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Discografia do Carnaval Niteroiense

Breve estudo sobre a discografia do carnaval Niteroiense.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Os anos 60 foram determinantes para a afirmação das escolas de samba como expoentes culturais e carnavalescos no Rio de Janeiro. À medida que Ranchos e Sociedades flertavam com um irremediável ostracismo, as escolas despontavam nos jornais, rádios e televisão, tornando-se referência à folia e grandes chamarizes turísticos no período momesco. 

Era comum que algumas das maiores agremiações gravassem seus sambas enredo em estúdios, para mais ampla divulgação. Porém, até meados da década de 60 o gênero não havia despertado o interesse comercial das grandes gravadoras.

Esse cenário alterou-se drasticamente em 1967, quando a Estação Primeira de Mangueira, através de sua Ala de Compositores, emplacou a obra “Mundo Encantado de Monteiro Lobato”, que ainda renderia à Verde Rosa o título de campeã do carnaval. A canção tornou-se um grande sucesso nacional na voz da cantora Eliana Pittman, provando ser o gênero capaz de conquistar o grande público e obter um bom retorno em vendas.

Para o carnaval de 1968, a gravadora Disc News produziu o primeiro disco concentrando as obras das principais escolas de samba da cidade do Rio de Janeiro. Ainda com primitivos recursos de gravação e edição, a produção realizada nas quadras das agremiações não prima pela qualidade do produto final, sendo sua relevância atrelada ao fato de representar um marco histórico.

Disco carioca de 1968 - Acervo de João Perigo
Disco carioca de 1968 - Acervo de João Perigo

Nos anos seguintes se torna notória a profissionalização do samba e do carnaval em terras cariocas. Em 1974, uma reportagem do Jornal do Brasil fez questão de comparar os carnavais de Niterói e do Rio de Janeiro relatando suas similaridades e apontando suas diferenças:

“De todas as influências de sofisticação que possam sofrer as escolas de samba de Niterói, apenas os compositores conservam, invulnerável, o toque de originalidade com linguagem autêntica de suas origens, embora estejam também cobiçando a chance de gravação comercial que já atingiu os cariocas.

Ao contrário do que vem ocorrendo na Guanabara, onde as alas de compositores já começaram a sofrer competição de compositores profissionais de outros ramos de música, as escolas de samba de Niterói, pelo menos ainda este ano, podem ainda se orgulhar de manter autenticidade nos seus sambas, já que os autores são todos de origem das próprias agremiações”.

Não demoraria para a novidade chegar de fato às terras de Araribóia. Para o carnaval de 1974, a Top Tape, que a essa altura produzia também os discos cariocas, produz o primeiro elepê da folia niteroiense. A obra, gravada nos Estúdios da Rádio Difusora Fluminense, contava com doze faixas, dentre as quais: Unidos do Viradouro (‘Pleito de Vassalagem a Olorum’), Unidos da Mem de Sá (“Katxerê, a mulher estrella’), Caçadores da Vila (‘Folclore, a alma do povo’), Acadêmicos do Beltrão (‘História do Mimoso Manacá’), Poço do Anil (‘Bom dia, café’), Bafo do Tigre (‘Folclore Brasileiro’), Acadêmicos do Cubango (‘Grandes festas tradicionais fluminenses’), Corações Unidos (‘Cântico aos Orixás’), Souza Soares (‘Salubá Bahia’), Império Gonçalense (‘Antigos Carnavais’), Bugres do Cubango (‘Lendas e costumes da Bahia’) e uma faixa bônus com a Banda do Fonseca.

Gravadora: Top Tape / Independente
Produção: Paulo Ribeiro
Estúdio: Rádio Difusora Fluminense
Número de Faixas: 12
Apoio: Associação das Escolas de Samba e Blocos de Niterói e São Gonçalo

LP de 1974 - Acervo João Perigo
LP de 1974 - Acervo João Perigo

A contracapa apresentava um texto de Luiz Antônio Pimentel, que comentava sobre a grande conquista:

“A Associação das Escolas de Samba e Blocos de Niterói e São Gonçalo, organizando a edição deste disco, financiado pelas doze agremiações que nele figuram, merece todos os aplausos. A Top Tape, que grava os elepês das agremiações do estado da Guanabara, apondo-lhe sua etiqueta é um atestado de qualidade do disco. Embora sem qualquer ajuda oficial, o disco foi possível graças aos esforços dos incansáveis Ito Machado, Adalu Pimentel, Paulo Afonso Filho, Paulo Adad, Carlos da Matta e Reginaldo Lessa, diretores da entidade. [...] Só assim Niterói, com seu jeito provinciano, seu complexo de Vila Real da Praia Grande, sem estação de TV, poderá deixar para a posteridade suas músicas de carnaval. [...] Num estágio da humanidade em que a tipografia grava as letras, e os discos e as fitas magnéticas gravam os sons, seria criminoso deixar perdidos no éter os sambas-de-enredo das escolas de samba de nossa terra, transmitidos apenas pelas emissoras locais”.

