A inconstitucionalidade da norma penal em branco
Breve discussão acerca da inconstitucionalidade da norma penal em branco.
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A inconstitucionalidade da norma penal em branco
Em nosso estudo, intitulado: Dos Crimes contra a propriedade intelectual [1], que em sua 2 edição, em co-autoria com Dr. Rui Caldas Pimenta, publicado pela editora RT (Revista dos Tribunais), enfrentamos a questão da norma penal em branco do art. 184 do Código Penal.
Agora, nesse artigo, revisitamos o tema, em vista do conhecimento da tese de mestrado, intitulada: “PRINCIPIO DA DEFINIBILIDADE DA LEI PENAL – Limites de Imprecisão na Descrição do Fato Típico”[2], defendida pelo Mestre Rodolfo Pelizzari, no Curso de pós graduação do Mackenzie - SP.
Para compreensão adequada da inconstitucionalidade, ora defendida, passamos as definições e conceitos preliminares.
Da norma penal em branco na tutela penal dos direitos autorais
Afirmamos que “A nomenclatura usual na norma penal é decorrente da noção civilista que foi inserida no preceito penal. O critério que o legislador obedece no uso da nomenclatura está na razão do interesse do valor predominante que a lei protege. (...) Fato é que o legislador penal, ao longo da história de tutela penal dos direitos autorais no Brasil, usou diversas nomenclaturas para proteger o hoje conhecido direitos autorais: “uso indevido da imprensa” (1830) – pois só se conhecia como forma de reprodução a imprensa, e só se conhecia os direitos patrimoniais do autor; “direitos da propriedade literária e artística” (1890 e 1932); violação de direito autoral (1940, 1969, 1984 e 1993) e por fim violar direitos de autor e os que lhe são conexos (2003). O legislador de 1984 e 1993 esqueceu de prever a tutela penal dos direitos conexos, pois dizia o enunciado “violar direito autoral”, no singular. Se se trata de uma norma penal em branco, recorre-se à definição dada pela LDA vigente a época (5.988/73, revogada pela 9.610/98), se em seu art. 1º, indica que somente sobre a nomenclatura direitos autorais, estão inseridos os direitos de autor e os que lhe são conexos. A presunção é de que, como demonstramos, autoral é adjetivo de autor, e não de artista intérprete executante, produtor fonográfico e empresa de radiodifusão. Somente em 2003, com a nova lei 10695/2003 de 01 de julho de 2003, que deu nova redação ao art. 184 do Código Penal, é que os direitos conexos vieram a ser tutelados penalmente. “
Em todas as redações foi mantido a norma penal em branco, sendo necessário um texto legal, extrapenal (Lei 9.610/98), que o complementasse, definindo o bem jurídico, para que se especificasse a existência de uma ação criminosa.
Por ser os direitos autorais um bem jurídico especifico, e por não haver a sua definição na lei penal, e que se tem caracterizado no artigo 184 do Código Penal é que a norma penal é em branco.
A norma penal em branco no Código Penal transforma a norma, quanto ao tipo delituoso, em uma norma-princípio legando a outra lei a definição de conduta que caracterizam o delito.[3]
Estes valores que informam à norma-princípio são dados pela Lei 9.610/98 (norma extra-penal), valores que vão desde a definição (tal como o art. 1º que define o que é direitos autorais), passando pela obrigatoriedade de conduta (como a prestação de contas a ser feita pelo editor – art. 61) e culminando na permissibilidade, por analogia, de adotar definições e conceitos do direito civil (tal como enunciado no art. 89 da Lei 9.610/98).
Daí podemos afirmar que o tipo é definido pelo art. 184, especialmente o caput – (violar) – mas o objeto direto é dado pela expressão “direitos de autor e os que lhe são conexos”, no que permite constatar a variedade ou a poliformia do objeto.
Entretanto, se modificada a norma extrapenal, tornar-se-ia atípico a ação que era criminosa, esta deve ou não retroagir, para favorecer o agente?
