SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO
As superlotações, os envolvimentos de presos em organizações criminosas e a falha de pessoal, são os principais problemas enfrentados pelas penitenciárias brasileiras.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo a discussão do sistema carcerário brasileiro, as más condições de estabelecimentos penais pelo país como um dos fatores que dificultam a ressocialização e reforçam a necessidade de penas alternativas, a falta de infraestrutura e o total descaso dos nossos governantes tem contribuído de forma significativa para a transformação das penitenciárias brasileiras em verdadeiras "escolas do crime". As causas das superlotações dos presídios brasileiros podemos destacar os efeitos da lei antidrogas, o excesso de prisões provisórias, o uso de regime fechado mesmo quando há penas alternativas e as prisões não cumprem papel de ressocialização e fortalecem o crime. A solução passa por um sistema humanizado que tenha a oferta de estudo e, paralelamente, de trabalho profissionalizante.
Palavras-chave: Sistema Carcerário; Brasileiro; Falência; Soluções.
ABSTRACT
The objective of this article is to discuss the Brazilian prison system, the poor conditions of penal establishments in the country as one of the factors that make resocialization difficult and reinforce the need for alternative penalties, the lack of infrastructure and the total neglect of our rulers has contributed in a significant way for the transformation of Brazilian penitentiaries into true "schools of crime". The causes of overcrowding in Brazilian prisons can be highlighted by the effects of the anti-drug law, the excess of temporary arrests, the use of a closed regime even when there are alternative penalties and the prisons do not fulfill resocialization role and strengthen the crime. The solution goes through a humanized system that has the offer of study and, at the same time, professional work.
Keywords: Prison system, Brazilian, Bankruptcy, Solutions.
RESUMEN
El presente artículo tiene como objetivo la discusión del sistema carcelario brasileño, las malas condiciones de establecimientos penales por el país como uno de los factores que dificultan la resocialización y refuerzan la necesidad de penas alternativas, la falta de infraestructura y el total descuido de nuestros gobernantes ha contribuido de forma significativa para la transformación de las cárceles brasileñas en verdaderas "escuelas del crimen". Las causas de las superpoblaciones de los presidios brasileños podemos destacar los efectos de la ley antidrogas, el exceso de prisiones provisionales, el uso de régimen cerrado incluso cuando hay penas alternativas y las prisiones no cumplen papel de resocialización y fortalecen el crimen. La solución pasa por un sistema humanizado que tenga la oferta de estudio y, paralelamente, de trabajo profesionalizante.
Palabras clave: Sistema Carcelario, Brasil, Quiebra, Soluciones.
1 INTRODUÇÃO
O crescimento vertiginoso da população prisional e do déficit de vagas, a despeito dos esforços dos governos dos estados e da federação para a geração de novas delas, é por seu turno um elemento revelador de que a construção de novas unidades não pode mais ser o componente fundamental das políticas penitenciárias, senão que apenas mais um componente, dentro de um mosaico bem mais amplo. É bem verdade que entre a superlotação de estabelecimentos penitenciários e a qualidade desses serviços subsiste uma relação de mútua implicação. Mas ainda assim, restam ainda outros fatores que devem ser trabalhados junto à gestão dos sistemas penitenciários estaduais, como estratégias para torná-los melhores.
As superlotações, os envolvimentos de presos em organizações criminosas e a falha de pessoal, são os principais problemas enfrentados pelas penitenciárias brasileiras. Outro fator que estamos acostumados a ver nos noticiários é a questão das rebeliões em presídios, sempre com resultados lastimáveis de sentenciados que são mortos por seus próprios companheiros, funcionários e familiares de detentos transformados em reféns, resgates e fugas audaciosas e espetaculares realizadas por criminosos, e por fim, a incapacidade das autoridades em face de organizações de criminosos, cada vez mais presente nos Estados brasileiros.
Assistência ao Preso, ao Internado, ao Egresso e aos seus Dependentes faz referência a um movimento de promoção dos direitos dos apenados, internados, egressos, dependentes e familiares, criando condições para que estes possam exercer a sua autonomia. Esse processo deve ser mediado pela inclusão dos beneficiários na agenda das políticas públicas de governo e pelo apoio a ações de instituições públicas e privadas, de caráter permanente, que tenham como objetivo prestar atendimento aos beneficiários, na forma e nos limites da lei: material, jurídica, educacional, social, religiosa e principalmente à saúde ao egresso, após a edição do Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário.
