lembradas e exaltadas através da construção de estátuas e confecção de livros e artigos. O pesquisador e museólogo Clóvis Bornay também contribuiu para a exaltação desses grandes vultos. Especificamente na edição comemorativa do quarto centenário dos anais do Museu Histórico Nacional, publicou um artigo intitulado: “Estácio de Sá - O primeiro conquistador e fundador desta terra e cidade” (MHN, 1965). Nele discorre sobre a importância ímpar da figura de Estácio de Sá, de maneira até mesmo exagerada:

Figura Estácio de Sá, individualidade de escól, máscula, de grande valor intrínseco, em todos os lances de sua gloriosa e curta vida, deu inequívocas provas de sua coragem, de atitude e de imenso destemor. Era indubitavelmente um nobre. Nobre pelo espírito e pelo coração. Sua nunca desmentida bravura o eleva acima da craveira comum. Tem o direito de ser - um homem excepcional. (M.H.N., 1965, p. 231)

O apreço pela figura de Estácio de Sá cresceu gradativamente, como se redescoberto. A feitura do artigo levou Bornay à seguinte conclusão:

No ano que se comemora o 4 centenário do Rio de Janeiro não era crível o esquecimento de quem o fundou. Se o Museu Histórico tem por fundamental escopo venerar as coisas do passado, nós, que somos museólogos, temos o indeclinável dever de venerar a memória de quem a dignificou. Até hoje, deploravelmente, a figura insinuante e heróica de Estácio de Sá, tem sido olvidada. [...] Exaltar o seu nome e lembrar a sua lição é tarefa de vera brasilidade. (M.H.N., 1965, p. 238)

Clóvis, então, tomou para si a missão. Decidiu confeccionar para os concursos de fantasias de luxo que participava a indumentária denominada: “Alegoria à fundação da cidade”, uma verdadeira ode à figura de Estácio de Sá. A fantasia, apresentada no dia primeiro de março nos palcos do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, foi vista também em diversos outros concursos pelo estado (BORNAY:..., 1964). Apesar do terceiro lugar não ser muito bem aceito no Municipal, a fantasia conquistou diversos outros importantes concursos, como o do Sírio Libanês (A NOITE…, 1965). Mesmo após 1965 Clóvis continuou sendo convidado a envergar a sua visão de Estácio de Sá, não só por passarelas de todo o Brasil, como também no longa “Terra em transe”, do diretor Glauber Rocha, em 1967 (PERIGO, 2020).

Paralelamente, o Departamento de Turismo do Rio de Janeiro havia aprovado a proposta da realização de desfiles temáticos sobre a história do Rio de Janeiro (MELO, 2013). Dessa maneira, as dez agremiações do grupo de elite apresentaram-se com enredos ligados à história da cidade. Àquele ano, grandes nomes dos concursos de fantasia foram convidados para abrilhantar os desfiles das escolas de samba. Nomes como Clóvis Bornay, Evandro Castro Lima, Paula Melo, Jorge Costa, Marlene Paiva, Wilza Carla, Núcia Miranda, Paulo Varelli, Ernâni Morgado e Eulália Figueiredo abrilhantaram os desfiles realizados próximos à candelária. 

Bornay e seu Estácio foram convidados pelo presidente Osmar Valença, do Acadêmicos do Salgueiro, dois meses antes do carnaval (TUMSCITZ, 1971). O enredo “História do carnaval carioca - Eneida” propunha uma abordagem inovadora do carnavalesco Fernando Pamplona, que retornava às funções após dois anos de estudos no exterior.

