As Virtudes Liberais: resenha do livro “A Revolta de Atlas”, de Ayn Rand
Confira aqui uma resenha do livro “A Revolta de Atlas”, de Ayn Rand.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
No romance “A Revolta de Atlas”, de Ayn Rand, a autora mostra os valores morais fundamentais de sua filosofia, a qual chama de Objetivismo. Os valores éticos positivos são apresentados pelos personagens heroicos da trama, e os negativos ficam por conta de seus antagonistas. Francisco D´Anconia, Dagny Taggart, Hank Rearden e o personagem principal John Galt representam os valores que Rand considera o ideal ético para a humanidade: racionalismo, egoísmo, coragem e liberdade individual, e os antagonistas são personagens que, por algum motivo, negam e não possuem tais valores.
O racionalismo é, para Rand, o grande ganho do ser humano, que permite guia-lo ao progresso. No livro, Rand contrapõe razão à força, mostrando que não são os músculos os responsáveis pelos grandes empreendimentos da humanidade e sim, a mente racional. A mente racional é que vislumbra e projeta os grandes empreendimentos. Todos os protagonistas são pessoas dotadas de grande inteligência, pela qual fizeram sua fortuna e foram responsáveis pelo desenvolvimento da humanidade, D.Taggart, os trens da companhia Taggart, Rearden cria o metal Rearden e Galt, o mais inteligente de todos, lidera a revolução individualista.
Das virtudes expostas por Rand, a que causa mais estranhamento ao senso comum é a do egoísmo. Juntamente com o individualismo, estes podem ser definidos pela frase lema da ilha de Galt no livro: “Juro, por minha vida e meu amor, que jamais viverei por outro homem e nem pedirei a outro homem que viva por mim.”. O que está posto nesta frase é que a meta da vida de cada homem é sua felicidade e, para isso, ele deve procurar seus meios para alcançá-la, sem esperar que nenhuma pessoa seja responsável por dar-lhe a felicidade. Não significa desconsiderar o Outro, pois nossa existência é construída com o Outro, logo esse é valorizado, na medida em que é importante para nós. A ideia fica bastante simples, exemplificada pela vida comum, na qual é normal valorizarmos mais as pessoas que amamos, como pais, irmãos, conjuges, do que estranhos.
No início, os personagens principais são pessoas talentosas e produtivas e, com isso, obtém o fruto de sua produção: dinheiro e sucesso. Porém, no decorrer da trama, usando de manobras políticas, os antagonistas conseguem fazer com que tais personagens carreguem todo o fardo do mundo e vejam o fruto de sua produção parar nas mãos de terceiros. Os antagonistas se dividem em grupos de pessoas preguiçosas ou sem talento ou corrompidas, que buscam formas de dominar o poder governamental e viver à custa do trabalho de outras pessoas. Para isso, usam como camuflagem o discurso do altruísmo, que tem como base a premissa de que “o individuo deve trabalhar para o bem de todos”.
Podemos, neste momento, ver uma relação com a moral dos fracos de Nietzche, para o qual o fraco fez o forte se sentir culpado de sua força. O exemplo marcante disso é o Hank Rearden, um empresário que havia feito sua fortuna através de seu trabalho. Rearden sofre no seio de sua família, que o condena por só pensar em suas empresas e despeja sobre ele a obrigação moral de sustentá-los. Rearden se vê confuso por tal discurso e sente-se obrigado a atender as vontades de seus familiares, mãe, esposa e irmão, todos improdutivos. Rearden só é liberto quando do seu encontro com D´Ancônia. O jovem empresário mostra para Rearden que o que sua família considerava mal, na verdade, eram suas grandes virtudes.
O trecho da libertação de Rearden por D´Anconia é conhecido como discurso do dinheiro. Nele, D´Anconia defende o dinheiro dos que o colocam como grande mal da humanidade. O personagem expressa como o dinheiro, ao contrário, é o grande invento da humanidade, que permite que haja a troca de valores entre os homens, por meio da razão, e que o homem seja recompensado pelo valor que produz à humanidade.