Mezger, Pessina, Asúa, Gabba e Fontán Belestra são partidários da retroatividade; contrários, Manzini, Florian e Ferri entendem ser um absurdo jurídico e moral falar-se de Direito Público de direitos adquiridos, em especial por parte do delinqüente. Isso porque o crime não constitui um meio de aquisição do direito. No Brasil, Basileu Garcia é favorável à retroatividade benigna, enquanto Nelson Hungria, Virgílio Sá Pereira, Tobias Barreto, Magalhães Noronha, Frederico Marques e Damásio E. de Jesus apóiam a tese contrária.[4]
Em suma, os partidários da Escola Clássica sustentam a irretroatividade, e os positivistas, a retroatividade como regra geral. Certo é que se aplica a lei no momento em que a ação criminosa é cometida, porém, se lei posterior não mais considera o fato criminoso, extingue-se a punibilidade. Assim sendo, ninguém pode ser punido por fato não considerado criminoso, mesmo que haja sentença condenatória transitada em julgado (art. 2º e 107, III do CP, e art.5º, XL, da CF) [5].
Se a norma penal é fruto da manutenção dos valores sociais, e se esses valores mudam, fazendo com que a norma penal mude, não vemos por que haver sanção para o ato que deixou de ser crime. Afinal, a lei é o resultado da consciência coletiva, segundo afirmou Pessina.[6]
Portanto, se hoje é crime de violação de direito autoral moral publicar obra intelectual inédita sem a autorização do autor, e se amanhã mudar a lei reguladora dos direitos autorais e excluindo o ineditismo de uma criação dos direitos autorais, definindo-o como direitos de personalidade, não mais será crime de violação de direito autoral o ato de publicar sem autorização obra inédita. A lei retroagiria para beneficiar aquele que ontem violou direito autoral, publicando obra inédita sem autorização do criador.
A tese do Mestre Rodolfo Pellizari
O Prof. Pellizari sustenta a inconstitucionalidade da norma penal em branco, pela ausência de precisão ou pela vagueza do termo utilizado na norma.
Afirma, em relação ao artigo 184 do Código Penal, quanto a sua imprecisão e justifica ”se portanto que existem formulações nas quais a deficiência terminológica poderá conduzir a deficiência conceitual de todo o dispositivo. O artigo 184 do código penal exemplifica a questão. Diz o legislador neste dispositivo que é crime violar direito autoral. A imprecisão do termo violar leva a imprecisão conceitual da própria norma. O que seria violar na forma utilizada pelo legislador? Os direitos autorais são garantidos não só pela Constituição federal como também por leis próprias lei 9610/98 e lei 9609/98. Ao utilizar o legislador de enunciado tão vago para proteger esses direitos patrimonialismo acabou por ofender o princípio da definibilidade já que conduziu o enunciado da lei à expressão vazia de significado prejudicando a conceituação da norma. Tanto isso é verdade que o legislador evitou o mesmo termo em dispositivos que o levam no “nomen juris”. Veja se “ad exemplo” os crimes de violação de domicílio; violação de correspondência; violação de comunicação telegráfica radioelétrica ou telefônica ou de violação de segredo profissional nos quais o legislador não se utiliza do verbo violar como núcleo do tipo descrevendo precisamente a conduta incriminada. Observa-se, portanto, que a conceituação da norma foi prejudicada pela utilização de termo impreciso na sua significação de base, contaminando todo enunciado que sobre o termo se embasava.”[7]
E justifica o problema conotativo ou designativo da vagueza do termo violar, usado no artigo 184 do Código Penal: “Um termo é vagos quando inexiste uma regra definida quanto a sua aplicação, devendo o usuário decidir se incluem ou não determinadas situações, objetos ou subclasses do termo dentro da denotação. Pode-se, desta forma, asseverar que ou inexistem dúvidas de que o termo inclui-se ou não a uma denotação, e ai não há vagueza; ou existem dúvidas nesta inclusão, e agora sim se apresenta o problema da imprecisão. Teremos, portanto um problema de vagueza quando, a partir das regras de uso de uma expressão, não se puder definir com precisão os critérios de aplicabilidade denotativa de um termo, devendo-se recorrer a decisões auxiliares”.[8]
Assim, conclui que “há vagueza quando temos dúvidas sobre a extensão de dada classe”[9], que no caso dos direitos autorais, definido na lei 9610/98, alcançaria a ausência de prestação de contas pelo editor (art.61) e tipificaria como ilícito penal.
