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ENTRE A ILUSÃO E A REALIDADE: REFLEXÕES SOBRE “RAÇA” E EDUCAÇÃO A PARTIR DE ARLINDO BARBEITOS E MÔNICA LIMA

Breve dissertação sobre raça e educação a partir de Arlindo Barbeitos e Mônica Lima.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Em algumas regiões da África bantu, diversos esquemas identificatórios podiam ser vistos mesmo antes da colonização europeia. As diferenciações pré-coloniais, por sua vez, extravasavam uma mera obsessão pelas cores da epiderme e eram percebidas, dentro de um sistema comum de entendimento, nos dados biológicos que a ordem natural punha à disposição a olho nu (BARBEITOS, 2005).

Porém, essa noção, aos poucos, foi sendo substituída por outras ao longo do desenrolar da história ocidental, sobretudo por intermédio da expansão europeia pelo globo. Nesse contexto, a objetificação racionalista das taxonomias inventadas de “raça” surgiu a partir de um rigoroso paradigma conceitual de cunho essencialista que foi herdado do pensamento antropológico do Iluminismo e do cientificismo dos séculos XIX e XX (BARBEITOS, 2005).

Para possibilitar a sua universalização, a colonialidade do poder surgiu ancorada em classificações universalizantes e básicas de toda a população do planeta. Antes de tudo, porém, inventou a ideia - ficcional (QUIJANO, 2000) - de “raça”, a fim de reorganizar as relações globais de superioridade e inferioridade estabelecidas por meio de uma dominação colonial eurocêntrica sobre o sexo, o trabalho, a autoridade coletiva, a intersubjetividade e os recursos. Com o passar dos anos, a classificação mítica da população em “raças” foi imposta ao mundo e, assim, tornou-se central no capitalismo global.

Usando esses dois contextos como pano de fundo, Arlindo Barbeitos, intelectual angolano, redigiu o trabalho intitulado “A ‘raça’ ou a ilusão de uma identidade definitiva”, com o objetivo de abordar a questão dos esquemas identificatórios, enquanto procedimentos intelectuais complexos que transcendem os mecanismos sensoriais, mentais e socioculturais que regem um olhar despretensioso.

A tese principal do autor é que o conceito moderno de “raça”, enquanto ato classificatório, é, antes de tudo, estruturado em noções relacionais, simbólicas, históricas e culturais, em detrimento de marcadores biologicamente definidos, que passam a ser tidos como indícios sujeitos a uma leitura subjetiva. Nesse contexto, pontua que a contingência histórica das representações identitárias e das respectivas classificações denota a falsidade de qualquer reificação essencialista (BARBEITOS, 2005).

Nesse cenário, as categorizações são interpretadas como locais de vitória ou derrota em meio a um determinado embate social (HESPANHA, 2003). Em sociedades estratificadas, por exemplo, certas nomenclaturas marcam as posições jurídicas e políticas dos cidadãos, fazendo com que qualquer possibilidade de mobilidade seja, antes de tudo, onomástica ou taxonômica. As categorias representam, assim, padrões permanentes e duradouros de atribuição de significados a comportamentos individuais e personalizados, por exemplo, a partir da noção inventada de “raça”.

Um caminho para acabar com a ilusão de uma identidade definitiva a partir de uma mera taxonomia moderna de “raça” pode ser trilhado nas salas de aula. Nesse cenário, um breve manual foi escrito por Mônica Lima e chama-se “Aprendendo e ensinando história da África no Brasil: desafios e possibilidades”. A autora busca, por meio deste texto, destacar a importância da sala de aula como um espaço vital na luta contra o racismo, ancorando sua análise nas transformações legais ocorridas no sistema educacional brasileiro. 

A aprovação da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, representou um marco na transformação do cenário educacional brasileiro, impondo a obrigatoriedade do ensino da história da África e dos africanos no Brasil. Esta iniciativa, longe de ser apenas uma imposição legal, refletiu um movimento mais amplo, proveniente de demandas de setores sociais como o movimento negro, entidades estudantis e professores, bem como de debates acadêmicos e fóruns de discussão (LIMA, 2019).

Posteriormente, a Lei nº 11.645 ampliou essa perspectiva, incluindo conteúdos sobre a história dos povos indígenas do Brasil, enriquecendo o currículo básico e proporcionando uma formação mais abrangente aos educadores. Essas mudanças visam mitigar os desafios decorrentes de séculos de preconceito e intolerância  (LIMA, 2019).