O sistema penitenciário, tal como ele existe na sociedade capitalista, principalmente aqui no Brasil, é extremamente cruel, não só porque confina fisicamente o homem, sem que esse homem possa compreender o problema da liberdade, senão em relação à sua locomoção física, mas ele destrói a subjetividade do homem, no sentido de não lhe oferecer nenhuma possibilidade de racionalização da situação em que se encontra.
De acordo com Foucault (1987) a prisão também se fundamenta pelo papel de “aparelho para transformar os indivíduos”, servindo desde os primórdios como uma:
[...] detenção legal [...] encarregada de um suplemento corretivo, ou ainda uma empresa de modificação dos indivíduos que a privação de liberdade permite fazer funcionar no sistema legal. Em suma o encarceramento penal, desde o início do século XIX, recobriu ao mesmo tempo a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos”.
A história do sistema penitenciário no Brasil revela que, desde o início, a prisão foi local de exclusão social e questão relegada a segundo plano pelas políticas públicas, importando, consequentemente, a falta de construção ou a edificação inadequada dos edifícios penitenciários, na maioria das vezes improvisados.
Estabelecia o Livro V das Ordenações Filipinas do Reino, Código de leis portuguesas que foi implantado no Brasil durante o período Colonial que “decretava a Colônia como presídio de degredados”. A pena era aplicada aos alcoviteiros, culpados de ferimentos por arma de fogo, duelo, entrada violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, resistência a ordens judiciais, falsificação de documentos, contrabando de pedras e metais preciosos.
A utilização do território colonial como local de cumprimento das penas se estende até 1808, ano marcado por mudanças significativas rumo à autonomia legal e aos anseios de modernidade, tão em voga naqueles tempos, segundo assinala Pedroso.
A instalação da primeira prisão brasileira é mencionada na Carta Régia de 1769, que manda estabelecer uma Casa de Correção no Rio de Janeiro.
Registra-se, também, a Cadeia construída na cidade de São Paulo entre 1784 e 1788, conhecida simplesmente como Cadeia e estava localizado no então Largo de São Gonçalo, hoje Praça João Mendes. Era um grande casarão assobrado, onde funcionava também a Câmara Municipal. Na parte inferior, existiam as salas destinadas à prisão e, no piso superior, os espaços para as atividades da Câmara. Para lá eram recolhidos todos os indivíduos que cometiam infrações, inclusive escravos, e era onde aguardavam a determinação de penas como o açoite, a multa e o degredo; uma vez que não existia, ainda, a pena de prisão.
A Constituição de 1824 estabelecia, no art. 179, que as prisões deveriam ser seguras, limpas, arejadas, havendo a separação dos réus conforme a natureza de seus crimes.
O Código Criminal de 1830 estabeleceu a pena de prisão com trabalho para vários crimes, implicando a construção de Casas de Correção com celas individuais e oficinas de trabalho e uma arquitetura própria para a pena de prisão. O café e a industrialização proporcionavam um estímulo cada vez maior para o crescimento populacional e também econômico do país, mas as casas de recolhimento de presos do início do século XIX mostravam condições deprimentes para o cumprimento da pena por parte do detento, inclusive local onde se recolhiam escravos, menores e loucos.
O Código Penal de 1890 estabeleceu novas modalidades de penas: prisão celular, banimento, reclusão, prisão com trabalho obrigatório, prisão disciplinar, interdição, suspeição e perda do emprego público e multa. O artigo 44 do Código considerava que não haveria penas perpétuas e coletivas. As penas restritivas de liberdade individual eram temporárias e não deveriam exceder trinta anos, eram elas: prisão celular, reclusão, prisão com trabalho obrigatório e prisão disciplinar.
A prisão celular, inspirada no modelo pensilvânico e de Roquete foi a grande novidade da revisão penal de 1890 e foi considerada punição moderna, base arquitetural de todas as penitenciárias.
No entanto, o aumento gradativo e constante da população carcerária confrontou-se com as limitações de espaço das prisões, inviabilizando o direito à cela individual.
A população carcerária brasileira atingiu a marca de 711.463 presos. Os números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a representantes dos tribunais de Justiça brasileiros levam em conta as 147.937 pessoas em prisão domiciliar, colocam o Brasil entre os três países com a maior população carcerária em números absolutos, segundo dados do ICPS, sigla em inglês para Centro Internacional de Estudos Prisionais, do King’s College, de Londres. As prisões domiciliares fizeram o Brasil ultrapassar a Rússia, que tem 676.400 presos.
