“CPF cancelado”, reflexo do populismo penal em detrimento do ordenamento jurídico brasileiro: um obstáculo à política de ressocialização
Análise sobre o impacto que a ideologia e a cultura do “CPF CANCELADO”, tem exercida sobre o ordenamento jurídico brasileiro, da mesma maneira que influencia a jurisprudência e gera impactos no meio jurídico.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
RESUMO
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2019) 47,2% das pessoas não se sentem seguras na cidade em que moram. Por isso, entre a sensação de não de sentir seguro e a necessidade de políticas de segurança pública emana o discurso político e o apelo midiático movidos pelo populismo penal para reforçar a ideia da repressão, das penas mais rígidas, do encarceramento em massa e da execução de criminosos como método eficaz para redução das infrações penais a partir da propagação da expressão “CPF CANCELADO”. Por esse motivo, o presente projeto de pesquisa tem como objetivo principal demonstrar que a expressão “CPF CANCELADO”, é um reflexo do populismo penal em detrimento do ordenamento jurídico brasileiro como uma nova manifestação da cultura “bandido bom é bandido morto” que se tornou um obstáculo à política de ressocialização. Diante dessa realidade justifica-se a reflexão sobre a ideologia e cultura do “CPF CANCELADO”, haja vista, ser de grande urgência e extrema importância para sociedade analisar o tema livre das manipulações midiáticas, dos discursos autoritários e das opiniões políticas eivadas pelo fascismo, assim como para o meio acadêmico e o jurídico. Para tanto é necessário utilizar uma revisão bibliográfica e jurisprudencial por meio de consulta em bases de dados eletrônicas como a CAPES, SciELO, Lexml. Com o auxílio da doutrina especializada e atualizada. Ressaltando que ao menos uma coisa deve ser respeitada ao se punir alguém, a sua "humanidade", todavia, o populismo penal, parece querer resgatar a era do suplicio, ou no mínimo algumas de suas práticas, violando princípios e garantias constitucionais, violando toda espécie de direitos e sendo um obstáculo a ressocialização.
PALAVRAS-CHAVES: Populismo penal; ressocialização; manipulações midiáticas.
1. INTRODUÇÃO
Os brasileiros nos últimos dois anos tiveram que conviver com o sofrimento causado pela dor da morte de milhares de pessoas, movida pelo novo coronavírus, COVID-19, além disso tiveram que sofrer com o aumento das Mortes Violentas Intencionais, sendo 83% homicídios dolosos, 2,9% latrocínios, 1,3% lesões corporais seguidas de morte, conforme destaca o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021, p.99). Em meio aos problemas de segurança púbica, surge a ideologia do “bandido bom é bandido morto”, que impulsiona a ação policial como um instrumento de execução para solução da criminalidade, que almeja o encarceramento em massa como medida de segurança. Essa ideologia advinda do por meio do populismo penal está exercendo expressiva influência na sociedade, na política e o meio jurídico.
Atualmente a expressão do “bandido bom é bandido morto” vem sendo propagada pela ideologia do “CPF CANCELADO”, expressão que denota a morte de supostos criminosos. Perante da inegável realidade, questiona-se quais os efeitos da prática do populismo penal, por trás da expressão “CPF CANCELADO”, sobre as ações da política de ressocialização? De que forma, direta ou indireta, o direito da assistência para o egresso é comprometido pelo populismo penal e as possíveis consequências promovidas que causam dificuldades para integração social do condenado e do internado. Desta forma surge questionamentos surgem como verdadeiro problema a ser respondido devido
Para o desenvolvimento da pesquisa descritiva será utilizada revisão bibliográfica tendo como base artigos científicos nos últimos cinco anos, também serão analisadas jurisprudências. Para obter os resultados e respostas acerca da expressão “CPF CANCELADO”, ser um reflexo do populismo penal em detrimento do ordenamento jurídico brasileiro como uma nova manifestação da cultura “bandido bom é bandido morto” e a possibilidade dessa cultura ser um obstáculo à política de ressocialização e antagônica a lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execução Penal.
O presente artigo, portanto, além de poder contribuir para o meio acadêmico e para sociedade, também é indispensável para a área jurídica, pois, permite avaliar o impacto que a ideologia e a cultura do “CPF CANCELADO”, tem exercida sobre o ordenamento jurídico brasileiro, da mesma maneira que influencia a jurisprudência e gera impactos no meio jurídico.