Na hora de decidir o que o Salgueiro levaria para a Avenida Presidente Vargas, nada de vultos e efemérides; a inovação em contar a história do carnaval carioca partiu da vivência de Eneida de Moraes, intelectual que havia registrado essa trajetória na primeira publicação sobre os festejos, em 1958. Pamplona definiu o ato como uma sacada shakespeariana, pois falaria do carnaval dentro do carnaval, num exercício de metalinguagem parecido com o que fez o escritor inglês ao abordar o próprio teatro em suas peças. (ANTAN, 2021)

Parte importante do carnaval carioca eram também os bailes e concursos de fantasias. Quem melhor para personificar esse setor no desfile do que Clóvis Bornay, o fundador dos concursos de luxo, grande vencedor de importantes bailes e reconhecido hors concours dos palcos do Municipal? Dessa maneira, Clóvis uniu-se a uma verdadeira constelação de destaques salgueirenses, como Raquel Valença e Paula. 

A escola se apresentou de maneira inovadora em 1965. Trouxe pompons como novidades de acabamentos e um retorno a moldes carnavalescos mais antigos.

O retorno de Fernando Pamplona marcaria um “passo atrás” no processo de transformações vigentes nas escolas de samba cariocas ao longo dos últimos seis anos. O desfile realizado na comemoração do quarto centenário da cidade do Rio de Janeiro voltaria a apostar em elementos que dialogavam com o singelo e o popular, apesar de não perder a ideia de fantasias requintadas e bem desenhadas. O desfile teria menos coreografias, deixando de lado os bailados e as personagens suntuosas, apostando em imagens que apresentavam beleza e singeleza. (ANTAN, 2021)

No entanto estaria o luxo também presente. A Chica da Silva de Raquel Valença novamente ganhou o asfalto após o arrebatamento de 1963 e a seu lado um Estácio de Sá estilizado. Segundo ANTAN (2021), “Os bailes abriam a parte final da narrativa, das famosas festas mascaradas de Veneza à folia de gala do Municipal, com foliões a rigor e trajes de luxo”. No samba verificamos:

Hoje reina mais alegria,

Luxo e esplendor,

O famoso baile de Veneza

Nesta apoteose triunfal

Traz sua eterna saudação

Ao baile de gala do Municipal.

Ricas fantasias,

Desfilando em passarela,

Tornam a nossa geografia

Muito mais bela. (BABÃO; ROSA, 1965)

A identificação entre o destaque e a agremiação foi tamanha que para o ano seguinte Clóvis Bornay iniciaria sua carreira como carnavalesco pelo Salgueiro. 

A FANTASIA

Para a confecção do Estácio de Sá concebido por Clóvis Bornay foram necessários 10 meses de trabalho e um investimento na casa dos milhões de Cruzeiros (BORNAY:..., 1964). Liderados por Eky Santos, a equipe de dez costureiras e bordadeiras finalizou a obra com certa antecedência.

A grande dificuldade fora encontrar quem fizesse uma armadura em plena década de 1960. No entanto, as adversidades foram contornadas e a armadura foi confeccionada e folheada a ouro, assim como as botas e o capacete. O metal, incrustado de pedras preciosas, se unia a um grande manto alegórico com as armas da cidade do Rio de Janeiro e guirlandas de louro (BORNAY:..., 1964). Enormes plumas amarelas no capacete, mangas bufantes, uma malha em ouro recobrindo a armadura e, como o colorido da fantasia, o brasão municipal bordado em suas cores originais em pedrarias. Ainda completava o traje uma bela espada em sua cintura, à esquerda, como menção às batalhas vividas pela personagem. Segundo Clóvis:

O detalhe principal é o capacete adornado de plumas, dispostas em formas de paquife, isto é, na mesma disposição que pode ser observada em antigos escudos medievais.

O material utilizado é todo nacional, pois faço questão de fazer o melhor com o que temos de melhor aqui no Brasil. (BORNAY:..., 1964, p. 9) 

O embasamento histórico sempre fora uma das características artísticas mais marcantes do museólogo carnavalesco. No entanto, segundo SÉRGIO (1983), sua fantasia de Estácio de Sá sofreu pontuais críticas pois “era uma Estácio de Sá glorioso demais para quem tinha morrido flechado, em combate, portanto jamais cheio de dourados e pedrarias”. A essas críticas respondeu:

Esta é a indumentária que ele usaria se, ressurecto, fosse se apresentar ao Rei Dom Manuel, dando conta da boa nova: que tinha fundado a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a mui leal e heróica. (SÉRGIO, 1983) 

Bornay verdadeiramente encarnava os personagens que representava em suas fantasias, criando uma aura mística para além das pedrarias e plumas. O fundador dos concursos de fantasias de luxo homenageando, em sua arte, o fundador da Cidade Maravilhosa é algo único, visto em 1965 nos palcos dos teatros e clubes e no asfalto das escolas de samba.