As causas das superlotações dos presídios brasileiros têm as principais causas, os efeitos da lei antidrogas, o excesso de prisões provisórias, o uso de regime fechado mesmo quando há penas alternativas e as prisões não cumprem papel de ressocialização e fortalecem o crime.
2 DESENVOLVIMENTO
O ano de 2017 começou com o novo capítulo de uma antiga história. A morte de mais de 100 detentos chamou atenção para a guerra de facções criminosas dentro de presídios brasileiros e expôs a fragilidade do sistema penitenciário nacional.
Três episódios que aconteceram em 2017 denotam a crise nos presídios brasileiros. No dia 1º de janeiro, pelo menos 60 presos que cumpriam em Manaus (AM) foram mortos durante a rebelião que durou 17 horas. Na mesma semana, houve um tumulto em uma penitenciária em Roraima, onde 33 presos foram mortos. No dia 14, Rio Grande do Norte, pelo menos 26 presos foram mortos em rebelião na Penitenciária Estadual de Alcaçuz.
Após o ocorrido, cerca de 220 presos foram transferidos para outras penitenciárias. Estados como Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná também enfrentaram esse tipo de problema. No dia 24 de janeiro, mais de 200 detentos fugiram do Instituto Penal Agrícola em Bauru (SP).
O Brasil é o quarto país do mundo em número de presos e o único desses quatro em que o número só aumenta, tendo um aumento na população carcerária de 267,32% nos últimos quatorze anos, segundo dados divulgados pelo Ministério da Justiça e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), no relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen).
Além disso, o país excede a média mundial no que diz respeito ao número de presos por habitantes. Atualmente, temos 306 pessoas presas para cada 100 mil habitantes, enquanto no mundo a média é de 144 para cada 100 mil.
As causas das superlotações dos presídios brasileiros, os efeitos da lei antidrogas, o excesso de prisões provisórias, o uso de regime fechado mesmo quando há penas alternativas e as prisões não cumprem papel de ressocialização e fortalecem o crime.
Essa deterioração do sistema prisional, segundo o Depen, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e entidades da sociedade civil, tem relação com diversos fatores, que não se resumem apenas ao aumento da criminalidade. Várias ações do Estado brasileiro nos últimos anos explicariam em grande parte os problemas que estamos vivenciando hoje. Uma observação importante: estes não são os únicos fatores que levaram à crise atual; por si só, eles não explicam totalmente o problema.
Antes da sanção da nova Lei de Drogas, o país tinha 47 mil presos por tráfico de entorpecentes. Hoje, a cifra chegou a 138 mil – ou um a cada quatro presos. No caso das mulheres presas, a situação é ainda pior: 64% delas estão ligadas ao tráfico. O crescimento de detentos nesse período teria relação com a nova legislação.
A nova política de drogas adotada a partir de 2006 trouxe a distinção entre usuário e traficante. O usuário de drogas – que apenas utiliza substâncias ilícitas para seu próprio consumo, sem comercializar – passou a ser condenado a penas leves, como advertência, prestação de serviços comunitários ou medidas educativas. Já o traficante – aquele que pratica atividades relacionadas à produção, distribuição e comercialização das drogas – é condenado de 5 a 15 anos de prisão, mais multa de 500 a 1.500 reais. Na lei anterior, de 1978, ele era condenado de 3 a 15 anos, mas a pena mínima foi aumentada, a fim de evitar que a detenção fosse convertida em medidas alternativas (o que só ocorre quando a pena é inferior a 4 anos de prisão).
Se a nova lei reconhece que prender o usuário não é a melhor solução – o que teoricamente diminuiria a pressão no sistema carcerário – então como ela se relaciona com a piora da situação nas prisões? Segundo entidades ligadas à Rede Justiça Criminal, a grande questão é a subjetividade da lei. A diferença de usuário e traficante é definida pelo juiz, que analisa oito critérios diferentes, incluindo a “natureza” e a “quantidade da substância” que o suspeito carrega, bem como do contexto em que ele foi pego e seus antecedentes. Pequenas quantidades não necessariamente são interpretadas como sinal de que se trata de um usuário, porque isso poderia ser uma brecha na lei; os traficantes passariam a andar com pequenas quantidades de drogas por vez, e assim se livrariam da prisão.
Ocorre que muitas pessoas têm sido presas com pequena quantidade de drogas, baseadas apenas no relato do policial e sem contar com advogado no momento da prisão, situação bastante desfavorável ao acusado. Jovens de baixa escolaridade e socialmente vulneráveis são os mais aprisionados dessa forma. Isso aumenta a suspeita de que muitos dos traficantes que lotam as cadeias brasileiras seriam, na verdade, apenas usuários de drogas.
