O dia que conheci meu filho na Patagônia
Clique e confira algumas lições práticas de integração pai e filho em uma aventura de férias na Patagônia!O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Lições práticas de integração pai e filho em uma aventura de férias
Precisava ver a cara do meu filho Lucas ao falar da proposta para as próximas férias. “Disney?”, perguntou ele animado. “Patagônia”, respondi sem graça. Naquele momento, a ideia de passarmos um tempo de qualidade juntos, nesta fase com tantas referências no auge dos seus 14 anos, pareceu meio sem noção. Afinal, desconectar um adolescente da internet é um grande desafio e algo mais ousado do que um trekking de vários dias nas montanhas. Mas a possibilidade de integrá-lo à natureza, a mim e a ele mesmo valia o risco.
A inspiração dessa viagem de duas semanas vem da minha preocupação em evitar, tanto nele quando em mim, o "Transtorno de déficit de natureza", causado pelo excesso de atividades em ambientes fechados e altamente controlados, comum nas grandes cidades. Esse afastamento dos habitats naturais afeta a saúde física e mental, resultando em doenças cardiovasculares, respiratórias, hiperatividade, depressão, ansiedade, obesidade e déficit de atenção. Fatores que também levam jovens e adultos ao isolamento social, que começa na família e repercute em outros núcleos.
Acredito que a tão temida desconexão entre pais e filhos, que geralmente acontece na fase da adolescência, pode ser minimizada quando ambos aceitam a se aventurar no mundo um do outro, apostando no prazer que podem encontrar na consolidação deste vínculo. Aprender na prática foi o jeito que me ensinaram as coisas mais importantes da vida. Através de situações desafiadoras, mas seguras, podemos criar momentos memoráveis, tenha certeza. Sendo assim, eu e meu filho colocamos as mochilas nas costas, os cabelos ao vento e partimos rumo ao desconhecido.
Começamos a nossa jornada na bela cidade de El Calafate, Argentina, de onde partimos para Puerto Natales, no Chile. Foi um início de muita expectativa e surpresas não tão agradáveis devido à quebra do nosso ônibus praticamente no meio do nada enquanto cruzávamos a mítica Rota 40. Foi preciso pegar van e depois carros particulares para poder chegar antes de a fronteira chilena fechar. Acredite, chegamos faltando apenas dez minutos, aumentando ainda mais a nossa adrenalina. Aquela típica situação que, apesar de parecer está dando tudo errado, com um olhar um pouco mais otimista, torna o acontecimento uma aventura a mais no enredo da história.
Chegamos muito bem ao Parque Nacional Torres del Paine, um local muito bem estruturado para receber turistas de todo o mundo, nos permitindo ter uma noite ideal para encarar nosso nada receptivo primeiro quilômetro de trilha. Frio, chuva, vento e mochila pesada não eram exatamente o que meu filho considerava por diversão de férias. Mas mostrar respeito às condições físicas dele, não exigindo demais, e um bom papo, destacando as coisas únicas que veríamos, foram o suficiente para seguirmos neste começo sem perceber que o tempo havia melhorado e o sol passaria a reinar no céu.
O tempo vago e a impossibilidade de teclar propiciaram longas conversas sem cobrança, nem pressa. Pudemos falar de assuntos sérios e frivolidades, percepções particulares das mesmas visões do caminho, do futuro e do limite em que devo me meter na vida dele. Se não era isso, simplesmente curtíamos, em silêncio, a companhia um do outro.
A capacidade de lidar com o imprevisto e o compartilhamento da responsabilidade para que tudo desse certo eram essenciais para completar a missão de fazer o circuito “W”. Por isso, para adaptação, providenciei a reserva de apenas uma noite em um hostel e adquiri os equipamentos necessários à nossa preparação técnica para o trajeto. De resto, nada estava definido. Tudo deveria ser traçado ali, por meio de informações atualizadas, obtidas com outros aventureiros que circulavam na cidade base. Planejado mesmo estava o fato de que teríamos desafios físicos, mentais e emocionais. Tudo para que nos divertíssemos encontrando soluções juntos. Assim também é a vida, que tem como certa apenas a chegada, a partida e um monte de boas intensões no meio disso.
Quis mostrar ao meu filho que a confiança no próprio potencial e nos parceiros de viagem é uma conquista gradual e essencial para a vida. E a percepção dela só é possível quando reduzimos as interferências externas e podemos nos concentrar no instante em que vivemos. Como não havia nada além daquele momento para nós, devido à ausência de sinal telefônico e de internet, desfrutamos de uma atmosfera perfeita para a descoberta mútua.
