Visões de Mundo, Valores e a Sociologia da Educação
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Introdução
A educação ao longo da história tem sido intrinsecamente entrelaçada com as visões de mundo e valores presentes na sociedade. Através da análise da sociologia da educação, podemos compreender como essas dimensões interagem e influenciam os processos educacionais. Neste artigo científico, adentraremos nessa interação complexa para aprofundar nosso entendimento e fornecer insights valiosos para a área da educação.
Um dos principais teóricos que nos permite visualizar os efeitos sociais do capital cultural no sistema de ensino é Pierre Bourdieu. Sua teoria da reprodução destaca como o sistema de ensino funciona como um lócus de reprodução social, no qual as desigualdades existentes na sociedade são reforçadas e perpetuadas. Compreender essa dinâmica é essencial para abordar as disparidades educacionais e buscar caminhos para uma educação mais equitativa.
Além disso, o trabalho de Lino de Macedo (2005) contribui para a compreensão da lógica da exclusão na educação. Nessa perspectiva, a busca por semelhanças é um mecanismo de segurança em face do desconhecido, enquanto o desconhecido é visto como uma ameaça. No entanto, para promover a inclusão, é crucial reconhecer e respeitar as diferenças e singularidades presentes em nossa sociedade diversificada. Essa abordagem sensível e inclusiva é fundamental para garantir uma educação que valorize a individualidade e promova a igualdade de oportunidades.
Ao observarmos a sociedade contemporânea, fica evidente que os alunos que frequentam as instituições de ensino são diversos em suas características e possuem uma notável capacidade de aprender e absorver novos conhecimentos. Essa diversidade traz consigo desafios e oportunidades para a prática educacional. É nesse contexto que emergem conceitos-chave, como Estado, Ideologia e Autonomia, que desempenham papéis cruciais na compreensão da dinâmica educacional.
O termo "ideologia", cunhado no século XVIII, ganha significado na análise do filósofo francês Louis Althusser, conforme explicado por Tomaz Tadeu da Silva (2013). A ideologia desempenha um papel fundamental na estruturação das relações de poder, influenciando as práticas educacionais e moldando as visões de mundo que permeiam a sala de aula. Compreender como as ideologias se manifestam na educação é essencial para uma análise crítica dos processos educacionais e a promoção de uma educação mais emancipatória.
Michel Foucault, outro importante teórico, traz sua perspectiva sobre a educação nas sociedades modernas. Para ele, a educação é moldada por técnicas disciplinares e de controle que têm como objetivo manter o poder e o controle social. Foucault nos desafia a questionar e repensar essas práticas, a fim de buscar formas mais libertadoras e emancipatórias de educação.
Diante dessas reflexões, este artigo propõe uma análise aprofundada dos conceitos de Estado e Ideologia, com o intuito de compreender como essas forças influenciam e moldam a educação contemporânea. Exploraremos a relação entre as visões de mundo, os valores presentes na sociedade e sua expressão no contexto educacional. Além disso, examinaremos a importância da autonomia no ambiente escolar, como um caminho para promover uma educação mais inclusiva e que valorize a diversidade.
Nossa abordagem tem como base a perspectiva científica e didática, buscando trazer clareza e embasamento teórico para as discussões. Ao compreender a interação complexa entre as visões de mundo, valores e a sociologia da educação, estaremos aptos a explorar soluções e estratégias que possam transformar a prática educativa, visando uma sociedade mais justa e igualitária.
Sociedade Moderna: Razão, Educação e Organização do Estado
A emergência da modernidade trouxe consigo transformações significativas nos campos econômico e cultural, reconfigurando a concepção de mundo com base em uma racionalidade fundamentada no conhecimento científico. Esse processo de racionalização influenciou a organização dos saberes, estabelecendo uma dinâmica de disciplina e normatização das relações sociais, que por sua vez envolve estratégias de dominação.
Dentro desse contexto, autores como Haroldo Resende, em sua análise do pensamento de Michel Foucault, percebem que o avanço da ciência na modernidade também acarreta opressão, controle e disciplina. Foucault examina os dispositivos que moldam e normatizam os indivíduos na sociedade moderna, destacando o papel determinante da escola nesse processo. Gradualmente, foi estabelecido o sistema escolar moderno, que desempenha um papel hegemônico na educação.
A modernidade apresenta dois aspectos primordiais nessa análise. Por um lado, os princípios de igualdade e liberdade, e por outro, a atuação incisiva do Estado, que envolve controle social e poder disciplinador sobre as condutas individuais. Resende destaca alguns aspectos relacionados à pedagogia na educação moderna, em que o modelo escolar se baseia em técnicas disciplinares e de controle.
Foucault realiza uma análise histórica desde o fim do Renascimento até a modernidade, identificando o surgimento das Ciências Humanas nos séculos XIX e XX. Ele estabelece comparações entre a obra de arte "Las Meninas" de Velásquez e a emergência do indivíduo como protagonista da cena, mas sob o olhar do soberano, ausente fisicamente, porém presente por meio do reflexo do espelho.
