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Das contratações temporárias irregulares e da precarização da mão-de-obra

Análise das contratações temporárias irregulares e da precarização da mão-de-obra.

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O expediente constitucional da contratação temporária tem sido utilizado sobremaneira ante a facilidade para o gestor de realizar a contratação, em comparação aos trâmites de um concurso público. Contudo, essa utilização corriqueira de um instrumento excepcional, sem o atendimento dos requisitos constitucionais é uma afronta aos princípios básicos da Administração Pública. Marinella (2010, p. 631) atenta a este fato salientando que:

Infelizmente, os Administradores Brasileiros abusam desses contratos especiais, utilizando-os muitas vezes como mecanismo para obtenção de privilégios pessoais. Também há abusos em situações em que a Administração, apesar de ter realizado concurso público, não nomeia os aprovados e realiza contratos temporários com terceiros, para assim atender aos seus interesses. Essas situações caracterizam desvio de finalidade e geram nulidade do contrato com visível violação a diversos princípios constitucionais, tais como isonomia, legalidade, moralidade, além de outros.

A admissão de agentes públicos temporários, ou a sua manutenção, em detrimento de candidatos aprovados regularmente em concursos públicos para os cargos detentores das funções temporariamente exercidas pelos contratados. Cite-se, por todos, o seguinte aresto do STF:

O Supremo Tribunal Federal fixou entendimento no sentido de que, comprovada a necessidade de contratação de pessoal, deve-se nomear os candidatos aprovados no certame em vigor em detrimento da renovação de contrato temporário. (AI 684.518- AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 28-4-2009, Segunda Turma, DJE de 29-5- 2009.)

As atividades inerentes ao exercício do poder de polícia do Estado devem ser preenchidas por meio de concurso público. A exemplo das carreiras da administração tributária, fiscal de vigilância sanitária, guarda de trânsito, policial civil e militar, agentes ambientais, dentre outras. Nesses casos, a Constituição Federal não admite a contratação temporária.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 37, Inciso IX, prevê a contratação temporária de pessoal para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Porém, a falta de definição objetiva dos pré-requisitos autorizativos para esse tipo de contratação permite interpretações e inferências distintas da sua finalidade, tornando este instrumento de contratação passível de flexibilização conforme as leis de cada ente, muitas vezes divergentes da norma constitucional.

A pesquisa de jurisprudência revela ainda situações incríveis nesta temática da contratação temporária irregular. Cite-se, por exemplo, a contratação de policiais militares provisórios no Estado de São Paulo, prevista em lei e posteriormente declarada inconstitucional pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, questão que também foi objeto de ação civil pública:

Incidente de Inconstitucionalidade. Lei federal 10.029/2000 e Lei estadual 11.064/2002 que disciplinam a contratação de voluntários temporários para as polícias militares e corpo de bombeiros. Inconstitucionalidades flagrantes Forma de admissão e de remuneração não previstas na Constituição Federal. Entendimento. Supressão de Direitos sociais do trabalhador. Contratação que, demais, deveria observar o prévio concurso público, já que as funções desempenhadas por policiais militares são permanentes. Inconstitucionalidade reconhecida. (9221852-31.2009.8.26.0000, Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei, Relator Des. A. C. Mathias Coltro, S. Paulo, Órgão Especial, 05/08/2009).

[...] Ação Civil Pública Soldados PM Temporários Pretensão à convolação dos contratos temporários em vinculo definitivo ou, alternativamente, à nulidade dos contratos Inconstitucionalidade da LF 10.029/2000 e LE 11.064/2002, que davam lastro às contratações, declarada pelo Órgão Especial desta Corte Desnecessidade de remessa da questão ao Órgão Inteligência do parágrafo único do art. 481 do CPC Inconstitucionalidade que leva à nulidade dos contratos temporários Impossibilidade de convolação em vínculo definitivo Ofensa à regra do concurso público para acesso aos cargos, empregos e funções públicas Soldados PM Temporários que ingressaram mediante processo seletivo viciado, porquanto restringiu desmotivadamente a faixa de candidatos aceitos. Quebra do princípio da igualdade ao acesso aos cargos, empregos e funções públicos Nulidade dos contratos Inteligência do par. 2º. do art. 37 da CF Sentença de procedência Recurso parcialmente provido. (AC 0031496-05.2011, j. 12/05/2014).