ANÁLISE CRÍTICA

Apesar de originalmente não ter sido desenvolvida para o enredo salgueirense de 1965, é interessante como o Estácio de Sá de Clóvis Bornay encaixou-se duplamente no desfile. 

De pronto observamos a relação direta entre a personagem retratada na indumentária e a tônica das apresentações daquele ano, voltadas historicamente à cidade do Rio de Janeiro. Dentro da narrativa do enredo apresentado na avenida, a fantasia novamente cumpria seu papel ao retratar todo o luxo e glamour dos bailes à fantasia, já bastante tradicionais na cidade, através da utilização de pedras preciosas e peças folheadas ou feitas em ouro. Não tratava-se de luxo pelo luxo. Cada pedraria, cada bordado, cada detalhe carregava intrinsecamente em si, além de importante significação, a representação da suntuosidade dos grandes bailes.

Infelizmente, à época ainda não eram apresentados ao público ou aos jurados os livros “Abre Alas”, que descrevem o desfile esmiuçadamente. Desse modo, entende-se a importância da fantasia, sua concepção, realização e posicionamento no desfile através de depoimentos, reportagens e do próprio samba enredo. 

No entanto, sua memória é de grande relevância para a história do carnaval carioca, seja pela inserção de elementos luxuosos nos desfiles das escolas de samba, ou como marco inicial da longeva e vitoriosa carreira de Clóvis Bornay como carnavalesco.

REFERÊNCIAS

A NOITE do fecho de ouro. Revista Manchete, [S. l.], n. 674, p. 22-23, 20 mar. 1965.

ANTAN, Leonardo. Salgueiro 1965 - História do carnaval carioca. SAL60, [S. l.]. 28 jan. 2021.

Disponível em: https://sal60.com.br/sal60/2021/01/28/salgueiro-1965-carnaval-carioca/. 

Acesso em: 22 mar. 2021.

BABÃO, Geraldo; ROSA, Valdevino. História do carnaval carioca - Eneida. [S. l.: s. n.], 1965. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ezlk8lpV5F8. Acesso em: 22 mar. 2021.

BORNAY: Arte não tem preço e com plumas venço em 1965. Diário de Notícias, Rio de Janeiro, n. 12902, p. 5, 10 dez. 1964.

MELO, Gustavo. Salgueiro faz festa no carnaval do quarto centenário da cidade do Rio. Extra, [S. l.], 14 jan. 2013. 

Disponível em: https://extra.globo.com/noticias/carnaval/carnaval-historico/salgueiro-faz-festa-no-carnaval-do-quarto-centenario-da-cidade-do-rio-7255693.html. Acesso em: 22 mar. 2021.

M.H.N.. Estácio de Sá - O primeiro conquistador e fundador desta terra e cidade. Anais do Museu Histórico Nacional, v. XV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1965. p. 231-240.

PERIGO, João. Entre o asfalto e a passarela: O olhar carnavalesco de Clóvis Bornay. 2020.

SÉRGIO, Renato. Os muitos mistérios entre o asfalto e os envelopes. Revista Manchete, [S. l.], p. 36-37, 5 mar. 1983.

TUMSCITZ, Gilberto. Evandro Castro Lima / Clóvis Bornay. Revista Manchete, [S. l.], p. 96-99, 23 jan. 1971.

 

Por João Gabriel Costa de França Souza


Publicado por: João Gabriel Costa de França Souza

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