Nesse sentido, a infância é inventada pela modernidade, e a educação se torna um imperativo, resultando no surgimento da pedagogia moderna como um campo científico e uma política de conhecimento. Esse campo científico se constitui de discursos voltados para o estudo e a acumulação de saberes sobre a criança, seu corpo, desenvolvimento, capacidades, brincadeiras e vulnerabilidades. Esses saberes se entrelaçam em práticas discursivas que se inserem em mecanismos de poder, visando à produção de uma subjetividade infantil específica.
O saber pedagógico é considerado um conhecimento constituído por métodos e técnicas, institucionalizado para exercer seu poder por meio do controle e de mecanismos disciplinares. A noção de infância se consolida na modernidade, definindo a criança como um ser distinto do adulto, inocente e carente de cuidado e proteção. Essa criança precisa ser orientada e direcionada de acordo com prescrições normativas respaldadas pelo conhecimento científico, sendo inserida no processo de escolarização.
A formação da individualidade infantil no modelo escolar delineado pela modernidade se baseia em mecanismos científico-disciplinares, em que a norma e as medidas se tornam critérios para o funcionamento da maquinaria escolar. Em resumo, a modernidade trouxe consigo transformações econômicas e culturais, impulsionadas pelo conhecimento científico e pela racionalidade. A escola se tornou um importante instrumento de controle e disciplina, moldando a infância e produzindo uma subjetividade infantil específica. O modelo escolar moderno, fundamentado em técnicas disciplinares, visava governar a população infantil e garantir sua inserção na sociedade. Esse processo revela a interseção entre pedagogia, modernidade e poder, conforme explorado por Michel Foucault e Haroldo Resende.
Filosofia
Heywood (2010) introduziu o termo "ideologia" no século XVIII durante a Revolução Francesa para estudar o surgimento de ideias, como elas funcionam e o papel que desempenham na sociedade. Tomaz Tadeu da Silva (2013) explica o significado de ideologia através da análise do ensaio do filósofo francês Louis Althusser, que estabelece uma conexão entre educação e ideologia.
De acordo com o argumento central de Althusser, a persistência da sociedade capitalista depende de dois eixos principais: a reprodução de seus componentes econômicos (força de trabalho, meios de produção) e a reprodução de seus componentes ideológicos. Assim, a sociedade capitalista não se sustentaria se não houvesse mecanismos e instituições para garantir que o status quo não seja contestado. O primeiro mecanismo é realizado pelo aparato repressivo do Estado (polícia, judiciário), enquanto o segundo é responsabilidade dos aparatos ideológicos do Estado (religião, mídia, escola, família).
Tomaz Tadeu da Silva (2013) enfatiza que isso pode ser alcançado através da força ou persuasão, repressão ou ideologia. Segundo a definição de Althusser, a ideologia consiste em crenças que nos levam a aceitar as estruturas sociais existentes (capitalistas) como boas e desejáveis. Tomaz Tadeu da Silva (2013) explica ainda que a produção e disseminação da ideologia são realizadas pelos aparatos ideológicos do Estado.
O aparato ideológico fundamental é a escola, pois atinge quase toda a população por um longo período de tempo. Como a escola transmite a ideologia? Tomaz Tadeu da Silva (2013) destaca que a escola age ideologicamente por meio de seu currículo. Isso ocorre diretamente, através de disciplinas mais suscetíveis a transmitir crenças explícitas sobre as estruturas sociais existentes, como Estudos Sociais, História e Geografia, ou indiretamente, por meio de disciplinas mais técnicas como Ciências e Matemática.
Além disso, a ideologia opera de forma discriminatória: ela inclina indivíduos das classes subordinadas à submissão e obediência, enquanto os indivíduos das classes dominantes aprendem a comandar e controlar. Essa diferenciação é garantida por mecanismos seletivos que levam à expulsão de crianças das classes subordinadas antes de atingirem os níveis em que os hábitos e habilidades das classes dominantes são ensinados.
A Teoria Crítica e a busca pela emancipação na educação
Theodor Adorno (2006) discute a importância da emancipação no processo educacional. Ele enfatiza dois movimentos simultâneos que os educadores devem adotar. O primeiro é evitar a "barbárie", que representa uma disposição primordial em direção a impulsos destrutivos e agressão. Adorno alerta contra uma educação autoritária que não aborda essas tendências destrutivas, como evidenciado pelas atrocidades dos campos de concentração nazistas como Auschwitz. Em vez disso, ele defende uma educação emancipatória, que rejeita o autoritarismo, a repressão e o pensamento acrítico. Ao abraçar a autonomia e a reflexão crítica, essa abordagem visa desenvolver indivíduos capazes de resistir a impulsos destrutivos e contribuir para prevenir eventos bárbaros futuros. Em última análise, a educação desempenha um papel fundamental no cultivo de indivíduos críticos e autônomos, evitando assim a repetição de atrocidades como Auschwitz.
