Vocação Dialógica do Homem segundo Martin Buber
Vocação Dialógica do Homem segundo a Antropologia Filosófica e o filósofo Martin Buber.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Sinopse: Depois de um longo percurso do homem no desenvolvimento do pensamento humano, parece que a dimensão existencial do homem foi esquecida pela Filosofia. A partir da filosofia cartesiana o isolamento do homem nas paredes solipsistas parece atingir seu cume. Mas a questão existencial permanece intrigando: Que é o homem? Para começar a delinear respostas para esta pergunta é necessário considerar o homem em toda sua totalidade, em todas as suas dimensões. Esta é a tarefa que se propõe a Antropologia Filosófica e o próprio Martin Buber como filósofo. Martin Buber era judeu e a ortodoxia judaica teve grande influencia em seu pensamento.
Palavras-chave: Antropologia Filosófica; Diálogo; Intersubjetividade.
Vocação Dialógica do Homem
Para Martin Buber “No princípio era a relação”. Através da “palavra” o mundo foi criado, isso faz com a existência só seja possível através da comunicação e do diálogo. A “Palavra” no modo judeu de pensar implica mais em ação, diferente do logos grego que remete mais ao intelecto e ao pensar. A “palavra criadora” desenha no homem uma vocação de diálogo e não somente monológica.
A filosofia do diálogo de Martin Buber tem como escopo inicial a distinção fundamental entre diferentes maneiras do homem se posicionar no mundo. As possibilidades de abertura do homem quando em contato com a realidade objetiva e existencial que o cerca definem, segundo Buber, esta vocação dialógica do homem. Um mundo é o objetivo, chamado reino do isso e o outro é o mundo pessoal chamado de reino do tu. Estes modos do homem de estar no mundo não se sobrepõem, se opõem ou se excluem, são momentos em que o homem expressa naturalmente sua vocação dialógica. Há uma alternância entre ambos, não no sentido de “queda e ascensão”, mas de complementariedade.
O mundo do Isso é também chamado pela palavra-princípio “Eu – Isso”; representa o mundo das coisas, das experiências cognitivas do homem quando se põe a conhecer e experimentar os objetos do mundo, formulando conhecimento objetivo, técnico, fazendo uso da razão para elaborar e tematizar acerca da realidade que o cerca. O mundo do Eu-Isso é fundamental para a constituição e consolidação dos conhecimentos humanos, embora não se restrinja somente a Isso.
Por que é designado como “Eu-Isso”? Porque neste reino o eu do homem se posiciona diante do objeto a que chama de “Isso”. Há um relacionamento entre o eu e o isso, não se aceitando a preterição do “eu-em-si” como em Descartes. Para Buber o homem sempre toma parte da formação do conhecimento, jamais se deslocando da realidade existente de modo solipsista. A tese segundo a qual nada existe fora do pensamento individual, sendo a percepção de coisas e pessoas mera impressão sem existência real não é aceita por Buber. A consciência do indivíduo sempre está presente intencionalmente diante do objeto, o que demonstra sempre abertura para comunicação.
Mas o “Isso” são apenas objetos? Não necessariamente. O isso também pode ser uma pessoa. Se um eu se põe a contemplar o outro, a observá-lo, o outro apreendido é um isso. Mesmo na contemplação da face do meu semelhante há um grau de consciência cognoscitiva intencional que quer perscrutar o outro, aprender e absorver algo dele. Ainda que seja um desejo ou que seja altruísta não é contingente, imediato e autêntico. Estando, portanto, no reino do isso.
O outro mundo é o do Tu, também chamado reino da palavra-principio “Eu – Tu”. Este é um santuário onde pela “palavra” o Eu encontra o Tu! O encontro dá-se entre subjetividades, identidades, na igualdade. O tu endereça a palavra-princípio ao outro, convidando-o a entrar em uma relação de alteridade, que deverá conduzi-los ao vasto território da intersubjetividade. Não há relacionamento entre sujeito e objeto, mas a relação entre o eu e o tu. Relação é reciprocidade, sempre.
A relação é sempre atual, não se molda aos requisitos de tempo e espaço. Neste sentido o conhecimento que se forma na relação é exclusivo daquela realidade em particular. A própria linguagem se transforma quando se passa da percepção de detalhes em direção à totalidade. Na relação eu-tu, um e outro, se revelam sempre em totalidade e originalidade. Não há barreiras, jogos, fantasias, invenções, ilusões, bloqueios entre o eu e o tu, somente identidades genuínas participam da relação.
Segundo Buber, o homem não pode viver eternamente no reino do tu, pois seria por ele consumido. Por isso há a alternância dos mundos do tu e do isso, é a manifestação da vocação dialógica do homem, inerente à condição humana, de modo que mesmo o tu poderá se tornar um isso; na verdade isso deve acontecer.
