A vida da prática

Outro dia encontrei um amigo numa dessas esquinas da vida completamente desanimado e até um tanto quanto nervoso. Assim que me viu, levantou-se da muretinho onde estava sentado e veio em minha direção demonstrando grande irritabilidade. Imediatamente armei minhas defesas e esperei, gelado, pelo impacto do reencontro. Ao se aproximar, no entanto, iniciou um discurso, tipo desabafo de novela mexicana. Só faltou chorar. Lamentou-se da sorte que, segundo ele, jamais o acompanhou. Disse que lia todos os meus textos sobre os poderes do ser humano e, apesar de te feito tudo direitinho, nunca conseguiu lograr exito. Classificou-se como infeliz e disse que meus ensinamentos não funcionavam. Confessou-me que durante anos mantivera-se com o pensamento positivo e a mente aberta para novos conhecimentos. Leu, ainda, “O Segredo”, “O Poder do Pensamento Positivo”, “O Monge e o Executivo”, “Cure Sua vida” entre tantos outros livros de autoajuda. Apesar de todo esse esforço (palavras dele) não conseguiu lograr exito e hoje considera-se o mais sofredor dos mortais. O sentimento de derrota apoderou-se dele e não quer mais largar. Pensei em argumentar mas senti que naquele momento tudo que eu dissesse se voltaria contra mim, pois meu amigo não estava nada receptivo. Pedi desculpas alegando pressa para uma palestra e segui em direção ao aeroporto.

Durante o voo não pude tirar a cena da cabeça e por mais que tentasse, a lembrança da insensatez de meu amigo ainda me perturbava e ocupava minha mente. Foi quando um insight fez com que eu me posicionasse, mentalmente, sobre a situação vivida. Meu amigo sempre foi o aluno numero um da escola em que estudávamos. As melhores notas eram as dele. Eu e outros colegas tirávamos alguns sábados para ir estudar na casa dele. Com maestria ele nos ensinava desde português à matemática. Tinha todo conhecimento do mundo para ser um vencedor. No entanto, eu o encontro às raias do desespero buscando culpados pelo seu fracasso. Uma cena deprimente e desnecessária, além de humilhante. Quando isso acontece, somos lançados de encontro as nossas próprias crenças no desenvolvimento do ser humano e de seu enorme potencial de superação. Onde teria se enfiado o gigante que esbanjava conhecimento e capacidade nos tempos do antigo colegial? O que aconteceu durante a caminhada rumo ao futuro que esfacelou as fortes estruturas que seguravam o numero um dos estudos?

A situação havia me colocado em choque com o tema de minha palestra. Eu me dirigia a Salvador com muito entusiasmo, com a mala repleta de informações de otimismo e boas novas sobre os poderes da mente humana. Como sempre, partia com a certeza de tocar os corações de centenas de pessoas sedentas por novos conhecimentos. Almas em busca de elevação espiritual e ascensão nos negócios terrenos. Empresários, vendedores, médicos, advogados e gente das mais variadas profissões e crenças aguardavam por minhas palavras. Acreditavam que aprenderiam um pouco mais sobre si próprios e sobre o poder da potencialidade de cada um. Queriam motivar-se para a vida e encarar novos desafios. Contavam comigo para o arranque inicial. Foi quando a razão prevaleceu sobre a emoção.

Redescobri que o conhecimento sem a pratica é inócuo. Meu amigo, sempre muito estudioso, esqueceu-se de praticar a vida. Esqueceu que a teoria serve como base e tem grande significado na formação da pessoa. No entanto, a pratica resulta em experiência e desperta a necessidade de constante aperfeiçoamento na busca de um ou mais objetivos. É caminhando que se constrói o caminho. A vida é composta de muitas opções. Todas levam à pratica. Sonhar sua vida não é vivê-la, já dizia um velho sábio. Pratique a vida, este é o caminho.

*Donizete Romon é jornalista e palestrante