Vergonha alheia
A culpa não é do Brasil, a culpa não é nossa, quem deve se envergonhar são os responsáveis pelos descalabros.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
É comum nos sentirmos constrangidos quando presenciamos alguém que nem conhecemos passar por situação embaraçosa. Não fomos nós que esquecemos a letra da canção, maltratamos o garçom ou derramamos vinho nos outros, mas é quase como se tivéssemos sido.
Isso depõe a nosso favor como espécie, guardamos ainda uma solidariedade instintiva que deve ter sido fundamental para a sobrevivência. As grandes manifestações de massa o demonstram, concertos musicais, jogos desportivos, comícios, comemorações, tudo que seja a catarse dos sentimentos das multidões, e faça as pessoas se sentirem “uma só”.
Nosso país passa por um de seus momentos mais tristes e embaraçosos, como se tudo que sempre foi afirmado acerca de relações espúrias entre políticos e grandes empresários estivesse se provando agora; como a lama de uma barragem que se rompe e não pode ser contida.
Além de indignados, apreensivos, e até perplexos, ficamos profundamente envergonhados. Nós, a imensa maioria dos cidadãos deste país, não cometemos um só dos crimes de que se fala, não recebemos um único centavo das quantias nababescas que circularam e circulam em malas e depósitos secretos, sustentamos nossas famílias e pagamos nossas contas com o produto de nosso trabalho. E no entanto temos vergonha, já circulam nas redes sociais comentários exagerados sobre a vontade de emigrar, de negar a própria cidadania.
A culpa não é do Brasil, a culpa não é nossa, quem deve se envergonhar são os responsáveis pelos descalabros. A parte da responsabilidade que nos cabe é ter concedido mandatos e privilégios a essas pessoas para que administrassem, legislassem, fiscalizassem, julgassem, premiassem, punissem em nosso nome; e não ter tido acesso, tempo ou interesse em acompanhar como o faziam, e se o faziam.
O dinheiro da corrupção tem dois destinos principais: o enriquecimento pessoal e as chamadas despesas de campanha, o primeiro está na esfera do roubo simplesmente, os desvios para as tais campanhas – que são roubo também – são justificados candidamente como “declarados à justiça eleitoral” como se esta tivesse poder ou atribuição de lavar dinheiro, e são incluídos em um baú mágico chamado “caixa dois”. Qualquer pequeno empresário flagrado praticando contabilidade paralela será processado, multado e talvez até preso; a partir de que conteúdo a “caixa” passa a ser grande demais para ensejar punição?
A Democracia representativa, os Poderes independentes entre si, a imprensa livre e atenta, os cidadãos conscientes; tudo isso constitui o arcabouço necessário de um país civilizado, do país que queremos e merecemos. E é longo o caminho para chegar a ele, começaria pela reforma do sistema eleitoral que permite, e aparentemente até estimula, campanhas eleitorais cada vez mais caras e desligadas da realidade, populismos vários com promessas mirabolantes e inexequíveis, transações tenebrosas com apoios partidários e tempos de TV.
Temos o sentimento de ter sido traídos. Os mais velhos vivemos tempos difíceis de ditadura e de transição para a democracia, seguimos como pudemos as histórias dos que lutaram e até morreram por isso, cultuamos heróis entre os que resistiram ao arbítrio e à censura, admiramos os que mantiveram a fé e o propósito nas prisões e nos exílios, testemunhamos as agruras de uma moeda volátil e a vitória de sua estabilização.
E agora nos sentimos traídos, tanto pelos que diziam pugnar pela liberdade e justiça social quanto pelos que se declaravam arautos da modernidade, e que trocaram liberdade, justiça social e modernidade por um prato de lentilhas, alguns bens suntuários e a ilusão do poder eterno.
Não. A vergonha não deve ser nossa, é deles.
Por Wanda Camargo – educadora e assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil – UniBrasil.
Publicado por: Wanda Camargo
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