A jurisprudência do TCE-PI (Vide Dec. Monocrática n° 476/2021-GWA, proferida no Processo TC/016429/2021, com publicação no DOE TCE/PI n° 201, em 25/10/2021, ratificada pela Decisão Plenária nº 1.081/2021) não permite a contratação temporária para suprir atividades permanentes com funções de poder de polícia, tendo em vista que desempenham funções tipicamente estatais, devendo ser realizadas por profissionais de carreira, devidamente aprovados em concurso público.

A Lei regulamentadora tem que definir os prazos máximos dos contratos temporários, considerando as hipóteses permissivas para contratação. É permitido possibilidades de prazos diferenciados, de acordo com as situações justificadoras da contratação temporária. Não existem regras ou critérios objetivos para fixação dos prazos, deve existir plena observância aos Princípios da razoabilidade e moralidade.

Proibição de prazos genéricos ou condicionados a evento futuro. Vedação de prazos demasiadamente longos, regra geral 24 (vinte e quatro) meses, por analogia, o prazo máximo previsto para os concursos públicos art. 37, III da CF, excetuando-se os casos de características ou de natureza excepcionais.

É uma exigência constitucional, cada ente edite a lei local que regulamente a contratação temporária com a obrigação de estipular as atribuições das funções, prazos específicos e determinados para as contratações temporárias, atendendo aos Princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da moralidade.

Requisitos necessários para eficiência da lei regulamentadora da contratação temporária: deve ser lei própria, em sentido estrito; estabelecer objetivamente os limites para os casos de contratações temporárias por tempo determinado; prazo de duração dos contratos e de suas prorrogações; forma de realização do processo de seleção simplificada e da escolha dos contratados.

Algumas atividades são inerentes ao exercício do poder de polícia do Estado e devem ser preenchidas por meio de concurso público, nesses casos, a Constituição Federal não admite a contratação temporária.

Já na segurança pública, surge a dúvida: será permitida a continuidade da contratação temporária de policiais militares, ou nas Forças Armadas? Trata-se de prática usual, e, interpretado amplamente, o art. 37, IX, não permitiria essa hipótese, por se tratar de função finalística na área de segurança pública.

De acordo com o STF, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: os casos excepcionais estejam previstos em lei; o prazo de contratação seja predeterminado; a necessidade seja temporária; o interesse público seja excepcional; e a contratação seja indispensável, sendo proibida para os serviços ordinários permanentes.

A Constituição Federal, ao especificar a abrangência do controle externo, tratou de atribuir aos Tribunais de Contas prerrogativas com a dimensão adequada à relevância de sua atuação para a efetivação do direito fundamental dos cidadãos à prestação de contas, por parte dos gestores públicos.

Nesse diapasão, embora a atuação dos Tribunais de Contas ocorra, em regra, na forma de controle a posteriori dos atos administrativos, é cediço que, com vistas a cumprir a missão outorgada pelas Constituições Federal e Estadual e Lei Orgânica respectiva, a referida Corte pode (e deve) atuar de modo preventivo, impedindo a prática de atos ilegais que violem princípios constitucionais.

Da precarização da mão-de-obra nas contratações temporárias de servidores públicos

O termo precarização do trabalho descreve a situação de emprego pouco ou não padronizado, assim como temporário, que, majoritariamente, é mal remunerado, inseguro, desprotegido e que gera renda salarial incapaz de sustentar um indivíduo ou uma família.

A contratação temporária de pessoal é um instrumento que permite que os entes públicos enfrentem situações anômalas, no que se refere à escassez de mão-de-obra para atendimento de demandas excepcionais, de maneira mais eficaz e eficiente.

Quando se contrata temporariamente apenas por conveniências políticas e em substituição de atividades permanentes, se gasta o erário e não se presta um serviço de qualidade, nem o agente público tem um mínimo de estabilidade para efetuar seus serviços, nem sendo a população devidamente atendida. Essa prática malfazeja deve ser ceifada e mitigada dos indevidamente inchados quadros funcionais dos entes públicos, devendo ser reduzida ao seu caráter essencial de excepcionalidade.

