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Apontamentos acerca do contraditório no inquérito policial

Confira aqui uma discussão acerca do contraditório na fase do inquérito policial.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

Esse artigo acadêmico terá por objetivo discutir ideias e indagações acerca do contraditório na fase do inquérito policial, enfocando o histórico dos sistemas processuais penais, tecendo apontamentos acerca dos sistemas acusatórios e inquisitório, descrevendo teoricamente, ainda, sobre o contraditório na constituição vigente, o direito pertencente ao cidadão do contraditório às imputações contra ele realizadas, o valor probatório do inquérito policial para a persecução penal e por fim uma análise teórico-critica acerca do contraditório durante a fase do inquérito policial. O objetivo principal é trazer ao âmbito acadêmico, importante discussão sobre o tema abordado, com o fim precípuo de proporcionar ao leitor o acesso a informações de grande importância para o seu desenvolvimento intelectual, sem sequer ter a pretensão de esgotar o tema.

DESCRITORES: Contraditório. Sistema Processual. Inquérito Policial. Contraditório no Inquérito Policial.

INTRODUÇÃO

A atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988 está repleta de princípios que fundamentam e embasam uma enorme gama de direitos fundamentais, conquistados a base de muita luta ao longo do tempo. Nesse contexto, o seu Artigo 5° define os princípios fundamentais de proteção aos direitos individuais inerentes aos cidadãos, inaugurando, após longo período repressivo, um novo Estado Democrático de Direito, onde a proteção e o bem-estar dos cidadãos é elevado à principal categoria referente ao amparo do Direito Processual Constitucional ao cidadão.

Entre os princípios processuais fundamentais à equidade de condições no processo penal destaca-se o Princípio do Contraditório, insculpido no art. 5°, LV da Constituição da República de 1988[2], garantindo aos cidadãos os seus direitos e deveres e declarando através de previsão legal, que o processo penal ocorrerá de forma justa. Além de um princípio é também um direito dado à parte, objetivando a  informação em relação aos atos processuais realizados, bem como o de manifestar-se no curso do processo penal.

Contudo, o processo penal quando em conformidade com o Código de Processo Penal vigente não possui o condão de assegurar em sua plenitude algumas garantias constitucionais, principalmente, durante a fase pré-processual. É o caso do contraditório, que baseado em autorização legal permite, tendo por base elementos probatórios colhidos na fase de inquérito policial, que haja decisão judicial, mesmo que de modo não exclusivo, mitigando, dessa forma, a garantia ora citada.

Diante do exposto, este artigo tem o objetivo de analisar o contraditório, garantia insculpida na constituição brasileira vigente, durante o inquérito policial, como forma de elencar possibilidades de igualdade entre acusação e defesa tanto na fase investigatória, quanto na fase processual.

OS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

Há, inicialmente, a necessidade de se compreender o significado da palavra sistema, para o entendimento dos sistemas processuais penais. Sistema, segundo Paulo Rangel, “é o conjunto de princípios e regras constitucionais, de acordo com o momento político de cada Estado, que estabelecem as diretrizes a serem seguidas para a aplicação do direito no caso concreto.”[3] Assim, de acordo com o entendimento jurídico, pode-se caracterizá-lo por um conjunto de normas coordenadas e intimamente ligadas entre si e com uma base organizada dentro de um dado ordenamento jurídico.

Nesse contexto, tem-se como sistema processual penal, o modo como será realizado a aplicação do direito material no âmbito criminal aos indivíduos sujeitos a sua tutela, em determinada época. Ao longo da história, o processo penal apresentou-se em três principais sistemas, o Inquisitório, também conhecido como Inquisitivo, o Acusatório e o Misto, este último também chamado de Acusatório Formal.

O sistema acusatório configura-se por ser um conjunto de normas e princípios que caracteriza-se pela preservação dos direitos fundamentais do individuo em detrimento do direito de punir do estado, tendo sua origem no Direito Grego e adotado também na Roma antiga sendo utilizado até o século XII e voltando a ser utilizado novamente com novas características no iluminismo e na Revolução Francesa, no final do Século XVIII e início do século XIX.

