Preso tem direitos?
Desde o momento que ao acusado é dada voz de prisão, em seu favor passa a prevalecer o direito constitucional de ter respeitada sua integridade, em conformidade com o disposto no art. 5º, XLIX: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
O indivíduo que está encarcerado por haver cometido um ato definido pela lei como crime, além da repulsa social que imediatamente lhe é imposta, do sofrimento familiar que é acarretado – a família sempre sofre – e das conseqüenciais judiciais que a atitude pode gerar, a primeira pena que lhe advém, mesmo que mais tarde seja inocentado e libertado, é ser privado de sua liberdade.
No cárcere, convicto ou não de sua falta de culpa, passa a receber o tratamento que todos conhecem: ofensa è sua integridade física, compartilhamento do cubículo com todos os tipos de presos, grave ameaça à saúde pela insalubridade da cela, total falta de higiene e precariedade no recebimento de alimentação, dentre muitos outros fatores que se tornaram práticas cotidianas no sistema prisional brasileiro.
Tais referências, adiante-se, dizem respeito ao preso em delegacia, unidade esta da polícia judiciária que tem, em meio a outras finalidades, a detenção temporária ou custódia de suspeitos e presos em flagrante delito. O que é analisado aqui não envolve, pois, o preso recluso em penitenciária e o detido em estabelecimento prisional agrícola e albergue.
Pois bem, uma vez preso, encaminhado à delegacia e recolhido à cela, logo passa a prevalecer um direito maior, que exsurge da sua própria condição humana, subjetiva, que é o direito de defender-se provando sua inocência. Isto porque contradizer a imputação criminal que lhe é feita constitui uma intangível defesa da liberdade como o bem maior de todos os bens jurídicos da pessoa humana, corroborada que é pelo princípio da presunção da inocência, pois toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. É este o sentido da norma constitucional prevista no art. 5º, inciso LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Desde o momento que ao acusado é dada voz de prisão, em seu favor passa a prevalecer o direito constitucional de ter respeitada sua integridade, em conformidade com o disposto no art. 5º, XLIX: “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) também institui que “Impõe-se a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios” (art. 40). Contudo, se por um lado o indivíduo é preso por um fato tipificado em lei, por outro lado está mesma lei (quiçá a mais importante, que é a constitucional) muitas vezes não é respeitada nem no momento da prisão e muito menos dentro das delegacias, demonstrado que está todos os tipos de agressões sofridas pelos detidos.
Em consonância com a salvaguarda da integridade do preso, as autoridades e agentes policiais terão ainda de observar que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (CF, art. 5º, III). Isto deveria significar, por exemplo, que nenhum preso deveria ser submetido a intimidações, ameaças ou à violência física para assumir a prática de um crime ou informar o nome de outras pessoas supostamente envolvidas. Ademais, a não observância da integridade como condicionante do respeito à dignidade da pessoa humana, poderá eivar de nulidade todos os atos do inquérito policial, se provado for que os elementos probatórios ali contidos foram forjados no interrogatório, por meio de constrangimentos, violências ou ameaças.
A Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, ainda prevê alguns direitos referentes aos presos que exigem observância no âmbito processual. Assim, “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada” (LXII); “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado” (LXIII); “o preso terá direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial” (LXIV); “a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária” (LXV); “ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. A inobservância de tais aspectos terá por conseqüência o surgimento de outro direito para o preso, que é o de, através de advogado, impetrar pedido de habeas corpus (garantia constitucional para assegurar o direito à liberdade de locomoção) perante a autoridade judiciária competente.
Contudo, quando a norma constitucional diz que ao preso é assegurada assistência através de advogado, logicamente que está remetendo a defesa aos advogados estatais, que são os defensores públicos. Não poderia ser diferente, pois as famílias que podem prontamente constituir advogado não iriam esperar, ou desesperar, que algum defensor venha em socorro do acusado. É falácia dizer que o preso tem, constitucionalmente, assegurada sua defesa, simplesmente porque isso não ocorre, não há preocupação alguma com relação a isso. Mas não por falta de conhecimento da Defensoria Pública, pois no § 1º do art. 306, do Código de Processo Penal (acrescentado pela Lei nº 11.449/2007) consta que: “Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.” (grifo nosso)
No aspecto propriamente processual, até vinte e quatro horas após ser preso, o acusado terá direito que lhe seja entregue a nota de culpa. Esta consiste em um documento onde a autoridade policial dá ciência ao acusado dos motivos pelos quais ele foi preso, do nome do condutor que o trouxe à delegacia bem como do nome das testemunhas.
