O (não) cabimento de recurso de agravo de instrumento em face de decisão proferida em audiência de conciliação
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RESUMO
O presente artigo visa arejar a discussão acerca do possível cabimento do recurso de agravo de instrumento contra decisão proferida especificamente na seara da audiência de conciliação, discutindo posteriormente as argumentações que sustentam ambas alternativas de interposição do remédio processual em questão.
Palavras-chave: Agravo de Instrumento. Audiência de Conciliação. Lesão. Cabimento.
1 INTRODUÇÃO
Na clássica definição de Barbosa Moreira, importante doutrinador processualista, recurso é o “remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna” (2003, p. 233). Na realidade processualista, o recurso se diferencia das ações autônomas de impugnação por prolongar o estado de litispendência, não instaurando processo novo. Sendo o recurso “aspecto, elemento, modalidade ou extensão do próprio direito de ação exercido no processo” (MOREIRA, p. 236), mister será agregar ao mesmo as noções de insatisfação da parte perante a decisão proferida pelo Estado-juiz, o princípio do duplo grau de jurisdição, entre outros.
As decisões judiciais se dividem em despachos, decisões interlocutórias e sentenças stricto sensu. As últimas são definidas pela doutrina majoritária como o provimento judicial que põe termo ao ofício de julgar do magistrado, resolvendo ou não objeto do processo, enquanto as decisões interlocutórias no mesmo sentido resolvem questão incidente durante o processo, mas não o objeto, ao mesmo que os despachos meramente dão impulso ao processo. (CÂMARA, 2007, 446).
O presente artigo focará no tratamento concedido às impugnações das decisões interlocutórias no procedimento de conciliação. Estas decisões são pronunciamentos judiciais definidos no art. 162, § 2º do Código de Processo Civil brasileiro, e das quais o recurso cabível, pelo princípio da taxatividade, será o agravo nas modalidades retida ou de instrumento. Posteriormente, discute-se as implicações do suposto cabimento de tal recurso em audiências de conciliação e o reflexo em institutos processuais como o contraditório e a ampla defesa.
2 O RECURSO DE AGRAVO RETIDO E DE INSTRUMENTO
O recurso de agravo foi previsto pela primeira vez no Código de Processo Civil de 1973 como o remédio cabível contra qualquer decisão interlocutória, sendo este agravo, na realidade, o agravo de instrumento o qual possuiria outra modalidade, sendo esta o agravo retido. Com a Lei nº 9.139/95, o recurso de agravo sofreu grandes modificações, nomeando o agravo de instrumento com a designação genérica de agravo. A partir disso, passou-se a conhecer que o recurso seria um só: o agravo, podendo ele ser interposto sob as modalidades de agravo retido, agravo de instrumento ou apenas agravo. (DIDIER JR., 2012, p. 147).
Nelson Luiz Pinto argumenta que será somente agravo:
“[...] quando interposto imediatamente nos mesmos autos em que a decisão recorrida foi proferida, sendo desnecessária a formação do instrumento, por já se encontrarem os autos no tribunal onde deverá ser apreciado o mérito do recurso, como no caso do agravo regimental.” (PINTO, 2001, p. 127-128)
Como regra geral, o agravo deverá ser interposto na forma retida, sendo o agravo de instrumento admissível somente “quando da decisão interlocutória recorrida puder advir dano grave de difícil (ou impossível) reparação, ou nos casos de decisão que não recebe a apelação ou que declara os efeitos em que esta é recebida.” (CÂMARA, 2007, p. 102). O agravo retido recebe tal denominação por ficar mantido nos autos após sua interposição somente devendo ser processado e julgado pelo tribunal:
[...] caso não haja retratação imediata do juízo de primeiro grau e desde que a parte o reitere para que o tribunal, quando do eventual julgamento da apelação, dele conheça (CPC, art. 523). Significa que não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou contrarrazões da apelação, sua apreciação pelo tribunal (CPC, art. 523, §1º). (DIDIER JR., 2012, p. 148)
O agravo retido será interposto oralmente contra decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento, como especifica o §3º do art. 523 do CPC, devendo as razões recursais constar do próprio termo de audiência. Didier comenta a possibilidade desse regime também ser aplicado em audiência preliminar prestigiando-se a oralidade e celeridade. (DIDIER JR., 2012, p. 149).