Infelizmente, a produção não encontrou o sucesso de vendas de seu similar carioca, sendo duramente criticada pela imprensa e sambistas de uma maneira geral2. Diferentemente das produções do Rio de Janeiro, que não haviam sido interrompidas desde sua primeira edição em 1968, os discos de sambas enredo do carnaval niteroiense enfrentaram um hiato entre 1976 e 1978, tornando o registro das obras extremamente difícil para a grande maioria das agremiações.

Gravadora: Top Tape
Produção: Laíla e Orlando Costa
Número de Faixas: 12
Apoio: Associação das Escolas de Samba e Blocos de Niterói e São Gonçalo
Capa: Kako e Guta

LP de 1979 - Acervo João Perigo
LP de 1979 - Acervo João Perigo

Para o carnaval de 1979, sob a produção do lendário Laíla e de Orlando Costa, a Top Tape novamente grava um disco (também editado em minicassete) com os sambas enredo niteroienses. A maior tecnologia e a profissionalização do ramo renderam um resultado final de maior qualidade, mas ainda bastante criticado pelos sambistas locais3. A presença de obras antológicas, como ‘Afoxé’, da Acadêmicos do Cubango, contribuíram positivamente para a melhor receptividade produto final, que inclusive era anunciado nos encartes do disco oficial das agremiações cariocas.

Trecho do encarte do LP Carioca de 1979 - Acervo de João Perigo
Trecho do encarte do LP Carioca de 1979 - Acervo de João Perigo

Apesar do contrato com a Top Tape ter sido assinado para dois anos, a gravadora o rescinde por pressões de agremiações cariocas no fim de 79, tornando impossível a gravação para 1980. As escolas que haviam antecipado suas disputas, para cumprirem os cronogramas de gravações, acabaram por estendê-los. Os sambistas se viam desamparados, receosos de  perdas monetárias com a falta de um disco oficial comercializável. A angústia somente seria suplantada em 1981 (primeiro ano do novo sambódromo), com um novo elepê, desta vez produzido pela K-Tel e gravado em dezembro de 1980 no Estúdio Hara Internacional, no Rio de Janeiro, com o apoio da ENITUR.

Gravadora: K-Tel do Brasil
Produção: Waldomiro João de Oliveira
Estúdio: Estúdio Hara Internacional
Número de Faixas: 12
Apoio: Associação das Escolas de Samba e Blocos de Niterói e São Gonçalo e ENITUR
Capa: Luiz Carlos GA

Disco de 1981 - Acervo de João Perigo
Disco de 1981 - Acervo de João Perigo

A compilação novamente apresentou sambas de grande apelo popular, como ‘Amor em tom maior’ da Unidos do Viradouro, ‘Por ser um dia de sábado’, da Souza Soares e ‘Fruto do amor proibido’, do Cubango. Grandes nomes do carnaval marcaram presença nesse elepê, como Dominguinhos do Estácio (como intérprete do Branco no Samba) e Aroldo Melodia (como intérprete do Camisolão). Enfim, a produção agradou aos exigentes sambistas da cidade, que vivenciariam afinal uma sequência de produções pela década de 1980.

LP de 1982 - Acervo de João Perigo
LP de 1982 - Acervo de João Perigo

No disco de 1982, destacam-se a primeira faixa: ‘Motou Muído Kitoko’ do Viradouro e a interpretação de Aroldo Melodia6, novamente à frente do Camisolão, escola gonçalense que aparecia pelas primeiras vezes na elite da cidade. É perceptível a melhora técnica das gravações, ainda que aquém das produções cariocas, porém em enorme avanço ano a ano, cativando os ouvintes sambistas da cidade definitivamente.

Em 1983 a produção é assumida pela Companhia Industrial  de Discos e as gravações mudam-se para o Estúdio Transamérica, também na cidade do Rio. O disco apresenta um breve retrocesso em questões técnicas e só é capaz de trazer ao público um grande samba, ‘No Reino da Fantasia eu fui Rei por um dia’, do Bugres do Cubango, composto por Bernardo e Edinho e interpretado por Gilson Pena Branca. O ponto alto resume-se à grande interpretação de Rico Medeiros na faixa ‘Uma ideia toda azul’, da gonçalense Boêmios da Madama. Viradouro, Souza Soares, Branco no Samba, União da Ilha da Conceição, Mocidade Independente do Bairro Almerinda, Cubango, Combinado do Amor e Caçadores da Vila foram as demais escolas a apresentarem seus sambas enredo para o carnaval de 1983 nesse elepê.