2. SÍNTESE DO CENÁRIO DE CRIMES E INSEGURANÇA NO BRASIL NOS ÚLTIMOS ANOS.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021, p.21), destaca que os brasileiros além de coexistir com o sofrimento causado pela dor da morte de milhares de pessoas, causada pelo novo coronavírus, SARS-CoV2, (COVID-19), também tiveram que sofrer com o aumento das Mortes Violentas Intencionais, sendo 83% homicídios dolosos, 2,9% latrocínios, 1,3% lesões corporais seguidas de morte.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021, p.99) ainda destaca que em 2020 o país teve 3.913 homicídios de mulheres, sendo que 1.350 dos casos foram registrados como feminicídios, sendo então, uma média de 34,5% do total de assassinatos ocorridos no ano de 2020.
O Departamento Penitenciário Nacional (2021), subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, ao analisar a quantidade de incidência por tipo penal, no período de julho a dezembro de 2020, informa que 30,42% dos detentos, são por causa de crimes contra o patrimônio, 18,8% contra a pessoas e 6,68% contra dignidade sexual. Ainda o relatório informa que 50,24% dos presos em celas físicas e 68,05% dos presos em prisão domiciliar, são por causa de tráfico de drogas, para o mesmo período da pesquisa. Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2019) divulgou que 18,3% dos residentes no país, aproximadamente 29,1 milhões de pessoas com a idade de 18 anos ou mais, sofreram violência sexual, psicológica ou física, a análise foi desenvolvida em parceria com a Pesquisa Nacional de Saúde – PNS (2019).
Ao analisar a Segurança Pública no Brasil o observatório de Segurança Pública (2020), destaca que;
Na última década, a questão da segurança pública passou a ser considerada problema fundamental e principal desafio ao estado de direito no Brasil. [...] Os problemas relacionados com o aumento das taxas de criminalidade, o aumento da sensação de insegurança, sobretudo nos grandes centros urbanos, a degradação do espaço público, as dificuldades relacionadas à reforma das instituições da administração da justiça criminal, a violência policial, a ineficiência preventiva de nossas instituições, a superpopulação nos presídios, rebeliões, fugas, degradação das condições de internação de jovens em conflito com a lei, corrupção, aumento dos custos operacionais do sistema, problema relacionados à eficiência da investigação criminal e das perícias policiais e morosidade judicial, entre tantos outros, representam desafios para o sucesso do processo de consolidação política da democracia no Brasil.
Segundo o Atlas da Violência (2020, p.4) a violência constitui uma das maiores questões de políticas públicas no Brasil. As políticas públicas são ações desenvolvidas pelo Estado que visam o bem-estar do povo e a proteção dos direitos e garantias constitucionais, dentre outros diretos previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Apesar das políticas públicas voltadas para segurança pública as pessoas ainda se sentem inseguras devido ao alto índice de criminalidade.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2019), ressalta que 47,2% das pessoas não se sentem seguras na cidade em que moram, conforme pesquisa desenvolvida pelo instituto em 2009. Já a pesquisa divulgada pela Rede Nossa São Paulo, em 2019, destacou que aproximadamente 85% da população paulistana se sente insegura ao caminhar na cidade como pedestre. A pesquisa foi realizada com o IBOPE Inteligência e os resultados mostraram que 37% das pessoas disseram se sentir “nada seguro”, enquanto 48% disseram se sentir “pouco seguro”.
Desta forma a insegurança gera a sensação do risco ao direito à vida. “A não garantia do direito à vida mantém a população amedrontada e o medo é um forte mecanismo de controle político/social.” (RAMOS, 2021, p.14).
3. “CPF CANCELADO”, REFLEXO DO POPULISMO PENAL
Diante do cenário de crimes e insegurança que passa a existir o medo e o anseio da população por medidas efetivas que de fato solucionem o problema existente. “A sociedade, ameaçada e acuada pelo crescimento da violência pressiona o Estado, em busca de soluções.” (BRITO, 2020, p.23). Concomitantemente, aos anseios e os medos da sociedade, surge o populismo penal, intensificando-os.
Para Natália França Von Sohsten (2013);
Populismo penal é uma política criminal sem qualquer estudo científico, sem qualquer estudo de caso, sem análise dos fatores preponderantes do crime e criminoso, sem estratégias, sem eficácia, sem freios. É um ataque aos denominados “inimigos” do estado, é uma política de exclusão dos indivíduos e supressão de direitos e garantias.