Da inconstitucionalidade da norma penal em branco
A inconstitucionalidade implica na contrariedade a dispositivo fixado na Constituição Federal, que como norma maior, vigente dentro do ordenamento jurídico brasileiro, exige a harmonia e concordancia de todas as normas hierarquicamente inferior, como as leis ordinárias, a exemplo o Código Penal
O art. 5 da XXXIX, impõe a definição da conduta tipifica na norma penal, com independência sintática e semântica, não dependendo de norma extra-penal.
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
Logo, se a norma é imprecisa ou vaga, de modo a admitir interpretação extensiva ou imprecisa ela é revestida de inconstitucionalidade, por ferir o princípio da legalidade.
O que é alicerçado na doutrina HANS HEINRICH JESCHECK, que o preceito da legalidade penal deve atentar para: 1- Exclusão do Direito Consuetudinário; 2 Proibição da Analogia e 3 – o dever de determinação na descrição da lei penal.[10]
Nesse sentir, comenta Prof. Rodolfo Pellizari: “os tipos penais devem ser descritos com maior exatidão possivel, evitando os conceitos elásticos pois, somente assim a lei poderá ter completa eficácia, evitando-se decisões subjetivas ou arbitrárias por parte do juiz e permitindo ao cidadão a conhecimento dos comportamentos proibidos.” [11]
Sendo, a princípio, inconstitucional toda sentença condenatória base no dispositivo impreciso ou vago.
Conclusão
A norma do art. 184 do Código Penal, é uma norma penal em branco, que depende de outra que a complete, para definir o bem tutelado – os direitos autorais. Decerto, que com o rol de ações, existem diversos atos violativos dos direitos de autor e os que lhe são conexos, que tipificam o enunciado no caput, são indicadas na Lei 9.610/98.
Entretanto, a norma penal em branco é nitidamente revestida de inconstitucionalidade, como preconiza o Prof. Rodolfo Pellizari, pois é imprecisa ou vaga.
A violação ao princípio constitucional, insculpido no art. 5, inc. XXXIX da Constituição Federal, torna cristalino por não haver crime sem previa definição legal, ao que aderimos.
Referências bibliográficas
JESUS, Damásio E. de. Direito penal – Parte geral. São Paulo: José Bushatsky, 1972, vol. I.
LINHARES, Marcello Jardim. Compêndio de direito penal. Direito penal - Parte geral. In: Nelson Hungria e Roberto Lyra. Rio de Janeiro: Jacinto, 1936;
PELLIZARI, Rodolfo. PRINCIPIO DA DEFINIBILIDADE DA LEI PENAL – Limites de Imprecisão na Descrição do Fato Típico. Tese de mestrado apresentada no curso de pós-graduação da Universidade Mackenzie - 1999
PIMENTA, Eduardo, PIMENTA , Rui. Dos Crimes Contra a Propriedade Intelectual – 2 ed. São Paulo – 2001;
RADAELLI, Sigifrido e MOUCHET, Carlos. Los derechos del escritor y del artista. Buenos Aires: Sudamericana, 1957
[1] PIMENTA, Eduardo, PIMENTA , Rui. Dos Crimes Contra a Propriedade Intelectual – 2 ed. São Paulo – 2001
[2] Tese defendida em 1999, disponível na Biblioteca da Universidade Mackenzie
[3] O art. 184 do CP é uma norma penal em branco e não requer pressupostos formais para a integração do crime, bastando que se tenha violado ou tentado violar direito autoral; não é qualquer lesão patrimonial minima, oriunda do direito autoral, que deve resvalar para a justiça criminal, onde somente se tutelam infrações maiores ou comprometedoras do mínimo ético.(TACrSP, RT 604/365)
[4] HUNGRIA, Nelson e LYRA, Roberto. Direito penal, p. 419-422; JESUS, Damásio E. de. Ob. cit., p. 158.
[5] Sumula 611 do STF : Transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao juízo das execuções a aplicação da lei mais benigna.”
[6] MOUCHET, Carlos e RADAELLI, Sigifrido. Los derechos del escritor y del artista, p.176
[7] P.95 – da tese
[8] P.67 – da tese
[9] P.68 – da tese
[10] P.57 da tese
[11] P. 57 – da tese
Publicado por: Eduardo Salles Pimenta

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