Os quilômetros percorridos não foram fáceis, mas a visão dos picos nevados, geleiras milenares e plantas exóticas encantavam. Assim como as raposas, as lebres e os condores majestosos faziam os livros de escola tomarem vida e coerência. Os companheiros de diversas nacionalidades que fizemos no caminho, e as histórias inspiradoras que contavam, nos enchiam de energia e oxigenavam nosso entusiasmo, aliviando a carga e a distância. Fatos celebrados com refeições preparadas pelo Lucas, recém-nomeado chef mirim, que teve total liberdade para preparar aquilo que nos rendeu alegria, vigor, e elogios nas áreas de acampamento.
“É o que temos pra hoje!”. Passamos a repetir este bordão em diversas ocasiões, tanto penosas, quanto prazerosas. O Sol, que às 22h ainda atrapalhava o sono, e o chocolate suíço durante um descanso com vista para as geleiras, tinham a mesma importância, pois eram o melhor que tínhamos para aquele instante no tempo. E agradecíamos a tudo isso com a mesma intensidade. O que no começo era uma brincadeira, virou uma grande lição de vida e um modo de conduzir nossa existência com mais realização pessoal. Esse foi dia que conheci verdadeiramente o meu filho.
Ao descobrir esta receita, tudo se tornou magicamente mais leve. O desempenho dele na trilha ficou extraordinário a ponto de eu ter que pedir várias vezes para que diminuísse o ritmo. Percebemos que uma menta sã e um espírito forte são capazes de fazer coisas incríveis. Permite conhecer o próprio limite para ir além com mais consciência. Vimos que o lema ideal é “um por um e todos por todos”. Ou seja, somos responsáveis por nós mesmos e não devemos colocar as nossas cargas nos ombros dos outros. Mas é fundamental estarmos dispostos a sempre colaborar para o bem de toda a comunidade para também sermos ajudados quando for preciso.
Minha experiência como voluntário no movimento escoteiro me ensinou que oferecer alternativas, e não respostas, é um treinamento mútuo para pais e filhos. É importante entender que não os educamos para seguir o que falamos, mas sim para optarem pelo melhor caminho possível. Na maior parte do tempo, não estaremos juntos a eles para orientá-los em suas escolhas. Tudo dependerá de suas capacidades de entenderem a relação entre decisões e consequências. Uma decisão boa leva a uma boa consequência e vice-versa. Além disso, não somos videntes para saber tudo o que será bom ou ruim para eles. Esta é uma excelente oportunidade para mostrar que você não é o super-homem, ou a mulher maravilha, que também comete erros e que eles têm espaço inclusive para ajudá-lo a acertar. É isso que integra e cria vínculo, não ordens e autoritarismo em nome de um suposto bem-estar.
Após 35 quilômetros de caminhada, e o encontro com as colossais Torres del Paine e a sua delicada lagoa azul, sentia-me plenamente realizado ao cruzar, a bordo do catamarã, o lago que contornava aquela cadeia de montanhas. Prosseguimos a outra semana de viagem, agora em um mochilão por trechos urbanos na Argentina e no Chile, incluindo passeios divertidos, quitutes locais, compras de gadgets, conexão de internet e descobertas históricas para complementar tudo que aprendemos juntos nos perrengues que passamos.
Eu havia realizado um enorme desejo e consolidado o que acredito serem os alicerces da vida adulta do meu filho: “direção é mais importante do que velocidade”, “gratidão é energia inesgotável”, “menos pode ser mais”, “andando devagar e sempre se chega a qualquer lugar”, “fé é algo prático” e que “celebrar é viver”. Experiência que qualquer pessoa pode adaptar à faixa etária do jovem, região onde mora e condição financeira da família.
Nossa viagem rendeu divertidas histórias de superação e de liberdade para contar por toda vida. Descobrimos, lado a lado, que momentos memoráveis são divididos em duas categorias: a que rimos na hora e a que rimos depois, no futuro, após nos recuperar do susto. Retornamos com o coração renovado e planejando outras aventuras ao longo da vida. A começar pela próxima: Disney. Afinal, aprendi que ele também tem muito a me ensinar e que isso nos faz muito mais integrados.
Daniel Franco é palestrante e consultor. E mesmo sendo escoteiro há 30 anos e pai há 15, está sempre buscando aprender a viver com mais plenitude e integração.
Fotos abaixo:
Publicado por: Daniel Amaral Franco
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.