O populismo penal difunde a rigidez das normas penais, a repressão policial e o encarceramento em massa como meios aplicáveis para redução da criminalidade.
“O populismo penal tem origem no clamor público, gerando novas leis penais ou novas medidas penais, que inicialmente chegam a acalmar a ira da população, mas depois se mostram ineficientes, porque não passam de providências simbólicas”. (GOMES, 2018, p.3).
Segundo Chalegra e Pimenta (2018, p. 4);
No populismo penal, é a sociedade civil quem vem a discutir punições cabíveis para os delitos, muitas vezes deixando de agir só como extensão simbólica (Thompson, 1995) do Estado Democrático de Direito para se apontar, por conta própria, às funções de decisão e execução das penas a partir do próprio senso comum.
Para Natália França Von Sohsten (2013);
Percebe-se que por detrás do populismo penal existe um ciclo vicioso que decorre da atuação de dois importantes agentes sociais: primeiramente, a mídia atua explorando o lado emocional das pessoas e noticiando com destaque crimes ocorridos no Brasil (geralmente focam em algum tipo ou espécie de crime que de alguma forma ganhou repercussão ou que sensibiliza a população, e passam a noticiar e dar destaque a todos os casos parecidos). As notícias repercutem na sociedade e uma enorme sensação de insegurança se dissemina. Entra em cena o segundo agente: os políticos. A fim de ganhar visibilidade e votos, com fulcro no clamor social editam projetos de leis criminalizadoras, às pressas, apenas para demonstrar à população que estão fazendo o seu trabalho e tomando as medidas necessárias para garantir a segurança da ordem pública.
O populismo penal promulga o homicídio e contribui para ideia de que o encarceramento em massa seja uma solução para redução da criminalidade. Haja vista, ser uma prática que busca comover a população emocionalmente para justificar qualquer espécie de barbárie contra o criminoso.
Seja pela homilia política daqueles que pretendem ganhar notoriedade com seus discursos discriminatórios e intolerantes ou por aqueles que almejam audiência para os programas de jornalismo policial. Desta forma a população vai sendo manipulada com a ideologia do “bandido bom é bandido morto”.
Por isso que 57% dos brasileiros acabam por defender a expressão “bandido bom é bandido morto”. Conforme destaca 10º anuário de segurança pública (2016). Pesquisa similar realizada no Rio de Janeiro, pelo centro de estudos de segurança e cidadania (CESEC), diz que 37% dos cariocas manifestam algum grau de concordância com a frase “bandido bom é bandido morto”, sendo que 31% concordam integralmente. (LEMGRUBER, et al., 2017, p.10).
Algumas circunstâncias podem elucidar o discurso da expressão “bandido bom é bandido morto”, o Grupo de Estudos em Criminologias Contemporâneas - CRIMLAB (2021) diz que essa expressão pode advir de experiência direta ou indireta de vitimização por crimes violentos; o alto grau de indiferença e banalização da morte, potencializados pela exposição a conteúdos violentos veiculados pela mídia.
3.1. O POPULISMO PENAL COMO INSTRUMENTO POLÍTICO.
Enquanto alguns políticos usam do discurso de ódio para promover o medo, a insegurança e a barbárie, assim como a execução de criminosos por policiais militares. Atualmente um dos principais políticos a difundir o populismo penal é o atual Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. No dia 18 de junho de 2019 o Presidente publicou no Tweet, “- O chocante caso do menino Ruan, [...], é um dos muitos crimes cruéis que ocorrem no Brasil e que nos faz pensar que infelizmente nossa constituição não permite prisão perpétua”.
A postagem obteve 12,9 mil Retweets (replicado), 1.568 Tweets com comentário e 82,3 mil Curtidas, o que demonstra o quanto em questão de horas várias pessoas foram impactadas com o discurso.
A defesa da prisão perpétua colide com o artigo 5º da constituição federal, que preza pela igualdade, o direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade e diz que no Brasil não haverá penas de caráter perpétuo. Ressalta Helena Regina que;
O populismo no Direito Penal aprofunda, portanto, as causas de surgimento do próprio populismo na política, criando um círculo vicioso. Se na Europa tais ferramentas penais recrudescidas e inefetivas se voltam, sobretudo, contra o imigrante, eleito o inimigo pelo populismo, no Brasil o Direito Penal aprofunda sua aplicação socialmente desigual e racista. O populismo penal torna-se ferramenta do processo contínuo de dominação de grupos minoritários. Além disso, volta-se aos crimes de colarinho-branco apenas para, qualitativamente, enfraquecer as garantias penais. As consequências serão suportadas, no entanto, sobretudo pela clientela de sempre do sistema penal. Ademais, a concepção de que quem pratica crime é inimigo leva ao descaso pela situação carcerária, se é que é possível piorar algo que já alcançara o absoluto desrespeito à dignidade da pessoa. As prisões são o inferno, pois para lá não vão cidadãos, vão apenas os párias, os antipovo.
