Novo canal do Brasil Escola no
WhatsApp!
Siga agora!
Whatsapp

O racismo, o preconceito e a discriminação no cotidiano

Clique e confira um relato acerca do racismo, preconceito e discriminação presentes no cotidiano.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Ainda estudante do ensino médio concomitante em Administração, ouvi  palavras de desânimo, tais como: você é louca de estudar em uma escola tão longe e, ainda estudar integralmente, para quê, tanto esforço, se não vai chegar a lugar algum com isso?

Nessa escola, fui discriminada assim como muitos outros, por ser moradora da Baixada Fluminense, e por estar no mesmo ambiente que a galera esnobe da zonal sul e zona oeste , carioca. Era chamada de feia, mal cuidada, quem morava mal , neguinha do morro, a neguinha metida a entendida no mundo das letras.

Terminei o ensino médio, consegui um emprego, em uma empresa de clipping. Empresa esta, composta  na sua maioria, por funcionários dotados do nível superior.   

Após algumas tentativas, consegui passar no vestibular para a graduação  em  Direito, e logo ingressei, extremamente feliz pela conquista, por ter consigo uma bolsa integral, tendo em vista, que eu não tenho condições de custear as mensalidades.

Em uma das inúmeras conversas sobre profissão na empresa, uma cidadã racista e preconceituosa, ao saber  da minha iniciação em Direito, tentou injetar-me algumas doses de desânimo, quando disse: Você vai fazer faculdade e não vai adiantar nada! Eu fiz e de nada adiantou, ganho o mesmo que você. As coisas para o pobre é difícil, você mora longe, não tem como pagar. Eu respirei fundo, indignada e respondi: Eu, sou uma pessoa e você, é outra. Não tenho culpa pelo o seu fracasso.

Na faculdade, minha inteligência e capacidade foram subestimadas, e percebi isso, no tratamento diferenciado dos outros alunos, nos olhares, nos gestos e comportamentos. Só consegui perceber uma singela mudança, quando saiu o resultado das provas e eu estava muito bem com as minhas notas altas. Aí, comecei a perceber a babação de alguns, que achando que me adoçando, poderiam trocar informações, receber cola nas provas, fazer trabalhos comigo, ou seja, o meu conhecimento, ainda que pouco , o fez mudarem  de ideia, só que daí em diante, quem não queria ideia, era eu.

Após esse ocorrido, fui parada no metrô, por um colega de turma, que teve a ousadia de me dizer, que, só tiro notas altas porque sou bolsista! E na hora retruquei, dizendo que, tudo o que faço em minha vida, é com um objetivo, é com responsabilidade, seja de “graça” ou não. E com isso, ele pediu desculpas, esfarrapadamente.

Uns meses depois, esse mesmo colega, junto a outros dois, da mesma turma, proferiram ataques racistas a um outro colega de turma, africano e bolsista, dizendo que, ele abusou de ser preto, que ele abusou de ser feio, e o que aquele macaco preto pra caramba estava fazendo na faculdade. Eu, inconformada, e surpresa, disse a eles que eles são racistas e os três negaram , alegando que tem amigos e colegas negros, assim como eu também. Que não tem nada contra o rapaz, mas que de fato ele é feio à beça.

A sensação naquele momento, foi de inutilidade, eu nem sequer gravei tais absurdos, por não esperar ouvir tanta asneira, e com isso, fiquei sem provas, pois, caso tivesse prova material, levaria o caso ao s superiores e tomaria as decisões cabíveis, pois me senti humilhada, massacrada, diminuída, ainda que, as ofensas racistas não tenham sido diretamente para a minha pessoa, me atingiu também, mexeram com um irmão meu, e o pior, eu não pude defender. Depois do ocorrido, passaram-se duas semanas e ouvi o trio afirmando que o africano merece respeito, por ser bolsista em Direito em uma faculdade pública e ser bolsista em Literatura em uma Universidade federal.

Já perdi vagas de emprego, sem ao menos ser entrevistada, ainda que atendendo a todos os requisitos solicitados pela contratante, e curiosamente, nessas ocasiões eu era a única negra, na sala de espera.

Fui vigiada e seguida, dentro de lojas, e ao observar se as demais pessoas, também estavam sendo seguidas pelo segurança, percebia que era somente eu, e dali em diante, entendia tudo.

Entrei em diversas lojas de roupa e não fui atendida, pedi informação dentro da mesma e não fui respondida, além de quando conseguia ser recepcionada por alguém, ser recebida com olhares de nojo, desdém, ou de “você não tem dinheiro para pagar.”

Acho um absurdo, um insulto, ter que dividir o mesmo espaço, com pessoas tão pequenas, tão vazias de si mesmas, que para se sentir alguém, precisam ofender a outrem. Estou cansada de ser obrigada a provar meu potencial e  minha capacidade, para adquirir uma espécie de respeito em meio a essa sociedade racista, preconceituosa, capitalista e empobrecida de personalidade.

O caráter não tem cor, não tem forma! Você tem, ou você não tem. E isso independe da cor da pele.

Não sou obrigada a receber o racismo, ou qualquer outro tipo de discriminação em minha vida e na vida dos meus semelhantes. O povo negro merece respeito! O que se pede não é esmola, não é favor, não é migalhas!

O que se pede é justiça, igualdade, democracia de fato, empoderamento do povo negro, a reparação de um acontecimento histórico, em que  milhões de negros foram escravizados, maltratados e mortos, por pessoas vazias e medíocres, que se colocaram na posição de superiores, por se depararem com seres humanos diferentes, que deixaram feridas abertas até hoje, mas que acredito, que um dia fechará.

Através da minha voz, da minha escrita, expresso a vontade de muitos outros irmãos, e reivindico o exercício dos direitos constitucionais, já positivados, a oportunidade de crescimento e desenvolvimento, a liberdade de locomoção, a liberdade de pensamento, de expressão, a liberdade do culto e religião, tendo em vista que , as religiões de matrizes africanas, é um patrimônio cultural histórico do povo negro, que está sendo violada constantemente. Tais direitos, encontra-se  somente escritos, que se do papel não saírem, quase nada se faz.

Tenho muito orgulho de ser pobre, por ter nariz grande, cabelo crespo, ser a mais velha de seis irmãos, morar em casa humilde, de já ter divido várias vezes, uma quentinha com uma amiga, por não ter dinheiro para alimentação no estágio, tenho orgulho da minha educação, pois foi graças a ela que sempre entrei e sai dos lugares de cabeça erguida.

Tenho orgulho de ter batalhado para estar onde estou hoje, e só Deus e os meus guias espirituais, sabem o que passei para conquistar o que tenho .

Nunca passei fome, mas os dias já se apresentaram de formas bem difíceis e eu sempre tive fé e sigo com o meu objetivo, que é ocupar espaços, empoderar, lutar pelo o meu povo, obter oportunidades através do meu estudo e do meu conhecimento.

Tesouros estes, que ninguém jamais poderá se apoderar.

* Autora: Amanda Martins, 23 anos, negra, estudante de Direito na  Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio, militante, membro do Coletivo Justiça Negra-Luiz Gama, membro do Núcleo de Pesquisas Brasil/Chile da Faculdade Presbiteriana Mackenzie.


Publicado por: Amanda Martins Cruz de Mattos

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.