Gravadora: Cia. Industrial de Discos/Independente
Produção: Waldomiro João de Oliveira
Estúdio: Transamérica
Número de Faixas: 10
Apoio: Associação das Escolas de Samba e Blocos de Niterói e São Gonçalo e FLUMITUR

LP de 1983 - Acervo João Perigo
LP de 1983 - Acervo João Perigo

Tentando justificar a sequência das produções e a continuidade dos discos, as escolas então capricharam em 1984. Uma surpreendente produção de Jorge Luís no Estúdio Rancho brindou os niteroienses com o melhor elepê de sambas enredo locais até então. Os compositores, também inspirados naquele ano, contribuíram com obras que marcaram a memória carnavalesca da cidade, como ‘O sonho de Ilê Ifé’, do Viradouro e ‘Por que Oxalá usa Ekodidé’, do Cubango. As demais faixas, também bastante felizes em suas concepções e gravações, trouxeram grandes nomes novamente, como Aroldo Melodia (dessa vez pela Combinado do Amor) e Torino pelos Pacíficos.

Gravadora: Presença Edições Musicais / Independente
Produção: Jorge Luís
Estúdio: Rancho
Número de Faixas: 10
Apoio: AESBNSG
Capa: Pedro Ernesto

LP de 1984 - Acervo de João Perigo
LP de 1984 - Acervo de João Perigo

Parecia enfim que as produções decolariam. Em 1985, novamente um grande sucesso com a produção da própria Associação das Escolas de Samba e Blocos de Niterói e São Gonçalo e um bela capa de Maurício Vieira. O disco, gravado em dezembro de 1984, novamente foi unanimidade entre público e crítica, trazendo grandes sambas, dentre os quais destacava-se ‘Antigamente é que era bom’, da União da Ilha da Conceição, gravado por Aroldo Melodia e composto por Almir da Ilha, Jader Christo e pelo próprio intérprete. Os temas saudosistas, rememorando os antigos carnavais foram marca desse elepê, também estando presente nas faixas de Bohêmios da Madama e Corações Unidos.

Gravadora: Produção Independente
Produção: Ezio Filho e Geraldo Brandão
Número de Faixas: 12
Apoio: Associação das Escolas de Samba de Niterói e São Gonçalo e Prefeitura de Niterói
Capa: Fernando Nunes

LP de 1985 - Acervo de João Perigo
LP de 1985 - Acervo de João Perigo

Tudo parecia correr bem para as escolas niteroienses, até o fatídico desfile  de 1985. Com desfiles arrebatadores, Corações Unidos e União da Ilha da Conceição conquistaram empatadas o título, desbancando grandes escolas como Cubango e Viradouro. Insatisfeitas com o resultado e com recentes problemas na realização do carnaval na cidade, ambas finalmente cederam às pressões externas e migraram de maneira definitiva para o Rio de Janeiro, já a partir de 1986. O carnaval local resistiu ainda por uma década, vivenciando um rápido apequenamento que provaria futuramente ser sua derrocada. Com as produções fonográficas não seria diferente. 

Logo em 1986 já é perceptível a falta  que faz a faixa da Acadêmicos do Cubango na produção. A Viradouro, apesar de afastada, ainda participou do elepê, o que ainda assegurou que o mesmo não se tornasse um completo fracasso de vendas. A produção da SOM INDÚSTRIA E COMÉRCIO em parceria com a Copacabana Discos garantiu uma boa qualidade técnica e capa e contracapa belíssimas, com fotos coloridas de boa resolução dos desfiles de 198510. O compacto duplo contemplava ainda escolas dos grupos de acesso, algo inédito até então. No entanto, o declínio carnavalesco já havia sido iniciado e os discos permaneceriam suspensos, sem produção, por cinco anos.

Gravadora: Som Indústria e Comércio / Independente / Discos Copacabana
Produção: Talmo Scaranari
Estúdio: Estúdio Hara Internacional
Número de Faixas: 10 + 4 no compacto
Apoio: Associação das Escolas de Samba e Blocos de Niterói e São Gonçalo
Capa: Luiz Carlos GA

LP de 1986 - Acervo de João Perigo
LP de 1986 - Acervo de João Perigo

Apenas em 1992, a Prefeitura de Niterói, na figura do Prefeito Jorge Roberto Silveira, desengavetaria a ideia e produziria um último disco oficial das escolas da cidade.

