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As moças do Mangue e outras moças

A arte de Lasar Segall, passando por movimentos como o Impressionismo e a Antropofagia.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Homenagem aos cinqüenta anos de morte do artista Lasar Segall

- Cruz credo, Seu Lasar, se eu tiver mesmo essa anca murcha e esse braço torto que o senhor me deu, não tem mais freguês que me encare no Mangue!

Foi o que disse a prostituta que posara de modelo, ao ver pronto o desenho.E sua colega de serviço ainda disse (mas só depois que o moço foi embora, porque seria falta de educação falar isso na sua frente) que não entendia como é que ele tinha conseguido ficar famoso com aquilo. O Zé do Porto pintava paisagens tão mais bonitas e quase não vendia. Pra ela, o Zé é que fazia arte de verdade. Arte bonita.

Essa conversa provavelmente nunca aconteceu. Pelo menos não nesses termos. Mas certamente tanto as prostitutas do Mangue quanto as “moças de boa família” de outros cantos do Brasil tiveram lá suas dificuldades para entender a arte daquele moço estrangeiro. Só umas poucas Anitas e Tarsilas gostavam daquela arte. Mas elas já a conheciam de outras terras.

Mesmo que o Impressionismo tivesse aberto as comportas já no século XIX, o público do século XX (especialmente nos países distantes da Europa, como o Brasil) ainda não tinha compreendido aquele dilúvio de novidades artísticas que pareciam surgir por todos os lados: Futurismo, Cubismo, Expressionismo… Fosse como fosse, aqueles que se chamavam “modernos” tinham a incômoda mania de pintar “feio” e pintar “errado”. Lasar Segall começou pintando bonito. Entrou em 1907 para a Imperial Academia Superior de Belas Artes de Berlin e foi três anos depois para Dresden, cuja Academia era quase revolucionária, se comparada com Berlin, pelo fato de ter dado certa abertura às influências do Impressionismo francês. Mas era o Expressionismo que entusiasmava as paletas mais jovens e revolucinárias. Segall envolveu-se no ambiente expressionista da cidade e amadureceu seu estilo. Mas Dresden também tinha seus Monteiro Lobatos e querer ser moderno (ainda) era querer comprar briga. Segall, que nem era do time dos mais radicais, como Felixmüller, acabou decidindo mudar para o Brasil, onde ele já tinha estado uma vez e onde fora bem recebido, tendo feito duas exposições bem sucedidas, uma em São Paulo e outra em Campinas. Além do mais, Segall era judeu e aquele era o ano de 1923.

Um dos primeiros com quem trocou figurinhas ao chegar em São Paulo foi Mário de Andrade. Para Mário, que vinha se distanciando das origens francesas da sua educação e se ligando à cultura germânica, Segall caía como uma luva, trazendo as últimas novidades da vanguarda européia, representando a nata das artes plásticas alemãs e contribuíndo para o desenvolvimento da cultura brasileira. Um gringo querendo nos ensinar como beber água de côco?!? Não era bem por aí: a intenção era atualizar o cenário cultural brasileiro (por isso a necessidade de contibuições como a de Segall) para poder-se produzir uma arte genuinamente nacional. Agora o significado de “arte nacional” já é tema para uma outra novela…

O caso é que sob os auspícios da Antropofagia Lasar Segall entrou para a nossa História da Arte – com todo o direito! Suas pinturas, que têm primordialmente a figura humana como tema, têm quase sempre uma cor pastel sem grandes contrastes. A timidez da cor é para não ferir a sensibilidade do tema. Mesmo quando ele fala sobre a morte e sobre a dor – e não é raro que fale sobre isso – ele não permite que as cores transformem a tela em um circo de horrores. Ele respeita a dor. A figura nem sempre conta com um fundo de apoio, ela vem por vezes isolada, sem qualquer paisagem ou arquitetura que a acompanhe. Assim, toda a atenção se concentra na figura representada e apenas ela, sem auxílio de atributos ou outras referências, é a fonte de sua expressão. A simplicidade. A essência.

Hoje em dia pode ser até que as trabalhadoras do Mangue nem achem as pinturas de Segall assim tão ruins. O Zé do Porto gostou e muito dos quadros do moço. Já naquele tempo.


Publicado por: Laura Rodrigues

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