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A liberdade existencial em Jean-Paul Sartre e Lars von Trier: uma análise fenomenológica do filme Melancolia

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Resumo

Melancolia é um filme dirigido por Lars von Trier que explora temas como liberdade existencial, mortalidade e fragilidade humana. Através da ameaça do planeta Melancolia, o diretor cria uma narrativa envolvente que nos faz refletir sobre a nossa própria existência. As personagens Justine e Claire representam diferentes abordagens à vida, e a tensão entre elas ajuda a impulsionar a narrativa. A análise fenomenológica do filme destaca a importância da liberdade existencial na obra de Sartre e como ela é explorada no filme. Além disso, o diretor utiliza a ameaça do planeta Melancolia para explorar temas como a mortalidade e a fragilidade humana.

Palavras chaves: Melancolia, Lars Von Trier, Jean Paul Sartre, Liberdade, Fenomenologia.

Abstract

Melancholia is a film directed by Lars von Trier that explores themes such as existential freedom, mortality and human frailty. Through the threat of the planet Melancholia, the director creates an engaging narrative that makes us reflect on our own existence. The characters Justine and Claire represent different approaches to life, and the tension between them helps drive the narrative. The phenomenological analysis of the film highlights the importance of existential freedom in Sartre's work and how it is explored in the film. Furthermore, the director uses the threat of the planet Melancholia to explore themes such as mortality and human frailty.

Keyword: Melancholia, Lars Von Trier, Jean Paul Sartre, Freedom, Phenomenology.

Introdução

O filme Melancolia, dirigido por Lars von Trier, divide-se em duas partes, a primeira parte do filme, foca no casamento de Justine, que chegando a sua festa de casamento perpassa por várias situações, ao longo da noite ela vai se mostrando cada vez mais deprimida, (SALGADO, 2014) contrastando com a felicidade dos que estão presentes no determinado evento, incluindo seu marido Michael, seu chefe e sua irmã Claire junto com o cunhado que fez toda a preparação para que tudo saísse da melhor forma.

Enquanto Justine passa a noite tentando evitar a festa e não consegue consumar o casamento, Claire e Michael começam a perceber que a presença de um enorme planeta chamado Melancolia no céu, que antes era motivo de admiração e curiosidade, talvez seja uma ameaça real ao planeta Terra. Ao longo da noite, Justine se isola cada vez mais e o relacionamento dela com sua irmã, que antes era afetuoso, passa a ser tenso. A tensão atinge seu auge quando Justine afirma que o planeta Melancolia, na verdade, irá colidir com a Terra e que todos irão morrer. (HOLLO, 2019)

A segunda parte do filme, inicia com esse desastre anunciado, ele foca no caos que se instala quando o planeta Melancolia se aproxima do planeta Terra. (HOLLO, 2019) Enquanto Michael entra em colapso e comete suicídio, Justine parece mais tranquila e preparada para o fim, enquanto Claire luta para proteger seu filho pequeno e lidar com o medo da extinção.

O filme retrata a vida de uma pessoa que está sofrendo de depressão, e tudo o que está acontecendo parece se tornar um peso, encontrando no fim uma espécie de alívio, por já ter perdido tudo no mundo para si, enquanto o outro lado que tem uma vida cheia de esperança e planos, se encontra no desespero diante da extinção. (HOLLO, 2019)

Outros importantes personagens surgem no filme que irão servir para refletir sobre a liberdade do homem, a angústia e as escolhas a partir da visão de Jean Paul Sartre que irá nortear a reflexão acerca dos personagens. O filme é uma reflexão sobre a melancolia, depressão, felicidade e tristeza, a importância de relacionamentos.