A produção da Niterói Discos em parceria com a Sony contava com 12 faixas de agremiações que desfilavam na cidade e uma faixa extra com o samba que o Cubango apresentaria no carnaval carioca: ‘Negro que te quero negro’, de Ismael Nascimento, Odir Sereno e Plínio, na voz de Rogerinho e Neném Gavião11. As demais faixas foram os sambas da Mocidade Independente de Icaraí, Acadêmicos do Sossego, Sabiá, Combinado do Amor, Chega Mais, Acadêmicos da Carioca, Camisolão, O Bem Amado, Acadêmicos do Beltrão, Cacique do Viradouro, Unidos de Cafubá e Um Amor Para Todos.

Gravadora: Niterói Discos
Produção: Waldomiro João de Oliveira
Estúdio: Estúdio Hara Internacional
Número de Faixas: 13
Apoio: Associação das Escolas de Samba e Blocos de Niterói e São Gonçalo e ENITUR
Capa: Luiz Carlos GA

LP de 1992 - Acervo de João Perigo
LP de 1992 - Acervo de João Perigo

Ironicamente, no último disco produzido na cidade, o encarte seria estampado com a seguinte frase de César Augusto, então presidente da Associação das Escolas.

“O alento do sambista, sofrido, magoado e, às vezes, até discriminado, é poder ouvir o hino da sua escola. Que esta obra seja o início de uma nova era para o samba e venha mostrar ao mundo os valores de nossa terra.”

Em 1995, ainda houve a produção de uma fita, como o canto do cisne. Porém, a baixa vendagem e o rápido desgaste desse tipo de tecnologia tornaram essa obra extremamente rara nos dias atuais. Desde 1979 todos os discos haviam sido lançados também em forma de minicassete, sendo essa forma de apresentação igualmente rara, dadas as dificuldades de conservação e à preferência do grande público pelos elepês. Os desfiles, e consequentemente as produções fonográficas, seriam suspensos a partir de 1996, voltando apenas a existir após a revitalização, produzidos pela própria União das Escolas de Samba, sem nenhum apelo comercial, sendo apenas distribuídos durante os desfiles da Rua da Conceição, quando eram produzidos. 

Dentre todas as gravações em disco, as agremiações com maior participação foram Unidos do Viradouro (1974/ 1979/ 1981/ 1982/ 1983/ 1984/ 1985/ 1986), Acadêmicos do Cubango (1974/ 1979/ 1981/ 1982/ 1983/ 1984/ 1985/ 1992), Souza Soares (1974/ 1979/ 1981/ 1982/ 1983/ 1984/ 1985/ 1986) e Combinado do Amor (1979/ 1981/ 1982/ 1983/ 1984/ 1985/ 1986/ 1992). As agremiações que menos participaram, por estarem em grupos de acesso quando das produções ou por terem sido fundadas durante as décadas de 1980 e 1990, são Bafo do Tigre e Poço do Anil (apenas em 1974), Os Pacíficos (apenas em 1984) e Unidos de Cafubá, Um Amor Para Todos, Mocidade Independente de Icaraí, Sabiá, O Bem Amado e Chega Mais (Todas apenas em 1992).

Apesar da inconstância e dos revezes devemos agradecer aos sambistas de outrora pela luta em defesa do samba e pelas produções que nos legaram. Hoje trazemos na memória e nos pensamentos o passado de um grande carnaval, por anos considerado o segundo maior e melhor do país em desfiles de escolas de samba, graças a esses esforços e registros, que provam que o povo do samba, unido, pode sempre mais. Esperamos em breve ver o carnaval niteroiense novamente entre os grandes e, porque não, novamente produzindo registros oficiais de seus sambas para a posteridade.

REFERÊNCIAS

Os compositores e seus sambas. Jornal do Brasil, Edição 320 de 24 de Fevereiro de 1974, Pg 3.

Os compositores e seus sambas. Jornal do Brasil, Edição 320 de 24 de Fevereiro de 1974, Pg 3.

Carnaval de Niterói está ameaçado. O Fluminense, Edição 2942 de 28 de Outubro de 1979, Pg 9.

Encarte do elepê das escolas de samba do Rio de Janeiro, 1979.

Capa do LP de 1981

Capa do LP de 1982

Capa do LP de 1983

Capa do LP de 1984

Capa do LP de 1985

Capa do LP de 1986

Capa do LP de 1992

Encarte do LP de 1992


Publicado por: João Gabriel Costa de França Souza

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