Há, Preponderantemente, nesse sistema a distribuição de funções entre órgãos distintos como aspecto fundamental, cabendo as partes a produção das provas de suas alegações, devendo o juiz permanecer inerte, para a manutenção de sua imparcialidade. O individuo só será considerado formalmente imputado pelas acusações feitas após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, sendo garantido, assim, o princípio da presunção de inocência. Organismos de acusação e de defesa permanecem em igualdade de condições para o pleno exercício de suas convicções. Prevalece, ainda, o contraditório e a ampla defesa, a publicidade e a oralidade.

O sistema acusatório possui, na atualidade, as seguintes características, segundo Lopes Jr.: funções de acusar e julgar são distintas; iniciativa probatória atribuída às partes; juiz como terceiro imparcial; “tratamento igualitário das partes”; “procedimento em regra oral”; publicidade; contraditório e ampla defesa; ausência de tarifa probatória; livre convencimento motivado; coisa julgada; duplo grau de jurisdição.”[4]

O sistema inquisitório surgiu como um sistema, baseado na política de segurança pública, como um substituto do sistema acusatório, com o objetivo de aplicar a lei penal de forma ilimitada, ressaltando o poder de punir estatal. Durante As Idades Média e Moderna firmou-se como sistema processual predominante, principalmente, sob a influência, dos Estados Absolutistas, em maioria na época, e da Igreja Católica. Entretanto, a partir, dos séculos XVII e XVIII, houve severo enfraquecimento nos procedimentos inquisitoriais, sob as críticas dos ideais iluministas.

Nesse sistema, o juiz apresenta-se como titular do direito de ação, facultando-lhe, além de exercício da ação penal, o de produção das provas e o de recorrer de ofício. Há, ainda, por parte do magistrado, a obtenção de material probatório com o fim da busca da verdade real, reunindo as funções de acusar e julgar, cabendo-lhe também a obrigação de auferir a confissão do individuo, considerada a melhor prova, pois aqui vigora o princípio da prova tarifada, bem como o da presunção da culpabilidade.

O juiz é, ainda, o responsável pelos procedimentos investigatórios, definindo-se, como um real inquisidor. Aqui, não há partes, sendo o réu objeto do processo e não sujeito de direitos. O processo se inicia de ofício, não havendo contraditório, predominando a forma escrita, o segredo dos atos praticados, bem como a restrição da liberdade pessoal do acusado.  

Parte da doutrina identifica um terceiro sistema, chamado de misto, derivando-se na França e compreendendo-se na possibilidade de ingerência do juiz nas fases de investigação e de juízo. Existem várias características marcantes do sistema inquisitório, tais como, a presença da forma escrita, do segredo e da iniciativa judicial, e na fase do juízo, estão presentes, também, elementos identificativos do sistema acusatório, tais como, o contraditório, a oralidade, a publicidade, juízes populares e livre apreciação da prova. 

SISTEMA PROCESSUAL SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO VIGENTE

A Constituição de um estado soberano configura-se por ser uma ordem jurídica fundamental de sua sociedade, integrando e formando todo ordenamento jurídico, determinando dessa forma, a unidade política dàquele. A carta magna discrimina a aquisição e exercício do poder, os direitos e garantias fundamentais, bem como seus limites, a organização estatal e a forma de governo, tendo como objetivo a realização do bem comum e o progresso da qualidade de vida de seus cidadãos. Nesse sentido, caminha a constituição da República federativa do Brasil promulgada em 1988, carta magna diretora, que declara a validade de todas as normas jurídicas de nosso ordenamento, determinando os requisitos para recepção das normas já vigentes, devendo estas estarem em conformidade com àquela, sob pena de ineficácia em detrimento da autoridade constitucional que confere legitimidade e validade ao sistema jurídico subordinado à sua vigência.