Voltando ao desenrolar da trama, o grupo, que toma o Governo para si, consegue, aos poucos, implantar sua ideologia que obrigava a todos a trabalhar por todos, ou seja, o produto do trabalho de um não seria mais de si mesmo e sim, de todos. Tal fato faz com que os mais talentosos e produtivos sustentem os sem talento, preguiçosos e improdutivos, e as pessoas ficam sem estímulos para se desenvolverem, para produzir. Aos poucos, os personagens virtuosos começam a se revoltar e abandonar todo seu trabalho, suas indústrias e empresas para fugir para uma ilha desconhecida, liderados por John Galt. Esse acontecimento deixa os Governantes sem chão, e todo o país lançado a um mar de pobreza e caos.
O livro de Rand, claramente, como a própria autora almejava e defendia, se liga a uma ética do capitalismo liberal, da valorização da meritocracia. Porém, o livro acaba se tornando uma faca de dois gumes: se por um lado apresenta uma excelente defesa das virtudes liberais, por outro, pode induzir ao erro. Induz a acreditar que, de acordo com a ideologia liberal, todos que estão nas classes mais baixas da sociedade, o estão por falta de mérito, o que é um erro de pensamento abissal que a própria Rand refutaria. Esse pensamento ignora as condições sócio-históricas de cada indivíduo e ainda, as escolhas individuais. Em suma, as pessoas não têm o mesmo ponto de partida, nem querem as mesmas coisas.
A leitura permite ainda uma confusão sobre o que é realmente a meritocracia liberal. Ao apresentar os mais talentosos e esforçados como os grandes vencedores da vida, o livro pode dar a entender que meritocracia se resume a somente talento e esforço, e que a união desses dois fatores produzirá pessoas que obterão mais sucesso e dinheiro. Novamente, tal conceito oferece armas aos críticos do liberalismo, pois na vida real nem sempre isso se verifica.
O conceito de meritocracia abrange mais do que esforço e talento e sim, também, a produção de valor para a humanidade. Justiça seja feita, esses pontos são abordados em certos momentos pelo livro, como no discurso do dinheiro de D´Anconia e na entrevista concedida por D. Taggart, na qual uma jornalista observa como seria importante para as pessoas o expresso Taggart. O cientista político americano Thomas Sowell esclarece bem esta confusão sobre o conceito: “O fato da produtividade de uma pessoa poder valer mil vezes mais que a de outra não significa que o mérito da primeira é mil vezes maior do que o da segunda. Produtividade e mérito são coisas um tanto distintas. A produtividade é afetada por inúmeros fatores além dos esforços...Um indivíduo criado em condições familiares terríveis ou sob terríveis condições sociais pode ter grande mérito por ter se tornado um cidadão decente e mediano, possuidor de habilidades medianas em seu trabalho de sapateiro, ao passo que outro indivíduo nascido e criado em condições muito mais vantajosas que o dinheiro e posicionamento social podem, por exemplo, conferir, pode não ter o mesmo mérito, mesmo ao se tornar um eminente neurocirurgião. Mas isso é totalmente diferente de dizer que reparar sapatos é tão valioso para os outros quanto ser capaz de reparar problemas cerebrais.”.
Na busca por ideal ético para os humanos e na valoração do lado racional humano, Rand constrói personagens muito similares, onde parece deixar de fora os desejos, muita vezes contraditórios, os diversos afetos, a dúvida, o sofrimento e toda a fraqueza e tragédia presentes na existência. Deixando a pergunta, será possível viver as virtudes liberais pregadas por Rand, no meio dos sentimentos humanos ou alcançar essas virtudes é a superação desses sentimentos a tal ponto, que eles param de existir ou, ainda, a existência de tais fatores é negação dos valores liberais? Cabe neste ponto, um estudo posterior para saber como as pessoas, que alcançam sucesso na existência e reconhecem tais valores como grandes virtudes, vivenciam tais sentimentos.
Referências
Niezsche, Friedrich. Assim Falava Zaratrusta. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, RJ (2012)
Rand, Ayn. A Revolta de Atlas, volumes I, II e III. Editora Arqueiro, São-Paulo, SP (2010)
Sowell, Thomas. Os Intelectuais e a Sociedade. Realizações Editora, São -Paulo, SP (2011)
Publicado por: Roberto da S. Melo
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