Durante o filme, é possível experimentar uma ampla gama de sentimentos e emoções. Alguns dos sentimentos mais comuns que podem aflorar durante a obra é a depressão, a sensação de desesperança e o peso da melancolia. Essa emoção pode ser ainda mais forte em pessoas que já passaram por momentos de tristeza profunda ou depressão. Existem momentos de intensa tensão no filme, especialmente quando o planeta Melancolia se aproxima da Terra, aumentando o suspense em relação ao inevitável destino do planeta Terra. A incerteza da ameaça iminente gera uma sensação de envolvimento e ansiedade, deixando o individuo que assite a obra tenso e emocionalmente integrado a história. Em algumas partes do filme, especialmente na primeira metade, o ritmo lento e contemplativo pode criar uma sensação de tédio ou monotonia em alguns espectadores. Em resumo, Melancolia é um filme complexo e profundamente emocional que explora as questões humanas mais profundas.

Diante dessa complexidade de sentimentos aflorados, e sua alta possibilidade de reflexão, explorando assuntos como a liberdade humana, a inevitabilidade do fim e filosofia existencialista, o filme se torna um tesouro para ser explorado, motivo pelo qual este artigo está sendo escrito, para buscar explorar temas profundos da fenomeonologia tendo como farol o filosofo Sartre, possibilitando uma reflexão sobre nossa própria existencia.

Metodologia

O teórico a ser utilizado para nortear a nossa reflexão será o filósofo, escritor e dramaturgo francês, Jean Paul Sartre, ele foi um dos principais representante do existencialismo, enfatizando a liberdade do homem, e sua responsabilidade pelo sentido da vida.

No pensamento Sartre o homem é determinado por sua própria existência, não há possibilidade alguma de pensar sobre si sem levar em consideração o mundo que o cerca e suas relações. Enquanto o mundo é frio, absurdo e sem sentido, a liberdade humana será quem irá responder a questão do sentido da vida, dentro de suas condições. (OLIVEIRA, 2018?)

O homem é exatamente aquilo que ele faz de si mesmo, ele é capaz de se projetar, de ter consciência e sua subjetividade, e não estritamente de si mesmo, mas também responsável por todos os homens (Sartre, 1970). Aqui entra um ponto importante na psicologia fenomelógica, o homem ele também é responsável pela liberdade de outos, dessa forma ao extrapolar aquilo que o outro permite de ser feito, a sua liberdade é limitada por um individuo que não soube manusear de conduzir a sua própria de forma saudável e equilibrada, principalmente por toda a humanidade ser seres sociais, que dependem e vivem se relacionando, esse mal uso da liberdade se mostra ainda mais presente em relacionamentos familiares, matrimoniais e amizades, bem como mostrará a obra audiovisual Melancolia (2011).

É através da liberdade que o ser humano possui, que ele passa a dar sentido a sua vida, a tomar suas próprias escolhas e arcando com as consequências por ela gerada, e quando nos deparamos com as possíveis consequências da nossas escolhas, entra o que ele chama de angústia, que é exatamente a consciência da liberdade, de ser os responsáveis pelas decisões e ações. (OLIVEIRA, 2018?)

Alguns chegam a argumentar contra a liberdade, seu principal argumento gira em torno da impotencia humana, não tendo a liberdade de escapar do destino de sua classe social, sua nação, sua familia, e até mesmo seus traumas. A esses argumentos eles nunca foram abalaram a crença daqueles que acreditam na liberdade humana, pois existem e sempre existirá o “coeficiente da adversidade”. (Sartre, 1997).

Aqui usaremos o argurmento que sarte usou no livro “O ser e o Nada”, publicado originalmente em 1943, Sartre traz o exemplo de um rochedo, ele se mostra quase impossível de ser removido, caso assim o individuo deseje, porém para ultrapassá-lo requererá que ele seja escalado, ou poderá ser usado para que aprecie a paisagem que possível ver em seu ponto mais alto. Temos a figura do rochedo que é neutra, ela não é boa, muito menos má, ela é apenas em si mesma aquilo que é, a nossa liberdade vai definir o que aquele rochedo pode representar, ao decidir escalar, o individuo encontrará uma série de dificuldades, porém ela só foi possível a partir de sua liberdade, dessa forma “É a nossa liberdade que constitui os limites que irá encontrar depois” (Sartre, 1997, P. 595)