Atualmente diversos políticos fazem do populismo penal sua bandeira partidária com intuito de angariar adeptos, seguidores, além de meros eleitores. Segundo registros do Grupo de Estudos em Criminologias Contemporâneas (2021), esses político são repetidores da prática utilizada em campanha eleitoral por José Guilherme Godinho Sivuca Ferreira, o Sivuca, policial ex-integrante da Scuderie Le Cocq, eleito em 1990 e reeleito em 1994, responsável em dar notoriedade e disseminar a expressão “bandido bom é bandido morto”.
3.2. O POPULISMO PENAL MIDIÁTICO.
A prática do populismo penal ganha dimensões e velocidade com o auxílio da mídia e das redes sociais. Algumas emissoras dedicam momentos específicos dos telejornais para prática do populismo penal, enquanto outras criam programas específicos de cobertura policial, explorando o populismo penal. Observa, Felipe Haigert Simi (2017) que “A midiatização da violência e o do crime procura expressar no castigo toda a repulsa ocasionada pelo ato praticado, estipulando a prisão não como uma forma de reabilitar, mas sim como meio de vingança perante o delinquente”.
Destaca Carnelutti, 2002, p. 12, que;
Os jornais ocupam boa parte de suas páginas para a crônica dos delitos e dos processos. Quem as lê, aliás, tem a impressão de que existem mais delitos do que boas ações neste mundo. [...] Se dos delitos e dos processos penais os jornais se ocupam com tanta assiduidade, é que as pessoas por estes se interessam muito; sobre os processos penais assim ditos célebres a curiosidade do público se projeta avidamente. E é também esta uma forma de diversão: foge-se da própria vida ocupando-se da dos outros; e a ocupação nunca é tão intensa como quando a vida dos outros assume o aspecto de drama. O problema é que assistem ao processo do mesmo modo com que deliciam o espetáculo cinematográfico, que, de resto, simula com muita frequência, assim, o delito com o relativo processo. Assim como a atitude do público voltado aos protagonistas do drama penal é a mesma que tinha, uma vez, a multidão para com os gladiadores que combatiam no circo, e tem ainda, em alguns países do mundo, para com a corrida de touros, o processo penal não é, infelizmente, mais que uma escola de incivilização.
Felipe Haigert Simi (2017), concernente ao populismo midiático, ressalta que o populismo penal midiático busca soluções mágicas para resolver a situação da violência, acreditando e passando esse entendimento para a população de que o problema se resolveria com punições mais severas ou com a edição de leis mais duras.
Quanto à influência da mídia sobre a sociedade civil, destacam, Paula Dovana Simplicio Honório Filho e André De Abreu Costa (2019) que;
A mídia que influencia a sociedade civil e esta, por sua vez, pretende influenciar o Estado Democrático de Direito nos casos que são veiculados. O clamor público leva as pessoas a agirem com violência contra os infratores, antes mesmo destes serem detidos pelos órgãos competentes. É o desejo de vingança existente na população que torna um ato de violência contra uma criança uma barbárie, e a sua veiculação na mídia faz com que a população cobre veementemente do Judiciário uma conduta mais rígida, bem como a aplicação da pena máxima. Em contrapartida, um mesmo ato, tão violento quanto ou até mais, mas que não tem o mesmo espaço na mídia, pode não ter uma conclusão em que se aplique a total rigidez.
De fato, é a espetacularização dos crimes que negligencia o debate jurídico e social. São inúmeros os programas de cobertura policial, como Alerta Nacional - RedeTV! 190 - CNT, Brasil Urgente - Rede Bandeirantes, Aqui Agora - SBT, Balanço Geral – RecordTV, Boletim de Ocorrências - SBT, Cadeia - Rede OM / CNT, uns ainda estão ativos e outros não.