A negligência da autoridade policial que, nos termos do art. 306 do CPP, não expede a nota de culpa, torna-se um “prato cheio” para a defesa do acusado. Isto porque a nota de culpa é uma formalidade essencial, e o seu não cumprimento enseja liberação imediata do preso por defeito formal da prisão ou o requerimento ao juiz criminal do relaxamento da prisão em flagrante, por inobservância de um dos pressupostos materiais.
Consciente de sua inocência, é direito do acusado requerer à autoridade policial que cumpra a ordem constante do inciso 9º do art. 6º do CPP. Com efeito, diz o precitado dispositivo que logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter. Isto é importante porque, diante de determinadas circunstâncias, a autoridade policial poderá deixar de lavrar o auto infracional, liberando o indivíduo, ou mesmo fazendo com que este responda em liberdade.
Sendo o preso acusado de praticar infração a qual não seja cominada pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção), ou seja, que a pena para o ilícito seja de prisão simples (infrações de menor potencial ofensivo ou contravenções, que possam gerar pena de multa, pena alternativa, pena restritiva de direitos etc.), terá o direito de responder a acusação em liberdade, independentemente do pagamento de fiança, devendo a autoridade policial, logo após a lavratura do auto, colocá-lo em liberdade. Do mesmo modo ocorre quando a pena cominada para a infração não exceda a três meses. Neste sentido é o teor do inciso LXVI, do art. 5º, da CF: “ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.
Nos casos previstos em lei, o arbitramento de fiança para que o acusado se defenda em liberdade é outro direito que deve ser assegurado pela autoridade policial ou pelo juiz, no caso do primeiro se negar a arbitrar ou nos demais casos do art. 323 do CPP.
Contudo, como regra geral tem-se que só haverá cabimento de fiança na infração punida com detenção ou prisão simples não superior a dois anos. Ademais, o valor arbitrado para o pagamento da fiança deve ser compatível com a situação econômica do afiançado.
Sintetizando as disposições processuais acerca da concessão da liberdade ao acusado, tem-se que: a) Quem pratica infração penal punida com pena privativa de liberdade não superior a três meses, deve ser imediatamente solto, sem qualquer obrigação processual; b) No Juizado Especial Criminal, mesmo que a pena seja superior a três meses, mas não exceda a um ano de privação de liberdade, o acusado assinará apenas o compromisso de comparecer em juízo quando solicitado; c) Quem pratica infração penal punida com pena mínima privativa de liberdade inferior ou igual a dois anos poderá ser posto em liberdade provisória mediante o pagamento de fiança, arbitrada quer pela própria autoridade policial (somente em relação a crimes punidos com pena de detenção), quer pela autoridade judiciária; d) nos crimes com pena mínima superior a dois anos não é cabível a fiança, o que não obsta a colocação do infrator em liberdade provisória pelo juiz, mediante o simples compromisso de comparecer aos futuros atos processuais, desde que ausente motivo para a prisão preventiva ou presente causa excludente de criminalidade.
Muitas vezes alguns delegados se fazem de esquecidos, mas é preciso que o indivíduo que está preso em virtude de flagrante saiba que o prazo para que o inquérito seja concluído é de dez dias. Tal prazo é fatal e se a peça processual não for concluída nesse lapso temporal, o acusado terá o direito de impetrar ordem de habeas corpus, nos termos do art. 648, II, do CPP. Caso o indiciado esteja solto, tal prazo passa a ser de trinta dias, podendo ser prorrogado pela autoridade judiciária a requerimento do delegado.
Como observado, pequenas nuances podem fazer a diferença entre a liberdade e a prisão. Certamente a maioria dos indivíduos que são presos desconhece totalmente tais preceitos constitucionais e penais que, no primeiro momento, caracterizam-se como direitos que devem ser assegurados a qualquer custo, principalmente porque o indivíduo não estará inventando nada, mas apenas socorrendo-se das prerrogativas da lei, sob pena de permitir que continuem prevalecendo as prisões arbitrárias, o total desrespeito aos direitos humanos (integridade física e dignidade, principalmente) e de ser jogado nesses antros putrefatos que são as cadeias. Porém, como lições de segurança e precaução, as famílias devem conhecer tais norteamentos básicos se tiverem que enfrentar as armadilhas da vida e da fragilidade humana. Deus permita que não.
Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
Publicado por: Rangel Alves da Costa
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