A interação entre indivíduo e sociedade na educação
O programa "Escola Sem Partido" no Brasil tem sido objeto de discussão e preocupação, especialmente em relação aos direitos humanos e à liberdade de expressão. O Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU ressaltou a importância do Art. 19 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, que protege a liberdade de pensar e compartilhar ideias, garantindo a autodeterminação social e cultural.
No entanto, os relatores alertam para os riscos desse programa ao limitar o desenvolvimento do pensamento crítico dos estudantes e sua capacidade de refletir e discordar em sala de aula. O movimento "Escola Sem Partido" influenciou projetos de lei em diferentes esferas governamentais, impactando o que os professores podem ensinar e comentar, até mesmo afetando avaliações de concurso público para ingresso no ensino superior.
As diretrizes presentes no cartaz do movimento visam evitar que os professores promovam seus interesses ideológicos ou constranjam os alunos com base em suas convicções políticas, morais ou religiosas. Também proíbem a propaganda político-partidária em sala de aula e incitação dos alunos a participarem de manifestações.
No entanto, críticos como Moacir Gadotti apontam para uma cultura de indiferença presente nesse movimento. Segundo ele, essa postura propõe uma escola que forma indivíduos indiferentes às políticas antissociais, baseando-se em uma cultura da indiferença individualista em relação à pobreza e às classes desfavorecidas.
Gadotti destaca a importância de uma formação política comprometida com a transformação social e critica a ausência dessa formação no movimento "Escola Sem Partido". Ele ressalta que a falta de uma cultura democrática e a manipulação que incita a intolerância e o ódio são preocupantes. Além disso, observa-se a presença da "cultura da delação" no ambiente educacional, o que pode comprometer a educação e suas conquistas das últimas décadas.
Celebrando a Pluralidade Étnica, Religiosa e Sexual no Contexto Educacional
A diversidade étnica, religiosa e sexual tem se tornado um tema fundamental no contexto educacional, exigindo uma reflexão profunda por parte dos educadores diante dos desafios da sociedade contemporânea. Essa reflexão pode se tornar um ponto de partida para transformações conceituais e práticas na educação, visando a inclusão de todos os alunos.
Em meio aos conflitos presentes na sociedade, é possível enxergar na valorização da diversidade um caminho para promover a permanência dos estudantes na escola e garantir uma educação para todos. O olhar diferenciado em relação ao pluralismo cultural se torna essencial nesse processo.
Mário Sérgio Michaliszyn destaca a importância de tornar visíveis as diferenças socioculturais e fornecer aos educadores subsídios teóricos para compreender e respeitar a diversidade. Essa abordagem contribui para uma educação humanizada, em que a escola se torne inclusiva, acolhendo alunos independentemente de suas características físicas, intelectuais, sociais, religiosas, étnicas ou sexuais.
A interação entre o indivíduo, a sociedade e a importância da educação
A relação entre currículo, poder e transformação social na educação é fundamental. O currículo pode estar voltado para manter o status quo ou para transformar conscientemente a realidade. A educação influencia e é influenciada pela sociedade, não havendo uma pedagogia isenta de pressupostos filosóficos. A disciplina no contexto educacional deve ser analisada de forma crítica, evitando-se a formação de corpos dóceis e disciplinados. É preciso evitar a imposição de poder disciplinador e buscar uma educação que promova a diversidade cultural e social. A sensibilidade e a autodeterminação são essenciais para uma educação emancipatória em um mundo em constante transformação.
Conclusão
Concluir o estudo das relações entre Estado, ideologia e Escola, juntamente com os aportes da Teoria Crítica de Michel Foucault e Louis Althusser, proporciona aos estudiosos uma base teórica sólida para compreender e refletir sobre o âmbito educacional em suas dimensões disciplinares e ideológicas. Analisar a relação entre indivíduo, sociedade e educação sob uma perspectiva sociológica, especialmente no que diz respeito às questões étnico-raciais, é essencial para os pensadores que buscam explorar as diversas concepções presentes nessa relação complexa. Ao direcionar o olhar para a formação de professores e a prática educativa em escolas de alta vulnerabilidade, é imprescindível promover uma educação pautada no diálogo entre educador e educando, com horizontes políticos voltados para a justiça social. Ao longo deste artigo, foram abordados temas como Estado, ideologia, autonomia na escola, teoria crítica, disciplina nas escolas e relações étnico-raciais, proporcionando uma compreensão mais ampla e crítica sobre a educação como fenômeno social.
Bibliografia
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UNESCO. Relações étnico-raciais nas escolas .Disponível em: < http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001459/145993 >
Publicado por: Fernando michel da Silva correia
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