O sensacionalismo, o sacarmos, a criação de leis mais rigorosas, a promoção do encarceramento em massa, a execução e o festejo pela morte do criminoso, a análise desprovida de conhecimento técnico e jurídico, são algumas das características inerentes da maioria desses programas.
Analisando a criminologia midiática Zaffaroni (2012) pondera que:
A criminologia midiática não tem limites, que ela vai num crescendo infinito e acaba clamando pelo inadmissível: pena de morte, expulsão de todos os imigrantes, demolição dos bairros pobres, deslocamento de população, castração dos estupradores, legalização da tortura, redução da obra pública à construção de cadeias, supressão de todas as garantias penais e processuais, destituição dos juízes.
O programa de televisão jornalístico, o Alerta Nacional, gerado pela TV A Crítica e transmitido em rede nacional pela RedeTV! Segundo Sousa (2019) o programa “é originado do Alerta Amazonas, programa policial comandado por José Siqueira Barros Júnior, o Sikêra Júnior, que atingiu a liderança isolada de audiência no estado do Amazonas em horário nobre”. atualmente responsável pelo maior espetáculo do populismo penal em rede nacional.
No programa o apresentado por Sikêra Júnior há um Quadro Especial denominado por “CPF CANCELADO”, que já contou com a participação e o apoio do atual presidente da república, é um momento que se comemora a morte de criminosos. “CPF CANCELADO” é de fato o reflexo do populismo penal em detrimento do ordenamento jurídico brasileiro. É a nova manifestação da cultura “bandido bom é bandido morto”. Para os defensores do populismo penal, por trás da expressão “CPF CANCELADO”, não há presunção de inocência, não há tempo para ampla defesa e nem para o contraditório. É preciso destacar que a missão do Direito Penal é proteger os valores fundamentais para a subsistência do corpo social (CAPEZ, 2020, p.71). A cultura “CPF CANCELADO” é antagônica a missão do Direito Penal.
Nesse sentido Gomes (2013, p.26), ao analisar o papel da mídia, “observa que nossos meios de informação utilizam um discurso extremamente punitivista e que explora exageradamente um maior rigor penal, ou seja, mais repressão, leis penais mais duras, sentenças mais severas e execução penal sem benefícios”.
4. “CPF CANCELADO”: UM OBSTÁCULO À POLÍTICA DE RESSOCIALIZAÇÃO
4.1. À POLÍTICA DE RESSOCIALIZAÇÃO COM BASA NA LEI Nº 7.210/84
A ressocialização é uma questão extremamente complexa que tem por finalidade proporcionar dignidade, tratamento humano e preservar a honra e a autoestima do infrator. Almeja reeducar as pessoas privadas de liberdade para se adaptarem às condições sociais e às leis. Nesse sentido, o preso poderá reduzir sua pena e sair do presídio com habilidades que lhe trarão alguma renda. A partir de programas de especialização e incentivos que trabalham juntos para tornar efetivos e priorizados os direitos fundamentais, pois a recuperação e reintegração do indivíduo não é tarefa apenas do Estado, mas também da família e de toda a sociedade.
“A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Conforme, o Artigo 1º da lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, que Institui a Lei de Execução Penal. Ainda o Caput e o parágrafo único do artigo 3º desta mesma lei, destaca que “Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei. Parágrafo único. Não haverá qualquer distinção de natureza racial, social, religiosa ou política.” Objetiva-se que o condenado e o internado possam conviver de forma harmoniosa com a sociedade.
A lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execução Penal, visando a ressocialização ainda expressa no artigo 10 que “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Nota-se claramente o dever que o estado tem no processo de ressocialização. Para tanto, deve o estado alcançar esse ideal por meio de assistência ao egresso. Assistência essa que deve ser material; saúde; jurídica; educacional; social e religiosa.
Conforme preceitua a lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, Lei de Execução Penal;
Assistência Material; Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas. Art. 13. O estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendam aos presos nas suas necessidades pessoais, além de locais destinados à venda de produtos e objetos permitidos e não fornecidos pela Administração. Da Assistência à Saúde; Art. 14. A assistência à saúde do preso e do internado de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico. [...] § 2º Quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para prover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento. § 3o Será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido. Da Assistência Jurídica; Art. 15. A assistência jurídica é destinada aos presos e aos internados sem recursos financeiros para constituir advogado. [...] Da Assistência Educacional; Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado. [...] Da Assistência Social; Art. 22. A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade. [...] Da Assistência Religiosa; Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa.