A prisão provisória tem sido usada mais como regra do que exceção – e que ela se tornou uma forma de antecipar a execução da pena. Tomar medidas para alterar esse quadro pode melhorar a situação do sistema, pois uma parte desses presos poderiam ser liberados. Uma forma de atenuar o problema é a audiência de custódia, em que o preso em flagrante tem acesso a um juiz em até 24 horas após a prisão. Esse juiz avalia o caso e decide se a continuidade da prisão é necessária. A adoção de audiências de custódia diminuiu o nível de prisões provisórias após flagrante para 53% na cidade de São Paulo, de acordo com o CNJ.
Vale notar que o número de presos provisórios brasileiros é semelhante ao déficit de vagas. Evidentemente, não é possível dar liberdade a todos os detentos nessa condição, mas a revisão desses casos poderia significar um alívio no problema.
O Poder Judiciário também possui parcela de responsabilidade na superlotação das cadeias. Além do grande contingente de presos provisórios, existe o problema das condenações a regime fechado sem necessidade. Em casos de condenações a menos de oito anos de reclusão, o condenado pode cumprir pena no regime semiaberto ou aberto desde o início, segundo o Código Penal. Enquanto 53% dos presos foram condenados nesses termos, apenas 18% cumprem pena em regimes mais brandos – a maior parte cumpre regime fechado, apesar das possibilidades dadas em lei. Também há milhares de casos de presos que continuam no regime fechado mesmo quando poderiam passar para o semiaberto, segundo dados do Depen.
Com cadeias precárias e superlotadas, é praticamente impossível pensar em políticas de ressocialização de presos no Brasil. Nesses ambientes insalubres, o crime organizado encontra espaço para se fortalecer e desenvolver suas atividades. É das cadeias que facções têm planejado e executado a venda e distribuição de drogas. As prisões também são oportunidades de aliciamento de novos traficantes. Para garantir sua própria sobrevivência, outros presos, menos perigosos, acabam se submetendo à hierarquia das gangues presentes nos presídios. Quando tais pessoas deixam o cárcere, voltam ainda piores para o convívio social. Esse diagnóstico é trazido por diferentes especialistas.
É preciso destacar que o Estado também falha em fornecer estrutura adequada nas penitenciárias, de forma que em muitos casos não ocorre separação adequada dos presidiários, nem atividades que visem à ressocialização do preso, como educação e cursos profissionalizantes.
Pensava-se que somente a detenção proporcionaria transformação aos indivíduos enclausurados. A ideia era que estes refizessem suas existências dentro da prisão para depois serem levados de volta à sociedade. Entretanto, percebeu-se o fracasso desse objetivo. Os índices de criminalidade e reincidência dos crimes não diminuíram e os presos em sua maioria não se transformavam. A prisão mostrou-se em sua realidade e em seus efeitos visíveis denunciadas como “grande fracasso da justiça penal”. (Foucault, 1987).
Nos últimos anos, observa-se em escala mundial a perda do ideal reabilitador das prisões, concomitante a um recrudescimento das políticas de segurança pública, o que resulta em ampliação da população presa e no abandono das medidas ditas ressocializadoras no interior dos sistemas penitenciários.
O Estado de São Paulo concentra metade da população encarcerada do país e, nos últimos anos, assistiu à escalada da superpopulação, desumanização e desgoverno das instituições penitenciárias. Nesse sentido, não é apenas pertinente, mas urgente a formação de um grupo de trabalho permanente sobre educação nas prisões, para reunir e potencializar os esforços de pessoas e instituições dedicadas à promoção dos direitos humanos das pessoas presas e dos direitos educativos.
De forma bastante singular, entretanto, a prisão, invariavelmente apresenta-se como a solução para o problema da criminalidade que ela própria contribui para sedimentar. Sempre acompanhada de planos de reformas, os quais, em seu bojo, reafirmam as máximas que constituíram a prisão desde seu surgimento.
O que justifica a existência capilar da prisão na sociedade, não obstante seu absoluto fracasso em combater a criminalidade, antes que suprimir as infrações, é distingui-las, distribuí-las e até utilizá-las:
Organizar as transgressões numa tática geral de sujeições (...) É uma maneira de gerir as ilegalidades, de riscar limites de tolerância, dar terreno a alguns, de fazer pressão sobre outros, de excluir uma parte, de tornar útil outra, de neutralizar estes, de tirar proveito daqueles (Foucault, 1986, p. 226).