O sistema de garantias assegurado pela atual Constituição, explicita que o constituinte, por ocasião de sua criação, optou expressa e tacitamente pelo sistema acusatório para que o processo penal brasileiro tenha maior equidade entre os atores processuais. Entretanto, há doutrinadores que discordam acerca do sistema processual vigorante atualmente no Brasil, uma vez que o Código de Processo Penal brasileiro descreve, na fase de persecução penal - pré-processual, sólidas características inquisitivas e durante fase processual, garantias processuais características do sistema acusatório previstas constitucionalmente.

Segundo o entendimento de Nucci, "o sistema adotado pelo Brasil, embora não oficialmente, é misto"[5]. Destacando como argumento acerca de tal afirmação que:

(...) há dois enfoques: o constitucional e o processual. Em outras palavras, se fôssemos seguir exclusivamente o disposto na Constituição Federal poderíamos até dizer que o nosso sistema é acusatório (no texto constitucional encontramos os princípios que regem o sistema acusatório). Ocorre que nosso processo penal (procedimento, recursos, provas etc.) é regido por Código específico, que data de 1941, elaborado em nítida ótica inquisitiva (...)[6]

Numa avaliação inicial, há a possibilidade de um entendimento nesse sentido, pois as garantias constitucionalmente asseguradas em relação ao processo tendem ao sistema acusatório e a contrário sensu, o sistema processual penal do Brasil anterior a atual constituição leva à uma conclusão congruente ao sistema inquisitivo. Assim, há características marcantes do sistema inquisitório na atual fase pré-processual e na fase processual há a preponderância do sistema acusatório, onde denota-se visivelmente a separação dos órgãos de acusação e julgamento.

Porém, ao analisar adequadamente o sistema processual misto compreende-se que tal sistema possui fases bem caracterizadas, onde a fase investigatória, e de instrução processual são providas de evidentes características inquisitivas, e na fase de julgamento predominam as particularidades do modelo acusatório. Nesse contexto, verifica-se que o modelo empregado no Brasil não se encaixa no modelo processual misto, pois as escassas características inquisitivas ainda presentes no ordenamento processual penal, apenas permanecem visíveis na fase de persecução penal, visto que na atual rotina judicial, que abrange a fase de instrução até a de julgamento, há completa predominância das características do sistema acusatório.

Enfim, para dirimir qualquer dúvida, o inquérito policial tem natureza jurídica de procedimento administrativo, não possuindo caráter processual, apenas sendo utilizado para a opinio delicti[7] da acusação e vedada a sua utilização para, sem outras provas, formar o convencimento do julgador no momento de sua decisão. Dessa forma, na atual conjuntura constitucional, as normas que conduzem a fase investigatória não deveriam mais integrar o Código de Processo Penal, visto que apesar de estarem presentes, não são assuntos concernentes a este. Dessa forma, o inquérito policial, declarando expressamente sua ausência na fase processual, deve ser entendido como uma fase meramente pré-processual, finalizando o entendimento de que o sistema adotado pela Constituição e pelo ordenamento processual pátrio é o acusatório.

 O DIREITO DO INDIVIDUO AO CONTRADITÓRIO

Diante do exposto até o momento, é possível perceber com nitidez, qual o sistema processual penal foi legitimado e configurado através de determinados valores, regras e princípios pela atual constituição brasileira, pois no momento de sua promulgação consagrou-se o Estado Democrático de Direito. Apoiada em princípios da dignidade da pessoa humana, a Carta Magna elencou um extenso rol de direitos fundamentais, baseados em princípios de liberdade do cidadão, abrindo, ainda, precedente para inclusão ou adoção de outros princípios decorrentes de tratados ou convenções em que o Brasil seja signatário, conforme se extrai de seu artigo 5º, § 2º.[8] Importante passo dado em direção ao reconhecimento das garantias relativas ao processo penal foi a promulgação do decreto n.º 678 de 06 de novembro de 1992[9], que internalizou o Pacto de São José da Costa Rica em nosso ordenamento, principalmente, no que tange às garantias judiciais, descritas em seu artigo 8º:

1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação pena formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente po tradutor ou intérprete, se não compreender ou não falar o idioma do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei;  f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presente no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g) direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior.