A interposição de agravo retido ou de instrumento era escolha que cabia ao agravante optar antes da mudança do CPC em 2005, que acabou por encerrar essa possibilidade. Criaram-se três critérios básicos para a verificação de qual será o agravo cabível contra as decisões interlocutórias em primeira instância:
a) verificar a existência de urgência; b) verificar as situações em que a lei, a despeito da existência ou não de urgência, determina que o recurso seja o agravo de instrumento; c) verificar a compatibilidade do agravo retido com a situação em concreto. (DIDIER JR., 2012, p. 155)
Caso a decisão agravada possa produzir dano ao recorrente, em outros termos, “se a eficácia imediata da decisão for perigosa podendo causar dano à parte” (DIDIER JR., 2012, p. 155-156), só será cabível o agravo de instrumento. Caso não ocorra lesão ou prejuízo, o agravo deverá ser retido. Sobre essa diferenciação, citado doutrinador explicita que não há interesse recursal na interposição de agravo retido em situações de urgência, pois “o critério não é cronológico, é circunstancial: está relacionado com a aptidão da decisão interlocutória para gerar danos.” (DIDIER JR., 2012, p. 157). Posteriormente, o mesmo esmiúça:
A “lesão grave ou de difícil reparação” constitui um conceito vago ou indeterminado, devendo ser definido pelas peculiaridades do caso concreto. A referência a lesão grave ou de difícil reparação conduz à idéia de urgência, de sorte que as decisões que concedam ou neguem pedido de liminar ou tutela antecipada encartam-se perfeitamente na hipótese legal. (DIDIER JR., 2012, p. 157)
3 AUDIÊNCIA PRELIMINAR OU CONCILIAÇÃO
A lei processual civil de termina a possibilidade de realização de audiência preliminar, devendo o juiz nesta oportunidade abrir opção às partes para que haja conciliação entre elas. Não se efetivando a conciliação a conciliação entre as partes este juiz deverá proceder com os demais procedimentos saneadores do processo, é o que se vê nos artigos 331 do CPC.
“A audiência inicial foi denominada pela lei processual de tentativa de conciliação, mas esse nome é impróprio, por que nela se realizam atos processuais que vão muito além de uma tentativa de acordo, podendo haver em determinados casos até sentença.” (GONÇALVES, 2012) há de se notar que pela redação legal o juiz deve primeiramente efetuar a tentativa de conciliação, sendo possível, inclusive o auxílio de um conciliador.
Dado à severa importância de tal ato, na audiência preliminar as partes deverão comparecer pessoalmente, podendo fazer-se representar por preposto munido de poder para transação. Vê-se ainda que em caso de não comparecimento do réu aplicar-se-á a revelia, do mesmo modo se este comparecer sem advogado apresentando sua resposta. No caso de não comparecimento do autor o processo deverá ser extinto sem resolução de mérito, a fim de que e atenda ao princípio da isonomia entre as partes.
“A audiência preliminar é, na verdade, um momento importantíssimo, que, se bem conduzido pelo juiz cria espaço para um contato mais direto do magistrado com as partes e/ou seus procuradores, justamente naquela delicada fase de saneamento, em que com a verificação da ausência de vícios processuais relevantes,ou com a sua correção, se definem os limites dentro dos quais deve permanecer a discussão no processo,mediante fixação dos pontos sobre os quais incidirá a atividade probatória.”( AMENDOEIRA JR.p. 730)
A importância dada audiência preliminar é de alta relevância embora a conciliação não seja efetivada, sendo que nesta oportunidade o juiz fixará os pontos controvertidos saneando o feito e definindo as provas a serem produzidas, atendendo assim aos princípios da oralidade, da imediatidade e da celeridade, conforme preconiza os § 3° E 2° do Art. 331 do CPC.
Destaca-se aqui o fato de a audiência preliminar não ter cunho de obrigatoriedade de realização, devendo o magistrado determinar sua realização somente se a natureza do litígio permitir transação e se o magistrado perceber o interesse das partes em transacionar. “Se as partes manifestarem seu desinteresse na autocomposição, é preferível que a audiência preliminar não seja designada.” (BUENO.p.555)
Dada à importância deste procedimento e as possíveis consequências gravosas que poderão as partes sofrer face às providencias tomadas na fase de saneamento faz-se necessário a discussão sobre o cabimento ou não de agravo de instrumento em tal audiência.
DO CABIMENTO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO
Tendo em vista os conceitos de audiência de conciliação e agravo de instrumento passamos a gora a delinear a não possibilidade de cabimento de agravo de instrumento em sede de audiência preliminar.