A lenta formação do delinquente transparece na investigação biográfica, fator de extrema importância na história da penalidade, "porque faz existir o criminoso antes do crime" (Foucault, 1986, p. 211). A biografia marca o autor da transgressão com uma criminalidade que, portanto, exige as medidas da ação penitenciária. Nesse aspecto, confundem-se o discurso penal e psiquiátrico. No ponto de intersecção desses discursos, surge a noção de indivíduo perigoso, "que permite estabelecer uma rede de causalidade na escala de sua biografia inteira e um veredicto de punição - correção" (Foucault, 1986, p. 211).
Afora a perda da liberdade física (ou do direito de ir e vir), a prisão subjuga o detento ao comando de uma estrutura autoritária e de uma rígida rotina autocrática que opera como uma grande máquina impessoal. O controle sobre os indivíduos é exercido de forma ininterrupta, regulando-se de modo minucioso todos os momentos de sua vida. Com a nítida orientação de preservar a ordem, a disciplina, evitar fugas e motins, a organização penitenciária elege como forma eficaz submeter o recluso, cercear quaisquer possibilidades do exercício de sua autonomia (Thompson, 1976).
Ao adaptar sua conduta e comportamento às normas e padrões da instituição, o preso gradualmente passa a obter acesso a determinados bens ou prerrogativas na prisão. Certas necessidades, procedimentos ou vontades que na vida fora da prisão eram absolutamente corriqueiras, no interior dela adquirem a qualidade de privilégios: tomar um café quente, ir a algum lugar sem motivo aparente, faltar ao trabalho ou à aula, sair com um grupo ou outro de pessoas, dormir ou acordar em horários diferentes, etc.
Em contrapartida, essa adaptação tende à despersonalização do sujeito apenado - a mortificação de seu eu (Goffman, 1996). Quanto maior a intensidade do ajustamento ao sistema social da prisão, maiores as possibilidades de se alcançar os privilégios de que ela dispõe. Ao contrário, mostrar-se resistente acarreta ao indivíduo punido um maior rigor, severidade e endurecimento de seu regime.
No que concerne à administração penitenciária, o sistema de privilégios é vital para sua gestão, constituindo-se num dos sustentáculos de seu modelo organizacional. Em face da importância que esse sistema representa aos reclusos, inexoravelmente, ele se encerra como uma forma eficaz de controle da massa encarcerada. Comportamentos e condutas não desejáveis pela organização significam o impedimento em obtê-los. Tal controle tende a intensificar-se, pois, no interior das prisões, todas as esferas da vida do indivíduo interpenetram-se. Assim, ser recriminado ou avaliado negativamente em determinada atividade influencia e repercute nas demais, sendo toda sua conduta considerada como não adequada.
É a partir desse pressuposto que o indivíduo passa a organizar toda sua vida encarcerada. Mais que uma motivação, torna-se uma obsessão, que se materializa na inserção em atividades que permitem a remição de pena - trabalho penitenciário - ou nos programas que lhe atribuem a qualidade de uma boa conduta - caso da educação e cursos em geral, cultura, esportes e grupos terapêuticos. Manifesta-se também na sua forma de proceder e de relacionar-se com outros presos, funcionários, técnicos e dirigentes. "Se o preso demonstra um comportamento adequado aos padrões da prisão, automaticamente merece ser considerado como readaptado à vida livre" (Thompson, 1976, p. 42).
Nesse sentido, essa busca incessante de mostrar-se adequado aos padrões da prisão transforma-se em princípio e fim das ações dos encarcerados. Os objetivos que, pressupõe-se, deveriam ser inerentes às atividades, seja de educação, cultura, esportes, profissionalização ou terapêuticas, são declinados em favor dessa busca.
O sistema punitivo necessita de uma reorganização. Tem que se mudar os métodos arcaicos de tentativa de ressocialização, as penas alternativas têm que sair da ideia para prática, o corpo penal tem de fazer uma reciclagem, a realidade fática que se nos apresenta é diversa da pretendida na Lei Maior Brasileira (Constituição) e pela Legislação Penitenciária.
O modelo de sociedade em que hoje vivemos não valoriza a condição humana e por esse motivo acaba tornando-se também fato gerador de violência. A falta de percepção deste fenômeno social é campo fértil às ideias fáceis e bem acolhidas pela sociedade. Há os que defendem o endurecimento da lei e que colocam as ideologias humanistas e os defensores dos direitos humanos como elementos contrários ao combate da criminalidade. Acusam os organismos humanitários de desconsiderarem o lado da vítima, porém somente apresentam como proposta para atenuar o sofrimento dos vitimados a subjugação do ofensor.