3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.

4. O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá se submetido a novo processo pelos mesmos fatos.

5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça.

Visto que o sistema processual utilizado a partir da atual Constituição é o acusatório, torna-se evidente a obrigatoriedade da publicidade às partes de todos os atos praticados no processo, nesse contexto é que surge o contraditório como princípio basilar de tal sistema, significando o direito à informação sobre uma imputação feita, bem como o direito à participação nos atos processuais. Segundo Medina, tal princípio:

“Tem relevante aplicação em matéria de prova. É em função da necessidade de que as partes, representadas pelos respectivos advogados, possam participar da produção das provas, inclusive contraditando e inquirindo testemunhas, que não se admitem em Juízo, declarações contidas em documentos particulares ou mesmas prestadas em Cartório de Notas.Pelo mesmo fundamento a prova emprestada – isto é aquela que, produzida originariamente nos autos de determinado processo é transplantada, mediante fotocópia autenticada ou certidão, para os autos de outro processo -, quando tiver por substancia o depoimento só será válida se a sua produção originária houver ocorrido entre as próprias partes.”[10]

Assim, conclui-se que a constituição não só elegeu como ratificou o sistema processual acusatório, declarando o direito ao contraditório como fundamental e assegurando expressamente a todos os indivíduos o seu exercício pleno como condição de legitimidade para um processo penal desprovido de vícios, devendo o Estado, além de estimular, garantir de modo amplo o desenvolvimento efetivo desse direito em todos atos processuais, a fim de que o individuo, parte integrante do processo penal, possua capacidade de defender-se, bem como de reagir às imputações penais a ele dirigidas.

O VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO POLICIAL

O inquérito policial é o instrumento pelo qual realiza-se a investigação preliminar ao processo penal, realizado pela policia judiciária e presidido pela autoridade policial e tem como finalidade a apuração das infrações penais cometidas, bem como sua autoria, conforme descreve o artigo 4º do Código de Processo Penal[11]. Sua natureza jurídica é de procedimento administrativo, voltado à prévia colheita de informações que comprovem a prática de um fato delituoso e sua autoria, a fim de produzir elementos para que o titular da ação penal tenha subsídios para sua proposição ou o arquivamento da peça investigatória. Por sua natureza inquisitória, não há equidade entre as partes, dessa forma, durante a fase de persecução penal não são asseguradas garantias como o direito a ampla defesa e contraditório, uma vez que os atos praticados pela autoridade policial são revestidos de certo sigilo. Silva Junior descreve com clareza que:

O inquérito policial tem conteúdo informativo, tendo por finalidade fornecer ao Mistério Público ou ao ofendido, conforme a natureza da infração, os elementos necessários para a propositura da ação penal. No entanto, tem valor probatório, embora relativo, haja vista que os elementos de informação não são colhidos sob a égide do contraditório e da ampla defesa, nem tampouco na presença do juiz de direito. Assim, a confissão extrajudicial, por exemplo, terá validade como elemento de convicção do juiz apenas se confirmada por outros elementos colhidos durante a instrução processual[12].

Contudo, durante a fase investigatória há determinadas provas que, segundo a lei processual deverão integrar o processo, por se tratar de provas, que pela volatilidade dos fatos, podem desaparecer. Nesse contexto, é que existem as provas repetíveis, as não repetíveis, as cautelares e as antecipadas. As provas repetíveis são ordinariamente colhidas durante o inquérito policial, assim, por sua natureza podem, por vício em sua formação, serem colhidas novamente na fase processual, sob a égide do contraditório e da ampla defesa. As não repetíveis também são colhidas durante a fase investigatória, devido à sua natureza, há o risco de não poderem ser repetidas durante a fase processual. As cautelares são as que encontram embasamento em medidas de urgência e deverão ser executadas imediatamente, sob pena de perda irreparável. E as antecipadas são, em regra, produzidas na fase processual, mas em virtude de sua urgência e relevância podem ser colhidas antes do início da ação penal.