A existência precede a essência? Essa é uma questão que Sartre levanta em sua obra “O existencialismo é um Humanismo” publicado originalmente em 1945. Esse argumento por ele levantado tráz uma reflexão muito importante, pois o seu oposto carrega um determinismo imbutido, tirando do sujeito sua subjetividade, em seu texto ele traz a reflexão de um cortador de papel, este possui sua essência pré estabelecida, não é possível criar um cortador de papel, sem que antes haja a sua função bem definida, esta não passa de uma definição tecnicista da humanidade, sem entrar no campo religioso, pois não se trata da intensão deste artigo, essa visão de humanidade vem da visão cristã, onde Deus criador ao criar o homem, sabe exatemente qual será função, assimilando a visão tecnica da humanidade.

Em outras palavras proposta por Aires (2007, p 30):

O homem não poderia ser primeiro para depois ser livre, mas que é livre para depois fazer algo com essa liberdade em dada situação, e então ser no próprio ato de liberdade.

O humanismo vai de encontro a essa visão tecnicista, ela busca entender o homem como um individuo, dotado de responsabilidade, vontades, sentimentos e subjetividade, colocando e afirmando que em sua perspectiva a existencia precede a essência, “O homem existe, encontra si mesmo, surge no mundo e só posteriormente, se define” (Sartre, 1970)

É preciso que o homem se reencontre e se convença de que nada pode salvá-lo dele próprio, nem mesmo uma prova válida da existência de Deus.    (Sartre, 1970. P. 48)

Outro ponto importante que nos levará a compreensão da análise do filme é a relação de Justine com outros personagens, como seu pai, mãe, chefe, marido, irmã, entre outros. Para Sartre, citando aqui uma de suas frases mais famosas “o inferno são os outros", apesar de todos terem sua liberdade, ela acaba se tornando limitada, através das estruturas sociais e suas opressões, o olhar de julgamento.

Discussão

Aqui ao longo de nossa discussão vamos abordar alguns pontos do filme, alguns dos personagens principais, quanto de alguns que fazem parte do enredo do longa.

O primeiro ponto a ser abordado aqui é a relação que ocorre entre os personagens marcado pelo egoísmo, onde o pai de Justine, se preocupa em chamar atenção das mulheres, sem se propriamente com o momento que é o casamento de sua filha, a mãe de Justine expõe sua insatisfação e frustração com o casamento, baseado no relacionamento que ela obteve com o pai de Justine, o chefe busca incessantemente arrancar de Justine ideias para publicidade, através de muita pressão psicológica e o cunhado não para de falar o quanto que gastou com toda a festa de casamento.

A respeito dessa mecânica, Sartre relata que todo indivíduo é livre para buscar sua satisfação, e que a busca por essa satisfação ou felicidade é inevitável, porém, a busca desenfreada e individualista acarreta na prejudicação do coletivo, impactando na liberdade das outras pessoas. A busca pela satisfação deve se dar de forma equilibrada, levando em consideração todo o ambiente, evitando tornar-se o inferno na vida dos outros.

Justine é uma mulher dona de si, porém sua força também contrasta com sua ansiedade, depressão e outros conflitos. A cobrança dos outros em sua volta, e de si mesmo levaram a depressão profunda, alguns tipos de situações em que ela vive como o desprezo dos pais, a cobrança do chefe cobrança do marido dos que a cercam levando ela a não ter a liberdade almejada, tornando aqueles que a cerca o inferno trazido por Sartre.

Michael, o marido de Justine, um homem que não a entendia ou fazia de contas que não via as frustrações e inseguranças da esposa e no momento em que mais precisava ele escolheu abandoná-la, tendo toda sua consciência e confiança nas ciências, se viu frustrado quando suas previsões deram errado, não suportando a frustração, e acreditando que não daria conta do evento, optou o antecipar a morte e evitar um maior sofrimento, cometendo suicidio.

O chefe  de Justine é um homem que só consegue olhar para dentro de si próprio e suas ambições são mostrada ao mundo, a partir da visão do ser-em-si, no qual se fecha em seu mundo, se mostrando um sujeito pronto e abarrotado de orgulho e soberba, não respeitando os limites e a liberdade do outro, nem tão pouco as pessoas, sendo totalmente autoritário e sem escrúpulos, enquanto o estagiário um cara que apenas queria se dar bem, um oportunista.