As prisões que surgiram como forma de humanização das penas na verdade acabaram por se tornar um depósito de lixo humano. A pena continua a ser encarada por todos como mero ato de vingança. Muitos até entendem que a situação ideal seria torná-la até mais rigorosa.
Verificamos, assim, que a estrutura do sistema carcerário está voltada unicamente para o castigo, quanto aos direitos do preso descritos na Lei de Execuções Penais, de 1.984, e normativos como a Constituição Federal e demais tratados sobre direitos humanos são reiteradamente descumpridos. Há de se convir, entretanto, que não é nada inteligente manter uma pessoa presa por longo período, submetendo-a a toda espécie de desrespeito ao ser humano que é, para depois “libertá-la”, fazendo com que a sociedade experimente o resultado de sua criação. Algo deve ser feito, ainda no curso do cumprimento da pena, para tentar devolver a pessoa ao convívio social munida de valores que não a façam enveredar pelo caminho da reincidência.
Ao reiterar sistematicamente que os Direitos Humanos só servem para proteger bandidos, acaba por ser aceito como verdadeiro, quando, na realidade, é fruto de profunda ignorância e acarreta, em nosso meio, a fragilização de conquistas democráticas que a humanidade levou séculos para firmar. Na verdade, os Direitos Humanos existem para quem deles precisa, e, por não serem excludentes, acabam alcançando também àqueles que um dia os violaram. Os presos em nosso país são vítimas de incessantes afrontas aos Direitos Humanos. As condições de nossas cadeias e penitenciárias, já de todos conhecidas, transformam as penas privativas de liberdade em medidas de extrema crueldade. O grau de violência contra acusados de praticar um crime parece ser aceito socialmente ou mesmo encorajado. O conceito de Direitos Humanos é tido como forma de proteção a criminosos e a necessidade de acalmar a sensação generalizada de insegurança pública alimenta o desejo da população por medidas mais fortes e mais repressivas contra suspeitos de terem cometido crimes.
As regras mínimas da ONU sobre tratamento de presos soam como piada para nós. Os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, dos quais nosso País é signatário, são solenemente ignorados. Descumprimos, reiteradamente, a Lei de Execuções Penais em inúmeros dispositivos, com destaque, é óbvio, para os que dispõem sobre os direitos do preso.
Se acreditássemos que os rigores positivados da pena e da execução fossem instrumentos eficazes no combate à violência e à criminalidade, teríamos resolvido alguns de nossos mais terríveis problemas. Na verdade, a violência e a criminalidade são, na realidade, filhas das injustiças sociais.
É remota a ideia de que os presos não têm direito algum. O condenado é amaldiçoado e, sofrendo a pena, é objeto da máxima censura da coletividade, que o priva de toda a proteção do ordenamento jurídico que ousou violar. O criminoso é desprezível e vil, servo da pena, perde a paz e está fora do direito. É necessário entender que, por força da nossa ordem jurídica positivada, o encarcerado não perde a cidadania, é sujeito de direitos na execução. Ele é titular, ainda, de todo o rol de direitos fundamentais previstos na Constituição que sejam compatíveis com a situação em que se encontra. Qualquer medida restritiva de sua liberdade deve vir prevista em lei, ser proporcional à pena atribuída ou virtualmente projetada, preservando-se sempre a liberdade jurídica residual que não foi tocada pela sentença condenatória.
A perda ou restrição provisória da liberdade não acarretam a supressão de direitos fundamentais. O crime não retira do homem sua dignidade. O indivíduo, por mais vil que possa parecer, é sempre sujeito de direitos.
Apesar de a Constituição Federal prever no seu artigo 5º, inciso XLIX, do Capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais, que "é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral", o Estado continua fracassando nas prerrogativas mínimas de custódia. À incapacidade de gerenciamento do Estado some-se a incompetência do modelo prisional vigente para a recuperação dos presos. O resultado desta mistura é um local onde não existem as mínimas condições de respeito aos direitos humanos. E sem respeito à pessoa humana, como a garantia da dignidade e da integridade física, o que se produz a cada dia são pessoas desprovidas de humanidade.
O preso não só tem deveres a cumprir, mas é sujeito de direitos, que devem ser reconhecidos e amparados pelo Estado. O recluso não está fora do direito, pois se encontra numa relação jurídica em face do Estado, e, exceto os direitos perdidos e limitados a sua condenação, sua condição jurídica é igual à das pessoas não condenadas.