Finalizando o entendimento acerca do assunto, pode-se afirmar que a importância probatória do inquérito policial é considerada demasiadamente reduzida ou até nula, principalmente pela possibilidade do acontecimento de vícios e erros por parte dos responsáveis pela persecução penal, uma vez que os atos praticados habitualmente, devido a suas características e finalidades, consistem meros elementos informativos, destinando-se somente à instrução da peça inicial acusatória.

O CONTRADITÓRIO NO INQUÉRITO POLICIAL

Majoritariamente, a doutrina defende a impossibilidade do direito ao contraditório durante fase de inquérito policial, pois este tem natureza de procedimento administrativo, não possuindo uma estrutura judicial. Dessa forma, o entendimento é que não há relação processual na fase inquisitiva, inviabilizando, assim, a contraposição entre sujeitos em paridade de condições, tal como pode ser observado no processo penal.

Nesse sentido assevera Nery Jr. que:

 “O principio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se  em manifestação do principio do estado de direito tem íntima ligação com o da igualdade das partes e do direito  de ação, pois o texto constitucional, ao garantir ao litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação, quanto o direito defesa são manifestação do principio do contraditório”[13].

No mesmo contexto há posicionamento de Tourinho, aduzindo que:

“Em se tratando de inquérito policial, não nos aprece que a Constituição se tenha referido a ele, mesmo porque, de acordo com o nosso ordenamento, nenhuma pena pode ser imposta ao indiciado. Ademais o texto de Lei Maior fala em “litigantes”, e na fase da investigação preparatória não há litigante... É verdade que o indiciado pode ser privado da sua liberdade nos casos de flagrante, prisão temporária ou preventiva. Mas para esses casos sempre se admitiu o emprego do remédio heróico do habeas corpus. Nesse sentido, e apenas sentido, é que se pode dizer que a ampla defesa abrange o indiciado. O que não se concebe é a permissão do contraditório naquela fase informativa que antecede à instauração do processo criminal, pois não há ali nenhuma acusação.”[14]

Contudo, a produção das provas irrepetíveis, cautelares e antecipadas, por sua natureza, devem ser realizadas, em regra, na fase inquisitória, não sendo realizadas novamente na fase processual. Nesse caso, deve-se observar a garantia insculpida no artigo 5º, LV da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assegurando ao imputado criminalmente um contraditório postergado, ou seja, as provas são realizadas na fase pré-processual e contraditadas na fase processual como chancela à sua utilidade na decisão judicial.

O imputado, ao momento da suspeição da prática de um fato considerado delituoso, deve manter seus direitos fundamentais garantidos pela constituição da República, principalmente a integridade física. A contrário sensu, é notório que a atuação dos órgãos estatais incumbidos da persecução penal tem um propósito especial na produção de provas visando ao oferecimento da peça inaugural do processo penal. Para maioria da doutrina é apenas nesse momento que há a efetiva inserção do contraditório, que é composto de dois momentos distintos, o conhecimento da imputação feita e a reação a esta imputação, objetivando acatá-la ou negá-la, caracterizando-se este princípio pelo direito a informação e sua posterior contraprova.

Finalmente, fica evidente que o inquérito policial, em sua duração não há acompanhamento judicial, para coibir abusos ou violações aos direitos e garantias inerentes ao imputado da prática de fato delituoso, objetivando a não contaminação do juízo de valor do julgador, que deve permanecer inerte e imparcial, bem como imune aos riscos de injustificadamente impor prejuízos irremediáveis de uma condenação equivocada.