Ainda a Lei de Execução Penal descreve que Assistência ao Egresso inclui reintegrá-lo à vida livre com orientação e amparo e todas as autoridades devem respeitar a integridade física e mental dos condenados e dos presos provisórios. Segundo a Lei de Execução Penal são direitos dos presos dentre outros, a alimentação e vestuário adequados a Previdência Social, o direito de exercer atividade profissional, intelectual, artística, a Igualdade de tratamento, e contato com o mundo exterior por correspondência escrita, leitura e outros meios de informação que não prejudiquem a moral e os bons costumes.
4.2. “CPF CANCELADO”: UM OBSTÁCULO À RESSOCIALIZAÇÃO
Totalmente aversa as políticas de ressocialização do preso, a cultura do “CPF CANCELADO” propaga e legítima a execução de criminosos por policiais como o meio para reduzir a infrações penais e garantir a segurança pública, a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas, assim como do patrimônio. Uma completa distorção da finalidade das polícias prevista no artigo 144, da constituição federal de 1988.
Atualmente o Brasil atingiu o maior número de mortes em decorrência de intervenções policiais. Com 6.416 vítimas fatais de intervenções de policiais civis e militares da ativa, desde 2013, primeiro ano da série monitorado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública - FBSP, o crescimento é da ordem de 190%, as forças policiais nunca mataram tanto, Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020).
A cultura do “CPF CANCELADO” é o reflexo do populismo penal em detrimento dos direitos humanos e direitos do homem, é o desejo de punir. O Direito Penal está em crise, e com ele sua principal sanção, a pena de prisão. (Brito, 2020, p.23).
Contudo, ao menos uma coisa deve ser respeitada ao se punir alguém, inclusive os piores assassinos, a sua "humanidade", (FOUCAULT, 2013, p.54), todavia, a expressão “CPF Cancelado”, reflexo do populismo penal, parece querer resgatar a era do suplicio, ou no mínimo algumas de suas práticas, ignorando direito e garantias constitucionais, violando toda espécie de direitos.
A prática do populismo penal de fato tem exercido uma ampla influência em diversas áreas, apesar de ser contraria ao ordenamento jurídico brasileiro. O populismo penal afeta diretamente não só aqueles que cometem crimes ou infrações penais, mas inevitavelmente a toda sociedade.
Ressalta Gerson Faustino Rosa, Doutor, mestre e especialista em Ciências Penais que (2021) que;
Cumpre advertir que assim sendo, a ciência do Direito Penal perde a sua pretensão de racionalidade e efetividade, transfigurando-se em puro terror, vingança e brutalidade. Os contrários no campo da política são transformados em inimigos, e são tratados pela via penal – não há mais arena de discussão, não há tolerância; há combate, há luta, há guerra. Ao tentar mobilizar sentimentos humanos, o populismo busca despertar a vingança e o ódio, fazendo as pessoas desejarem mais polícia, mais prisões, mais penas e até mesmo mais armas em suas mãos. E uma vez mais esse discurso é apresentado como hegemônico. A partir dessa perspectiva, as leis penais elaboradas sofrem cada vez mais essa influência, ampliando-se gradativamente o rigor das respostas oferecidas pela seara penal. Tudo é válido para combater o inimigo, o outro.
Ao partir da afirmação que a expressão “CPF CANCELADO”, é um reflexo do populismo penal em detrimento do ordenamento jurídico brasileiro como uma nova manifestação da cultura “bandido bom é bandido morto” que se tornou um obstáculo à política de ressocialização.
Notavelmente o populismo penal por trás da expressão “CPF CANCELADO”, constitui obstáculos à política de ressocialização dificultando não só a efetivação dos direitos e garantias do egresso, como também a criação e implementação de novas medidas por parte dos legisladores que preferem promover normas mais rígidas e populistas do que aquelas que efetivamente pudessem contribuir com a ressocialização.
Além disso acredita-se que a cultura do populismo penal reforça a ideia da repressão e do encarceramento em massa, o que dificulta a efetividade do direito a assistência tornado as medidas prevista na lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, a Lei de Execução Penal, ineficientes e ineficazes, consequentemente produz um efeito inverso da ressocialização, o da reincidência; Entende-se que o populismo penal afeta a participação da sociedade no processo de reintegração social, devido a estigmatização do criminoso no contexto prisional, além de obstar o direito ao esquecimento e o ingresso no mercado de trabalho, do mesmo. Por mais que a sociedade esteja sendo conduzida a pensar que as normas mais rígidas como prisão perpetua ou pena de morte seja a solução para criminalidade e que as políticas de ressocialização são benefícios indevidos aos criminosos, a história já comprovou que essa teoria é uma falácia, é mais que um obstáculo às políticas de ressocialização é uma eternização da reincidência.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar dos inegáveis problemas de segurança pública e da falta de efetividade das políticas públicas, não há, o que se justifique a prática da ideologia do populismo penal.