Cumpre registrar que o procedimento de agravo de instrumento é dirigido a órgão diverso daquele que proferiu a decisão a fim de que seja apreciado desde logo. Nesta senda, faz-se pertinente a formação de instrumento contendo todas as peças necessárias para que o juízo a quo possa apreciar a matéria. Vislumbra-se, pelo texto legal, outros requisitos que caso não sejam atendidos ou se perceba “a falta de qualquer das peças obrigatórias no ato de interposição acarretarão não conhecimento do recurso”. (GONÇALVES, 2012)
A problemática fundamental da possibilidade de cabimento de agravo de instrumento em audiência preliminar é o conflito entre os princípios da celeridade e efetividade processuais, causado principalmente pelo legislador no momento que edifica no § 3º do art. 523, CPC, que da decisão interlocutória proferida em audiência, caberá agravo retido.
Nítida é a intenção do legislador em conceder ao moroso processo judicial mais celeridade no provimento da jurisdição às partes interessadas. Contudo, dotada de certo extremismo, essa conduta do legislador acaba por não observar o devido processo legal e efetivo a ser conferido às essas partes. Ora, mesmo que em audiência preliminar, é possível que durante os pronunciamentos e respostas se concretize decisão capaz de gerar lesão grave a direito de alguma parte ou prejuízo irreparável, ensejando no cabimento do agravo de instrumento.
“Há que se ter em conta, entretanto, que a intenção do legislador de conferir celeridade ao procedimento, não pode desatender interesses maiores das partes, tais como a necessidade de duplo grau de jurisdição em decisões interlocutórias que possam injustamente causar à parte lesão grave. Vale registrar, ainda, que, em vista do princípio da unirrecorribilidade das decisões, não é possível agravar na modalidade retida no momento da audiência e, depois, no prazo de dez dias, levar os fatos à apreciação do tribunal através do agravo de instrumento. Isto porque o tribunal, se atende ao caso, não conhecerá do agravo de instrumento por conta da preclusão consumativa, ocorrida com o registro do agravo retido no termo da audiência.” (WÖHLKE, 2012)
Posteriormente, a possibilidade do cabimento não representaria nenhuma forma de morosidade ao processo. Em outros termos, caso a parte impetre agravo de instrumento em face de decisão interlocutória proferida em audiência preliminar e o relator entenda que não se configura causa de possível lesão grave ou prejuízo irreparável, o mesmo poderá converter o agravo de instrumento em agravo retido como disposto no art. 527, II, CPC. (WÖHLKE, 2012).
De modo semelhante assevera Marcus Vinicius rios Gonçalves:
“O relator ‘converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa’ (art. 527,II). A possibilidade de conversão do agravo de instrumento em agravo retido foi introduzida pela lei n. 10.352, de 26 de dezembro de 2001.”
CONCLUSÃO
Frente ao exposto, cumpre registrar que a necessidade emergencial que a parte percebe sobre um dano irreparável ou de difícil reparação sobre o objeto da ação em questão deve ser levado em consideração para a interposição de agravo de instrumento de forma excepcional. A condição do termo ”dano irreparável ou de difícil reparação” é ampla e cabe ao juiz no caso concreto determinar, mediante oitiva das partes a necessidade de uma possível conversão de agravo de instrumento em agravo retido.
Fica claro também que em sede de audiência preliminar poderão surgir situações que poderão causar gravames extremos às partes, sendo assim legítima a interposição de agravo de instrumento nesta fase processual a fim de atacar decisões interlocutórias saneadoras.
REFERÊNCIAS
AMENDOEIRA JR., Sidnei. Manual de direito processual civil, v.1: teoria geral do processo e fase de conhecimento em primeiro grau de jurisdição. 2.ed. São Paulo: saraia, 2012.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum: ordinário e sumário. 5.ed.rev. e atual. E ampl. – São Paulo: saraiva, 2012.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 14 ed. rev. e atual. até a Lei nº 11.419/2006. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil. 10 ed. rev. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2012.
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo curso de direito processual civil. V.1: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 9.ed.São Paulo: saraiva, 2012.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 11 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. 2 ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2001.
WÖHLKE, Bruno André Schwinden. A opção do advogado quanto ao agravo de instrumento ou retido contra decisão interlocutória proferida em audiência. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3228, 3 maio 2012. Disponível em: < http://jus.com.br/artigos/21661 >. Acesso em: 27 jul. 2013.
* Danilo Costa Silva - Aluno do Curso de Direito da UNDB.
* Higo Telis de Sousa - Aluno do Curso de Direito da UNDB.
* Bruno Rocio - Professor orientador.
Publicado por: DANILO COSTA SILVA
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