CONCLUSÃO

A Constituição vigente inaugurou e legitimou um novo sistema processual, trazendo ao processo penal pátrio o sistema acusatório. Evidenciou-se, então, incoerências  em relação ao atual Código de Processo Penal, principalmente no que diz respeito a fase de persecução penal, visto que a sociedade brasileira encontra-se bem mais evoluída que àquela do momento de sua promulgação, demandando por novas regras processuais penais.

A fase inquisitória mostra-se necessária, já que é nessa fase que são colhidos os elementos de informação que convalidam a prática delituosa e determinam a autoria do fato em questão, servindo para a formação do juízo de valor do magistrado, levando-o a validar sua sentença condenatória ou absolutória, conforme o caso concreto. Entretanto, trata-se de um momento, onde não existe partes, mas apenas o Estado ávido por obter lastro probatório mínimo da prática delituosa, contrapondo-se ao individuo desprovido de pleno exercício do contraditório.

As provas realizadas antecipadamente em sede de inquérito policial, que estão sob o manto do contraditório, mesmo que diferido, deveriam ser realizadas novamente, quando possíveis, sob pena de acarretar dano irreparável às garantias processuais insculpidas na Constituição, posto que nesse caso, mostram-se tais provas permeadas por uma situação de desvantagem processual, já que a dilação temporal entre a realização da prova e a possibilidade do contraditório impossibilita tal garantia em sua plenitude.

Enfim, por todo o exposto acerca da aplicação do contraditório durante a elaboração das informações que integram o inquérito policial, é imprescindível denotar que os direitos fundamentais são uma garantia do cidadão contra o poder de império Estatal, em hipótese nenhuma pode ser utilizado pelo Estado contra o cidadão, devendo o próprio Estado responsabilizar-se em zelar pela custódia dessas garantias, uma vez que é um encargo imposto a este através da vontade soberana do povo, titular maior dos direitos fundamentais positivados pela constituição vigente.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição de República Federativa do Brasil. Brasilia, DF: Senado, 1988. Disponível em: . Acesso em 02. abr. 2013.

______. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasilia, DF: Senado, 1988. Disponível em: . Acesso em 02. abr. 2013.

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MEDINA,Paulo Roberto de Gouvêa. Direito Processual Constitucional. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.

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TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31ª Edição (revista e atualizada). São Paulo: Saraiva, 2009.

NOTAS:

[1] Técnico do Ministério Publico do Estado do Rio de Janeiro – Área Processual; Graduado em Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade Salgado de Oliveira; Pós-graduando em Direito e Processo Penal pelo Instituto A Vez do Mestre – Universidade Candido Mendes; E-mail: tcproc@gmail.com.

[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[3] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Ed.Lumen Júris, Rio de janeiro, 2006. p. 49.

[4] LOPES JR., Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Garantista). 3. ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. P. 159.

[5] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 5. ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 117.

[6] Ibid., p. 117.

[7] Opinião a respeito de delito; Teoria segundo a qual o Ministério Público, para oferecer uma denúncia, deve ter ao menos suspeita da existência do crime e de sua autoria.

[8] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...); § 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

[9] O VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VIII, da Constituição, e   Considerando que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, entrou em vigor internacional em 18 de julho de 1978, na forma do segundo parágrafo de seu art. 74;

[10] MEDINA,Paulo Roberto de Gouvêa. Direito Processual Constitucional. Rio de Janeiro: Forense,2005.p.37.

[11] Art. 4º A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

[12] SILVA JUNIOR, Euclides Ferreira da. Curso de Direito Processual Penal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2000. p. 54.

[13] NERYJÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 2ª Edição, Editora Revista dos Tribunais. p. 122.

[14] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 31ª Edição (revista e atualizada). São Paulo: Saraiva, 2009.


Publicado por: CÍCERO JOSÉ FRANZEN JUNIOR

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