Um elemento crucial para o sucesso dessas leis na prática docente é, antes de tudo, a formação de professores e a questão do currículo. A sala de aula pode ser reconhecida, segundo Mônica Lima (2009), como um espaço fundamental para conectar cidadãos brasileiros à história africana, promovendo uma educação que transcende preconceitos e contribui para a formação de uma identidade brasileira plena.

Ventos de mudança perpassam essa trajetória, enfatizando que a demanda por uma educação étnico-racial não é recente. Apesar do interesse dos estudantes pelos temas relacionados à África, persistem desafios como a falta de formação adequada, apoio institucional precário e embates com as programações curriculares.

Diante desse cenário, é crucial, segundo Lima (2019), estimular a militância política e acadêmica, promovendo a produção de textos, materiais e reflexões críticas sobre a história da África. Somente assim será possível criar uma educação verdadeiramente inclusiva, capaz de romper com barreiras do preconceito e da negação, abrindo as portas da aprendizagem e transformação de atitudes na sociedade.

Além disso, é crucial reconhecer que o ensino sobre a África não se resume a uma listagem de conteúdos, mas sim à promoção de pesquisas, discussões e reflexões. A sala de aula, nesse contexto, emerge como um espaço propício para ampliar conhecimentos, combater estereótipos, fortalecer argumentos contra o racismo e compreender a identidade brasileira e latino-americana em sua plenitude.

Muitas Áfricas precisam ser reconhecidas no Brasil, fugindo da noção pejorativa e idealizada criada pelos colonizadores europeus no século XIX. É imperativo, portanto, considerar a multiplicidade de experiências e interações entre sociedades africanas antes e depois da colonização, rejeitando estereótipos e promovendo uma visão mais autêntica e rica das Áfricas presentes no Brasil.

Ao refletir sobre os argumentos de Arlindo Barbeitos (2005) e Mônica Lima (2019), torna-se evidente a complexidade histórica e social que envolve a construção do conceito moderno de “raça”. Barbeitos (2005) ressalta a fluidez e a contingência desse constructo, destacando sua evolução ao longo da história e sua objetificação racionalista durante a expansão europeia. A colonialidade do poder, por meio da imposição da ficção da “raça”, tornou-se central no capitalismo global, reorganizando relações de poder e superioridade.

Nesse contexto, Mônica Lima (2019) propõe na sua abordagem sobre a sala de aula um caminho para desconstruir essa ilusão de identidade definitiva baseada nessa taxonomia moderna. A legislação brasileira, exemplificada pelas Leis nº 10.639 e nº 11.645, representa um marco legal significativo, mas enfrenta desafios reais na implementação efetiva. A formação de professores surge como elemento crucial, sendo na sala de aula que a desconstrução de estereótipos e a promoção de uma educação inclusiva podem ocorrer.

A sala de aula, conforme destacado por Lima (2019), emerge como um espaço propício para ampliar conhecimentos, combater estereótipos e fortalecer argumentos contra o racismo. Reconhecendo as muitas Áfricas presentes, é necessário ir além da noção pejorativa e idealizada criada pelos colonizadores, promovendo uma visão autêntica e rica das experiências africanas. Portanto, a sala de aula não apenas transmite conhecimento, mas se torna um catalisador para transformações sociais, contribuindo para uma compreensão mais plena e inclusiva da identidade brasileira e latino-americana, a partir de África.

REFERÊNCIAS

BARBEITOS, Arlindo. “A ‘raça’ ou a ilusão de uma identidade definitiva”. O Racismo ontem e hoje. Estados Poderes e Identidades na África Subsariana. Papers of VII Colóquio Internacional “Estados Poderes e Identidades na África Subsariana. O Racismo ontem e hoje”. Ed. António Custódio Gonçalves. Porto: FLUP, 2005. p. 139-148.

HESPANHA, António Manuel. Categorias. Uma reflexão sobre a prática de classificar. Análise Social, v. 38, n. 168, p. 823-840, 2003. Disponível em: www.analisesocial.ics.ul.pt/ documentos/1218791402J5rXO3fg3Hg98TM7.pdf. Acesso em: 24 set. 2023.

LIMA, Mônica. “Aprendendo e ensinando história da África no Brasil: desafios e possibilidades”. In: ROCHA, Helenice Aparecida Bastos; MAGALHÃES, Marcelo de Souza; GONTIJO, Rebeca. A Escrita da História Escolar: memória e historiografia. Rio de Janeiro: FGV, 2009. cap. 7. p. 149-164.


Publicado por: Lucas Barroso

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.