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O paradoxo surrealista

Apesar do Surrealismo ser um movimento artítico inovador e aberto a participação feminina, as próprias mulheres se afastaram dele.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Não se tem notícia de um movimento artístico anterior ao Surrealismo que tenha aberto tanto espaço para a participação de mulheres em seu grupo. No entanto, quando se pensa em Surrealismo, os nomes que automaticamente nos surgem à mente são André Breton, Salvador Dalí, René Magritte, Max Ernst... Somente com esforço consegue-se desencavar do arquivo escuro da memória algum nome feminino: Meret Oppenheim? Frida Kahlo? Mas a certeza parece nos abandonar nesse momento.

Como pode um movimento que foi pioneiro em seu engajamento pela arte feminina não ter herdado na história nenhum nome com a altura e o peso de seus contrapartes masculinos?

A obra Women Artists and the Surrealist Movement (Londres 1997) de Whitney Chadwick é uma das primeiras a se ocupar com esse tema e é ainda hoje uma importante fonte de informações para a pesquisa sobre o papel das mulheres no movimento surrealista. O depoimento das próprias artistas (com muitas das quais Chadwick pôde ainda discutir pessoalmente sobre o assunto) revela por um lado a agregação pioneira da qual os surrealistas foram capazes, integrando mulheres em seu grupo que não apenas acompanhavam seus parceiros, mas que também atuavam como artistas independentes. Por outro lado, o nome da maior parte dessas artistas é escassamente representado na literatura sobre a arte surrealista. A história oficial parece ter ignorado sua participação no movimento. Como as mulheres estavam representadas em grande número e tiveram uma presença ativa no grupo, cabe questionar como foi possível eximir sua participação do discurso oficial.

Mero resultado do chauvinismo imperante? Mas isso não entraria em contradição com o fato de os surrealistas terem uma postura inovativa, tão aberta à participação feminina?

Por um lado, os surrealistas deram o primeiro passo, mas não fizeram a caminhada completa, indispensável para realizar uma mudança concreta do estatos da mulher artista. Por outro, essas mesmas mulheres afastaram-se do movimento tão logo alcançaram uma independência artística maior, deixando o Surrealismo para trás como apenas uma etapa necessária para alcançar o objetivo final.

A primeira justificativa para a estranha ausência da figura feminina na história do Surrealismo (que, diga-se de passagem, foi paulatinamente revisada após a publicação da obra de Chadwick), é portanto a insuficiente alteração da mentalidade reinante. As mulheres que expunham com o grupo eram raramente consultadas quando se discutia as teorias do movimento. O trabalho de elaboração teórica era uma tarefa quase que exclusivamente restrita aos membros masculinos do grupo. Mesmo quando essas discussões tinham como tema o papel da mulher no mundo das artes, esta não quase não possuía voz. Ela continuava como objeto de análise em um mundo de sujeitos investigadores masculinos. Clara testemunha disso é a forma mística e idealizada que a mulher adquiria aos olhos dos surrealistas. Ela não era uma presença concreta e real, mas sim uma projeção, uma existência limitada à superficialidade imaginativa de uma idéia sem corpo. A idéia presente na mente masculina de uma musa com poderes ocultos e segredos indecifráveis.

As mulheres reais, portanto, não faziam parte do grupo que dava forma às idéias do Surrealismo. O que não significada, no entanto, que elas não possuíssem suas próprias idéias. Tão logo essas artistas iniciantes amadureceram suas obras, abandonaram o grupo e seguiram carreiras individuais renunciando até por vezes (como no caso de Oppenheim) à presença de características surrealistas em suas obras.

Hoje o trabalho dessas artistas é conhecido e apreciado, independente de sua participação no movimento surrealista. A importância do Surrealismo, mesmo com suas limitações resultadas do contexto histórico, deve ser reconhecida e apreciada. Mas ainda maior foi o empenho dessas mulheres que não apenas souberam aproveitar a oportunidade que lhes foi dada, como não se deram por satisfeitas e superaram as barreiras que a época impunha.


Publicado por: Laura Rodrigues

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