ESTELIONATO SENTIMENTAL - QUANDO O AMOR PAGA A CONTA
O estelionato afetivo ainda é um tema que causa muita polêmica entre profissionais e estudiosos do direito.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
A EXPLORAÇÃO ECONÔMICA, NO CURSO DO NAMORO
Namorar/ Namoro pode ser considerado uma instituição de relacionamento ou um período para a troca de informações entre duas pessoas, tendo como principal função, germinar um sentimento de carinho com maior proximidade entre elas, sendo considerado o primeiro passo para a corporificação do matrimônio, ou seja, a concretização dessa união. É uma relação em que o casal está comprometido socialmente, mas sem estabelecer um vínculo matrimonial perante a lei civil ou religiosa.
Embora o instituto namoro não possua características de uma entidade familiar, vem surgindo litígios de uma maneira mais corriqueira no campo do judiciário, sendo utilizados como forma de recuperar valores que foram utilizados pelo companheiro (a), que, supostamente, tenha sido utilizado de uma forma proposital, para que de alguma maneira levasse vantagem, abusando da boa-fé da outra parte.
Vale salientar, que esta situação é muito mais complexa do que se pode imaginar, é preciso analisar a finco e identificar quando existe a intenção de tirar proveito desta boa-fé, com a intenção de se sair bem, causando assim grande prejuízo e endividamento do companheiro (a) /parceiro (a) que concedeu sua ajuda financeira ao bem-estar da outra, deixando bem claro e evidente que não houve a intenção de benefício recíproco.
Origem do Termo
O termo "estelionato sentimental" surgiu em um processo que aconteceu em Brasília, no ano de 2015. O juiz da 7ª Vara Cível de Brasília condenou o réu ao pagamento de cento e um mil e quinhentos reais a sua ex-namorada como ressarcimento a diversas contas que a mesma teria pago durante o relacionamento de dois anos, incluindo roupas, sapatos e pagamentos de contas telefônicas etc.
Sustentou o magistrado:
"Embora a aceitação de ajuda financeira no curso do relacionamento amoroso não possa ser considerada como conduta ilícita, certo é que o abuso desse direito, mediante o desrespeito dos deveres que decorrem da boa-fé objetiva (dentre os quais a lealdade, decorrente da criação por parte do réu da legítima expectativa de que compensaria a autora dos valores por ela despendidos, quando da sua estabilização financeira), traduz-se em ilicitude, emergindo daí o dever de indenizar".(Processo n. 0012574-32.2013.8.07.0001)
Houve recurso de apelação por parte do réu onde a 5º turma cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios acerca da referida decisão. Nesse sentido, segue a ementa:
PROCESSO CIVIL. TÉRMINO DE RELACIONAMENTO AMOROSO. DANOS MATERIAIS COMPROVADOS. RESSARCIMENTO. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ABUSO DO DIREITO. BOA FÉ OBJETIVA. PROBIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. [...] depreendendo-se que a autora/ apelada efetuou continuadas transferências ao réu; fez pagamentos de dívidas em instituições financeiras em nome do apelado/réu; adquiriu bens móveis tais como roupas, calcados e aparelho de telefonia celular; efetuou o pagamento de contas telefônicas e assumiu o pagamento de diversas despesas por ele realizadas, assim agindo embalada na esperança de manter o relacionamento amoroso que existia entre a ora demandante. Corrobora-se, ainda e no mesmo sentido, as promessas realizadas pelo varão-réu no sentido de que, assim que voltasse a ter estabilidade financeira, ressarciria os valores que obteve de sua vítima, no curso da relação. 2. Ao prometer devolução dos préstimos obtidos, criou-se para a vítima a justa expectativa de que receberia de volta referidos valores. A restituição imposta pela sentença tem o condão de afastar o enriquecimento sem causa, sendo tal fenômeno repudiado pelo direito e pela norma [...].
(TJDF. Acórdão n.866800, 20130110467950APC, Relator: CARLOS RODRIGUES, Revisor: ANGELO CANDUCCI PASSARELI, 5ª Turma Cível, Data de Julgamento: 08/04/2015, Publicado no DJE: 19/05/2015. P. 317).
Sustenta o nobre relator que “o mínimo que se espera nas relações intersubjetivas é que as pessoas envolvidas atuem com boa-fé, sinceridade nas palavras, lealdade e transparência” (TJ/DFT, 2015). Assevera que a boa-fé, por se tratar de cláusula geral, permite que seja amoldada a diversas situações de litígio. Assim, em suas palavras:
“Por encontrar-se hospedada em cláusula geral, a boa-fé permite ao juiz adaptar as normas jurídicas às situações fáticas dos conflitos de interesses submetidos à sua apreciação. A partir dela o juiz, a quem se conferem amplas prerrogativas exegéticas, está habilitado a descortinar a justiça sem, contudo, perder de vista as fronteiras da autonomia da vontade, evitando-se excessos (TJ/DFT, 2015, p. 07). ”
Ainda no sentido de fundamentar o seu voto, o relator pronuncia no sentido que:
[...] a partir do instante em que se comprometeu a devolver os valores despendidos pela apelada/autora, criou nela uma justa expectativa de receber de volta referidos valores, sob pena de aceitar-se o enriquecimento de forma indevida, o qual é vedado pelo direito.