Denota-se que muito embora tenhamos em nosso ordenamento pátrio dispositivo legal que visa garantir a integridade física do condenado e o respeito à sua dignidade humana, infelizmente parecem estarem esquecidos. Falta na realidade, vontade política e seriedade na administração pública com atitudes sérias, a fim de mudar a situação caótica que chegou hoje nosso sistema prisional, porém, há que se ter em mente que somente teremos solução quando nossos planos de segurança forem planejados com serenidade e não no calor de crises visando apenas saciar os anseios da sociedade.
A verdade é que apenas se tem procurado oferecer soluções para os efeitos, esquecendo-se que o problema está a exigir remédios heroicos para as causas. Se atacarmos os efeitos, as causas persistirão e as consequências crescerão numa razão geométrica.
Tendo a pena privativa de liberdade o objetivo não apenas de afastar o criminoso da sociedade, mas, sobretudo, de excluí-lo com a finalidade de ressocializá-lo, note-se que a pena de prisão atinge o objetivo exatamente inverso: ao adentrar no presídio, o apenado assume o seu papel social de um ser marginalizado, adquirindo as atitudes de um preso habitual e desenvolvendo cada vez mais a tendência criminosa, ao invés de anulá-la.
É preciso a transformação do sistema para que a reforma do condenado seja propiciada por instrumentos como a educação e o trabalho, de modo a dar-lhe condições de levar uma vida digna quando sair do estabelecimento prisional, e evitar que o cárcere seja mais penoso do que deve ser.
A intenção, então, é buscar alternativas para sancionar os criminosos, que não os isolar socialmente. Isto porque a pena de prisão determina a perda da liberdade e da igualdade, que derivam da dignidade humana. E a perda dos direitos fundamentais de liberdade e igualdade representa a degradação da pessoa humana, assim como a tortura e o tratamento desumano, que hoje são expressamente proibidos pela Constituição Federal.
Por mais que se pretenda que a pena privativa de liberdade deva preparar o sujeito para a vida livre, o certo é que propicia a formação de uma sociedade antinatural, na qual o sujeito carece das motivações da sociedade livre, adquirindo características rudes e primitivas, que costumam persistir após a recuperação da liberdade, e, que ao entrar em conflito com a sociedade livre, têm a oportunidade de manifestar-se.
A ideia dos direitos do preso tem origem bem recente. Decorre da consequência lógica de se considerar a privação de liberdade como uma medida extremada, cujos limites devem ser estabelecidos, e que, em definitivo, é reforçado pela comprovação de que é um mal, para o qual ainda não se encontrou substituto, e, nem mesmo parece existirem esforços sérios para reduzi-lo, pelo menos em nosso país.
Nossa Lei de Execução Penal não passa de uma "carta de intenção".
A falta de infraestrutura e o total descaso dos nossos governantes tem contribuído de forma significativa para a transformação das penitenciárias brasileiras em verdadeiras "escolas do crime". Se por um lado, os maus tratos, as celas lotadas, as condições precárias, a falta de alimentação adequada e o meio insalubre trazem o arrependimento do preso pelo crime cometido, por outro, também trazem a revolta.
Além disso, a falta de um acompanhamento psiquiátrico e a não utilização de atividades intelectuais e esportivas acabam por arruinar a integridade física e moral do apenado, propiciando dessa forma ao cultivo de pensamentos perversos e banais, não contribuindo de forma alguma a sua reabilitação, pelo contrário, prejudicando-o ainda mais.
Como se não bastasse, quando o delinquente readquire a liberdade, depara-se com os obstáculos impostos por uma sociedade preconceituosa e excludente que não consegue enxergá-lo como um indivíduo normal (isso no caso de ele ter sido realmente recuperado), aplicando-lhe outras sanções igualmente severas, que é a falta de oportunidade no mercado de trabalho, o desemprego, a falta de cidadania básica, etc. Diante do exposto, a única alternativa é voltar a cometer os mesmos crimes, a fim de que possa sobreviver.
Em 1991, O Instituto da UNESCO para a Educação (IUE), lançou um projeto para investigar e promover a educação nas prisões tendo como público alvo os adultos sentenciados e encarcerados. Umas das metas do projeto consistia em contribuir para o desenvolvimento do potencial humano que se restringia devido às desvantagens sociais. Os objetivos principais do projeto eram identificar estratégias bem sucedidas da educação básica nos contextos prisionais, de modo a dar a elas visibilidade, condições de refinamento e replicabilidade.