Ao ouvir uma bela canção ou contemplar uma obra de arte, pode ser que ela lhe enderece a palavra-princípio e você entre em relação com ela. Mas em algum momento voltará a analisar os traços do pintor ou como o músico dedilha o piano e ainda que seja um belo espetáculo a ser contemplado já estará “tematizando” acerca do objeto; mesmo que o liame entre a contemplação e a relação seja tênue, não existe mais reciprocidade.
Da mesma forma, ao caminhar todos os dias pelo hipercentro de uma grande cidade e passando por dezenas de pessoas, na multidão, surpreendentemente alguém pode lhe endereçar a palavra-princípio e você imediatamente entrar na relação com este alguém que você não conhece, mas acolhe intersubjetivamente. Ao passarem um pelo outro a relação está instaurada, entram no reino do “entre”, atualiza-se a relação, mas passos à frente começam a questionar quem é aquele ilustre desconhecido, de onde vem e para onde está indo, aí se desfaz a relação passando da totalidade aos detalhes, tornando-se isso um para o outro.
Assim estão delineados os dois modos do homem de estar no mundo.
Não há eu-em-si, mas apenas o Eu da palavra-princípio Eu-Tu e o Eu da palavra-princípio Eu-Isso. Quando o homem diz Eu, ele quer dizer um dos dois. O Eu ao qual ele se refere está presente quando ele diz Eu. Do mesmo modo quando ele profere Tu ou Isso, o Eu de uma ou outra palavra-princípio está presente. Ser Eu, ou proferir a palavra-princípio Eu são uma só ou a mesma coisa. Aquele que profere uma palavra-princípio penetra nela e aí permanece. (Buber, Eu e Tu. p. 4)
O homem é ser-no-mundo onde se encontra com o outro, realiza sua história e transforma a realidade a sua volta. Mas isso não é tudo: depois da experiência da alteridade e da subjetividade interior, na relação Eu-tu, o homem poderá experimentar, ainda, o diálogo com um Tu inefável, no santuário mais puro da Palavra-fundamento Eu e Tu.
O homem é ser-no-mundo e não deve fugir dele, apartando-se para um lócus meramente ideal ou transcendental, pois não seria suficiente para encorajar a busca pelo sentido e significado do ser homem; ser homem não implica somente os modos de conhecer e graus de conhecimento humano, mas também a dimensão ética, religiosa, afetiva, subjetiva, comunicativa, dialógica.
Faz-se mister reforçar como a ortodoxia judaica marcou fortemente a filosofia dialógica. Na Cabala, Malkuth é base da Árvore da Vida e representa o mundo relativo onde as emanações divinas se manifestam em matéria e interações físicas. O homem não escapa destas interações, ao contrário, é peça fundamental, pois é no mundo da experiência onde se realiza a vocação do existir com o outro e com o mundo; é o homem, que em Malkuth dá significado ao mundo, aquele mesmo significado que lhe foi endereçado no princípio pelo Tu Absoluto. Mas esta é apenas a primeira etapa, o objetivo é atingir todas as emanações e chegar ao topo da Árvore onde estão as energias divinas.
Alcançando um plano mais elevado da dialogicidade, transcendendo das relações eu-isso para eu-tu nos distanciamos de Malkuth e chegamos a Chockmá, Sabedoria. Chockmá tem ligação direta com a palavra hebraica Davar: uma palavra capaz de mediar o verbo e a ação. Davar está no intermédio até Keter, a Coroa, ou o topo da Árvore. Davar é teofania, contrapondo-se ao Logos grego que é discurso que eleva a uma sabedoria somente contemplativa e racional. A Davar é a palavra que intermedia a ação do Tu Absoluto no mundo. Davar é verbo e ação.
A criação do mundo e dos homens é fruto da palavra divina. Esta palavra é portadora de ser, não mero discurso ou instrumento dialético, de definição, conceituação. A palavra criadora é a gênese e finalidade da vocação dialógica do homem, que atualiza a palavra nas relações intersubjetivas ao dizer Tu e ao pronunciar Isso.
Referência Bibliográfica
Buber, Martin. Eu e Tu. Tradução, Introdução e Notas de Newton Aquiles Von Zuben. São Paulo: Centauro Editora. 6. ed. 2003.
Sanchez Meca, D., Martin Buber Fundamento Existencial. Barcelona: Editora Herder. 1984.
Sidekum, Antônio. A Intersubjetividade em Martin Buber. Porto Alegre: EST/UCS. Universidade de Caxias do Sul. 1948.
Zuben, N.A., Eclipse do Humano e a Força da Palavra: Martin Buber e a Questão Antropológica. In: Reflexão. Revista PUC Campinas. 1979.
Publicado por: Isabella de Oliveira
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