O Estado de fato precisa estar presente de forma concreta e expressiva, as ações policiais e de inteligência são fundamentais. O papel da polícia é de grande relevância para segurança da sociedade, haja vista, sua finalidade constitucional é manter a ordem pública, proteger pessoas e bens, investigar e reprimir crimes, além de controlar a violência. Nota-se que em seu artigo 144 a Constituição Federal de 1988, constitui que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida através dos seguintes órgãos: Polícia Federal; Polícia Rodoviária Federal; Polícia Ferroviária Federal; Polícias Civis; Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
Além do Estado a mídia, também, tem sua importância, ademais, atua como intermediária do conhecimento, da informação e está cada vez mais integrada ao dia a dia das pessoas e tem um impacto significativo na sociedade, disseminando comportamentos, modas e atitudes.
Todavia, quando políticos e a meios de comunicações desvirtuam-se de seu papel ultrapassam os limites da ética, da moral e dos bons costumes. É inegável que o Estado deve dar uma resposta contundente as ações criminosas, contudo dentro dos meios legais, não pode a mídia e políticos por meio de discursos manipuladores mudar o papel dos órgãos responsáveis pela segurança pública. Porém, diariamente, o discurso “bandido bom é bandido morto” é reforçado pela mídia e por políticos, por meio da expressão “CPF CANCELADO”. Fazendo com que a sociedade seja atormentada pelo que ela mesmo propaga, o populismo penal, pois, essa prática, afeta diretamente não só aqueles que cometem crimes ou infrações penais, mas inevitavelmente a toda sociedade.
A sensação de insegurança, promove uma sociedade, ameaçada e acuada, que busca nas suas próprias ações uma resposta para criminalidade. Ações que são alimentadas e conduzidas pelos discursos de ódio, manipuladas por homilia política e midiática que estão preocupadas com vários fatores, exceto a segurança das pessoas, pois estes se promovem pela desgraça alheia. Nitidamente o populismo não contribui com a sociedade, não resolve os problemas de segurança pública e políticas públicas, de fato, são meios de autopromoção para quem busca notoriedade.
O populismo constitui obstáculos à política de ressocialização dificultando não só a efetivação dos direitos e garantias do egresso, como também a criação e implementação de novas medidas por parte dos legisladores que preferem promover normas mais rígidas e populistas do que aquelas que efetivamente pudessem contribuir com a ressocialização.
O populismo penal, parece querer resgatar a era do suplicio, ou no mínimo algumas de suas práticas, violando princípios e garantias constitucionais, violando toda espécie de direitos e sendo um obstáculo a ressocialização. Pois reforça a ideia da repressão e do encarceramento em massa, o que dificulta a efetividade do direito a assistência tornado as medidas previstas na lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, a Lei de Execução Penal.
O populismo leva a sociedade a crê que não há meio eficaz de ressocialização e por isso qualquer investimento nessa área seria desnecessário. Contudo, não investir na ressocialização é condenar a sociedade as suas próprias mazelas. O estado não é um grupo de extermínio. Matar, não é a solução para criminalidade, não é a cura para ação delituosa.
Diante desta realidade é de grande urgência e extrema importância para sociedade analisar o tema livre das manipulações midiáticas, dos discursos autoritários e das opiniões políticas eivadas pelo fascismo. Ademais, é de grande relevância, não só entender a cultura do “CPF CANCELADO” e compreender seus efeitos, além disso, à medida que se aprofunda no conhecimento deve-se produzir e divulgar o saber livre dos discursos partidários e midiáticos.
6. REFERÊNCIAS
AMOS, Silvia et al. A cor da violência policial: a bala não erra o alvo. Relatório de
pesquisa. Rio de Janeiro: Rede de Observatórios da Segurança/CESeC, dezembro de 2020.
________________. A vida resiste: além dos dados da violência. Rio de Janeiro: Rede de Observatórios da Segurança/CESeC, julho de 2021.
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Publicado por: Ademilson Carvalho Santos
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