[...] verificam-se diversas mensagens nas quais o apelante-réu solicitava concessões financeiras por parte da apelada-autora, com promessas de restituição, tudo isso em meio a declarações amorosas e sinais de confiança conquistada à custa da vítima (TJ/DFT, 2015, p. 10).
Diante do exposto, o relator entende que as vantagens recebidas pelo réu/apelante se deu mediante a confiança conquista pela autora/apelada, por meio de sua conduta ilícita “ao utilizar de artifícios para se locupletar de forma indevida”. Assim, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença na sua integralidade (TJ/DFT, 2015).
Estelionato
Art. 171.CP “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. ”
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.
Para o criminalista Greco (2014, p. 236) diz que:
“Desde que surgiram as relações sociais, o homem se vale de fraude para dissimular seus verdadeiros sentimentos, intenções, ou seja, para, de alguma forma, ocultar ou falsear a verdade, a fim de obter vantagens que, em tese, lhe seriam indevidas. ”
Portanto nota-se que “Estelionato Sentimental” deve ser reconhecido tanto no âmbito cível como na seara penal. Devendo ser feita uma análise criteriosa e muito minuciosa, observando caso a caso, no seu contexto geral, ou seja, de forma concreta, devendo levar em conta também o nexo causal, para que haja uma possível condenação.
Diante do que se intitulou o “estelionato sentimental”, podem ocorrer indenizações pelos danos materiais e morais sofridos e condenação penal pelo ilícito praticado.
Princípio da Boa-Fé Objetiva
A boa-fé está entendida como a definição do não abuso ao direito, de acordo com o art. 187 do Código Civil, resistente em uma norma ao exercício de direitos subjetivos e recai sobre a conduta correta, fiel e digna da pessoa.
Segundo Cavalieri Filho (2014, p. 214): “A boa-fé objetiva é o padrão de conduta necessária à convivência social para que se possa acreditar, ter fé e confiança na conduta de outrem”. Ademais, é um comportamento que perdura em todas as relações sociais.
Conceitua Pereira (2014, p. 20):
A boa-fé objetiva não diz respeito ao estado mental subjetivo do agente, mas sim ao seu comportamento em determinada relação jurídica de cooperação. O seu conteúdo consiste em um padrão de conduta, variando as suas exigências de acordo com o tipo de relação existente entre as partes.
Podemos então o termo estelionato sentimental com a seguinte explicação: quando uma das partes tem a intenção de obter para si ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio, incentivando ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, como se fosse uma cilada/armadilha ou qualquer outro meio fraudulento.
O estelionato afetivo ainda é um tema que causa muita polêmica entre profissionais e estudiosos do direito, afinal, é difícil elucidar de forma justa e correta, o que ocorre dentro de uma relação amorosa e se realmente alguém de fato usou de má-fé para usurpar o parceiro, levando ao endividamento e ao esgotamento dos seus recursos.
Conclusão:
Infelizmente há uma tendência em nosso país, em que pessoas estão se aproximando de seus parceiros com um único objetivo: Tirar vantagem dos bens/patrimônio da outra pessoa, aproveitando-se de uma possível fragilidade afetiva e, às vezes, até emocional, que foi adquirida de possíveis relacionamentos frustrados e, algumas vezes, com problemas familiares.
Urge mencionar, que uma ação desta magnitude exige o máximo de provas possíveis, tais como: conversas pessoais gravadas ou registradas por meio de aplicativos de bate-papo, comprovantes de pagamento de contas em favor do parceiro/companheiro e talvez recorrendo a testemunhas que por várias vezes presenciaram tais fatos.
Então, partindo do enunciado “QUANDO O AMOR PAGA A CONTA”, esse assunto polêmico irá continuar agitando os corredores dos tribunais, faculdades e principalmente os relacionamentos atuais, nos quais as trocas de favores são frequentes entre os namorados, sendo assim, consequentemente será uma matéria a ser estudada mais profundamente por todas as pessoas interessadas no assunto.
Referência Bibliográfica
GRECO, R. Curso de Direito Penal: parte especial, volume III. 11 Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2014.
PEREIRA, C. M. S. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
CAVALIERI FILHO, S. Programa de Responsabilidade Civil. 12 ed. São Paulo: Atlas, 2014.
TJDF, 7ª Vara Cível de Brasília, Autos nº 0012574-32.2013.8.07.0001. Notícia completa no link: https://www.google.com.br/search?q=quem+nasce+em+brasilia+%C3%A9+&ie=utf-8&oe=utf-8&client=firefox-b&gfe_rd=cr&ei=jTlUWJOSGo_28Afj7auoDA#q=ex-namorado+ter%C3%A1+que+ressarcir+v%C3%ADtima+de+estelionato+sentimental.
Autor: Fábio Celestino dos Santos, Advogado, Pós Graduado em Processo Civil, Pós Graduado em Direito Civil, Presidente da Comissão dos Direitos Humanos, diretor da Comissão de Segurança Pública da OAB Subseção de Itaquera/SP, Vice-Presidente do Conselho de Segurança de São Matheus/SP( CONSEG).
Publicado por: FABIO CELESTINO DOS SANTOS
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