O relatório da UNESCO (1993: p. 60) indica que os prisioneiros são geralmente jovens, entre 18 a 25 anos. A maioria é constituída por homens, e a presença feminina nas prisões varia entre 2% e 7% da população total prisional. A mulher é uma minoria na prisão, tanto em número quanto em visibilidade. As recomendações de estudos prisionais indicam a necessidade de não continuar ignorando s necessidades de perfil prisional das mulheres apenadas. Em muitos momentos, as dificuldades das mulheres são as mesmas dos homens (o ambiente, o sistema, a superpopulação, etc.), entretanto existem questões específicas que precisam ser observadas (a situação dos filhos, a gravidez, o emocional, as necessidades, as habilidades, etc).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já afirmamos, esta não é uma lista exaustiva dos fatores que levaram à crise penitenciária brasileira. A solução para o quadro lastimável do sistema carcerárias envolve também resolver outras questões, como a melhoria da educação básica e o desmantelamento do crime organizado. Porém, o alívio da superlotação das prisões e políticas efetivas de ressocialização depende também da resolução das questões apresentadas.
Uma antiga máxima popular diz que “mente vazia é a oficina do diabo”. Este provérbio não poderia ser mais adequado quando se trata da vida carcerária. O indivíduo privado de sua liberdade e que não encontra ocupação, entra num estado mental onde sua única perspectiva é fugir. O homem nasceu para ser livre, não faz parte de sua natureza permanecer enjaulado. Algumas raríssimas cadeias ainda oferecem certas condições que superam a qualidade de vida do preso se estivesse do lado de fora. Ainda assim, o sentimento de liberdade sempre é maior e mesmo estas cadeias acabam vivenciando rebeliões de fuga. Preso que não ocupa seu dia, principalmente sua mente, é um maquinador de ideias, a maioria delas, ruins. O presídio é um sistema fechado onde o encarcerado é obrigado a conviver, permanentemente, com outros indivíduos, alguns de índole igual, melhor ou pior. Nem sempre há cordialidade e animosidade é algo comum, gerando um eterno clima de medo e preocupação constantes, pois o preso nunca sabe se “o seu dia vai chegar”. Grande parte desta angústia vivida pelo presidiário advém da falta de ocupação, de uma atividade que ocupe seu tempo, distraia sua atenção e que o motive a esperar um amanhã melhor. A ideia de todo presidiário é que sua vida acabou dentro das paredes da cadeia e que não lhe resta mais nada. Amparo psicológico é fundamental, pois nenhum ser humano vive sem motivação. Presídio sem ocupação se torna uma escola “às avessas”: uma formadora de criminosos mais perigosos.
A grande maioria dos indivíduos presos não tiveram melhores oportunidades ao longo de suas vidas, principalmente a chance de estudar para garantir um futuro melhor. Nesse sentido, o tempo que despenderá atrás das grades pode e deve ser utilizado para lhe garantir estas oportunidades que nunca teve, por meio de estudo e, paralelamente, de trabalho profissionalizante.
4 REFERÊNCIAS
Constituição da República Federativa do Brasil: (1995). Promulgada em 5 de outubro de 1988. 26 Edição atualizada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2007.
FOUCAULT, M. (1979). Microfísica do poder. Trad. de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal.
______Vigiar e punir: (1998). Nascimento da prisão. Trad. de Raquel Ramalhete. 18., Petrópolis: Vozes.
_________________. História da Loucura. (2001). São Paulo: Editora Perspectiva. Ciências da cognição. Florianópolis: Insular.
GADOTTI, M. (1984). A educação contra a educação: o esquecimento da educação e a educação permanente. 3., Rio de Janeiro: Paz e Terra.
______ História das ideias pedagógicas. (1998). 6., São Paulo: Ática.
GOFFMAN, ERVING. (1961). Manicômios, Prisões e Conventos. São Paulo: Editora Perspectiva.
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http://www.cnj.jus.br/
http://www.ilanud.org.br/comunicacao/noticias/relator-da-onu-divulga-informe-sobre-educacao-nas-prisoes/
http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal
http://www.mj.gov.br/depen/data/Pages/MJDA8C1EA2ITEMID0A92E04549BC444EBF4358C793E9539APTBRIE.htm
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NOVO, Benigno Núñez - Advogado, doutor em direito internacional pela Universidad Autónoma de Asunción.
Publicado por: Benigno Núñez Novo
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