A substituição de força de trabalho efetiva por força de trabalho precária, em uma forma de tentar combinar a redução do corpo técnico em curso com a manutenção da capacidade técnica e operacional em uma conjuntura de constantes restrições orçamentárias. Essa substituição, associada à vulnerabilidade dos vínculos laborais, bem como à distinção de salários e direitos em funções semelhantes, constitui exemplo de uma relação precária de trabalho.

Este aspecto da precarização refere-se às formas menos seguras de inserção no mercado de trabalho, ou seja, aos contratos precários e sem proteção social. Trata-se do que é chamado de flexibilização nas formas contratuais.

O Tribunal de Contas do Estado da Paraíba através da Auditória Temática 01/2021 constatou que nos 223 municípios paraibanos, 222 municípios realizaram contratação temporária que na prática, para cada servidor efetivo, o gestor municipal contratou três servidores temporários demonstrando que a contratação temporária e esporádica de servidores públicos se tornou a regra e o regular concurso público, a exceção.

A Auditoria do TCE/PB concluiu:

“Como resultado, foi possível identificar que há uma forte recorrência nas contratações temporárias, tanto no âmbito estadual como no municipal, inclusive com a contratação contínua de diversos profissionais por anos, fato que colide frontalmente com o estabelecido constitucionalmente. De mesma gravidade foi à detecção de uma quantidade considerável de casos em que as funções desempenhadas pelos contratados são ordinárias da Administração Pública, ou seja, fogem à excepcionalidade”.

Um levantamento feito junto ao Diário Oficial dos Municípios do Piauí (http://www.diarioficialdosmunicipios.org/consulta/ConPublicacaoGeral/ConPublicacaoGeral.php), Diário Oficial das Prefeituras Piauienses (https://diariooficialdasprefeituras.org/piaui/buscas), Diário Oficial do Estado do Piauí (http://www.diariooficial.pi.gov.br/) e em sites de concursos públicos e de processos seletivos, como o PCI Concursos (https://www.pciconcursos.com.br/concursos/nordeste/) e Ache Concursos (https://www.acheconcursos.com.br/) no período de 01 janeiro de 2022 a 09 de maio de 2022 constata-se que foram realizados 52 (cinquenta e dois) processos seletivos pelas prefeituras e Estado e apenas 3 (três) concursos públicos pelas prefeituras piauienses.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) no artigo 23° deixa claro que:

“Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses”.

A precarização da mão-de-obra, sobretudo, pela instabilidade, desproteção legislativa e flexibilização contratual. Por essa perspectiva, entende-se que os empregos de características precárias não são produtos de ausência de crescimento econômico, "trabalho precário" quer dizer trabalho incerto, imprevisível, e no qual os riscos empregatícios são assumidos principalmente pelo trabalhador, e não pelos seus empregadores ou pelo governo.

A precarização da mão-de-obra significa o desmonte dos direitos trabalhistas. Daí a importância de refletir sobre essa temática, sobre a lógica perversa do capitalismo, avaliando formas de manter garantias ao trabalhador, que é o lado mais frágil desse conflito.

Notas e Referências:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 25 de mar. de 2023.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Disponível em: . Acesso em: 25 de mar. de 2023.

BRASIL. Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: . Acesso em: 25 de mar. de 2023.

DUTRA, Micaela Dominguez. O Tribunal de Contas e o Verbete n. 347 da Súmula de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Direito Público, Ano V, n. 20 (Mar-Abr. 2008). p. 190-200.

NOVO, Benigno Núñez. A precarização da mão-de-obra nas contratações de servidores temporários. Disponível em: . Acesso em: 25 de mar. de 2023.

NOVO, Benigno Núñez. Compreendendo contratação temporária de servidor público nos Estados e Municípios. Disponível em: . Acesso em: 25 de mar. de 2023.

TCE/PB. Levantamento realizado pelo Tribunal de Contas do Estado da Paraíba (TCE-PB). Disponível em: . Acesso em: 25 de mar. de 2023.

TCE/PI. Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: . Acesso em: 25 de mar. 2023.

TCE/PI. Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado do Piauí. Disponível em: . Acesso em: 25 de mar. de 2023.

ONU. Brasil. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: . Acesso em: 25 de mar. de 2023.


Publicado por: Benigno Núñez Novo

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