Claire se mostra uma pessoa que simplesmente vive para os outros pronta para servir e cuidar dos mínimos detalhes, mas o medo de ansiedade toma conta dela mesmo sendo uma mulher centrada em tudo que faz, ela precisa de muito cuidado, porque ela escolheu através de sua plena liberdade, levar em seus ombros o peso da irmã, dos pais, a cobrança do marido e a educação do filho, tendo essas ocupações como seu propósito de vida passando também por um momento de muita tristeza e de muito estresse mental. Na segunda parte se vê com uma ansiedade profunda e crise de pânico, gerada pela situação que está vivendo no momento, ao se deparar com tudo o que constrói e carrega prestes a ser destruído pela “Melancolia”. Claire no final do filme encontra um sentido em toda a devastação, quando escolhe passar seus últimos momentos de vida com o filho.

Por mais que as duas partes do filmes se mostrem filmes diferentes, existem entre eles um elo, na visão de Von Trier, é inegavel a sua visão pessimista perante a sociedade e as pessoas que as compõem, a catastrofe já foi anunciada (SALGADO, 2014), e nada se pode fazer diante dela, nossa sociente já beira o precipicio que ela mesmo se colocou, ligando sua visão com a de Sartre, a sociedade se colocou em direção a catastrofe, agora ela parecer ser inevitável.

Nas palavras de Lucas Salgados (2014):

Não existem soluções simples em Melancolia ou qualquer tipo de redenção. É um longa único, como costumam ser os de von Trier, que deixa o espectador quase que num transe após a sessão. Você pode até não gostar, mas é difícil não se envolver.

Conclusão

O filme Melancolia de Jean-Paul Sartre e Lars von Trier é uma obra que explora temas como liberdade existencial, mortalidade e fragilidade humana. Através da ameaça do planeta Melancolia, o diretor Lars von Trier cria uma narrativa envolvente que nos faz refletir sobre a nossa própria existência. As personagens Justine e Claire representam diferentes abordagens à maneira de ver a vida, e a tensão entre elas ajuda a impulsionar a narrativa por hora se tornando morna e tediosa, por hora tensa e envolvente.

Por fim, é importante ressaltar que as interpretações aqui apresentadas são frutos de análises pessoais, não devem ser tomadas como verdades absolutas, servem como um norte de reflexão, para olharmos e compararmos determinados comportamentos próprios. Evidentemente os personagens não passaram por um terapia ou avaliação para confirmar tudo o que foi exposto, logo cada sujeito pode ter várias interpretações diferentes, tornando a sétima arte algo viva, geradora de discussões, debates e reflexões.

Referências

AIRES, Murilo Gadelha. (2007). O Conceito de Consciência em o Ser e o Nada de J.-P. Sartre. In: Universidade Federal do Rio Grande do Norte. P. 30.

HOLLO, Vivian. (2019). O Conceito de Liberdade para Sartre: Contribuições Para Psicologia. Trabalho de conclusão de curso (Graduação)

OLIVEIRA, Cristiana Lopes de. (2018?). Para a compreensão do mundo em Sartre. SEMOC: Universidade Católica do Salvador.

SALGADO, Lucas. (2014). Melancolia. In: Melancolia: Réquiem para um planeta. Disponível em: encr.pw/BXHvX. Acesso em: 1 abr. 2023.

SARTRE, Jean-Paul. (1970). O Existencialismo é um Humanismo. Paris, Les Éditions Nagel.

SARTRE, Jean-Paul. (1997). Págs. 593-595. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Rio de Janeiro: Ed. Vozes, 1997.

VON TRIER, Lars. (2011). FILME MELANCOLIA. Disponível em: l1nq.com/1VYd4. Acesso em: 1 abr. 2023.

 

Por Antonio José Do Nascimento e Viviana Maria Ferreira da Silva


Publicado por: Antonio José

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