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Notas Sobre o Negara – O Estado Teatro no Século XIX

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O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Negara – O Estado Teatro no Século XIX

 

 

“(...) as idéias não são algo de mental cuja observação seria impossível (...) significados veiculados através de símbolos, definindo estes como algo que significa (...) entre o simbólico e real, estético e prático (...) o real é tão imaginado quanto imaginário. Corolário: a política é acção simbólica.” (Nota de Apresentação)

Geertz pretende analisar as construções simbólicas efetuadas num lugar determinado e que se viram condicionadas por uma série de circunstâncias históricas, incluindo razões políticas, econômicas, etc. que marcaram o processo dos acontecimentos de Bali durante o século XIX e, especialmente, o Negara, o Estado-teatro balinês.

“(...) trata-se de uma incursão antropológica na história, através da reconstituição de uma formação social do século passado e da instituição do Estado; por outro, tem implícida uma crítica ao pensamento ocidental sobre a política e o Estado”. (p.X, nota de apresentação)

Por isso, o autor começa criticando as formas de elaboração da História em geral. Assim, podemos observar à aproximação histórica de uma civilização de duas formas. Em primeiro lugar, desde uma aproximação periodizante, que recolhe uma série de acontecimentos de transcendental importância que marcam as mudanças principais da civilização. Estes acontecimentos se distribuem numa continuidade temporal no qual a principal distinção seria anterior ou posterior. Desta forma se entende a história como uma sucessão de períodos unidos entre si. Em segundo lugar, a aproximação processual, que observa fases gerais de desenvolvimento sócio-cultural. Nesta se distribuem formas de organização e padrões culturais ao longo de uma continuação temporal no qual a principal distinção é pré-requisito ou conseqüência. Este enfoque apresenta o âmbito histórico como um processo social e cultural contínuo, que mal mostra rupturas abruptas resultando assim, numa dificuldade de constatar o momento exato das mudanças.  O tempo é fundamental em ambas as aproximações, na primeira é o fio no que se encaixam os acontecimentos específicos, enquanto na segunda é o meio através do qual se movem os processos abstratos (p. 16).

No entanto, no período da Indonésia Índica, é extremamente difícil recuperar os acontecimentos específicos. Pode-se então fazer reconstruções históricas totalmente desacertadas e inclusive, inventar esta história.

Aqui podemos observar uma crítica às construções históricas que se efetuaram sobre vidas de monarcas que são desconhecidas e suas lendas construídas. Igualmente vem desmontar as idéias sobre o nascimento do Estado e o modo de produção asiático, em referência a que o aparelho estatal surge nas sociedades dotadas de grandes recursos hidráulicos. Entretanto o Estado-teatro balinês, o Negara, terá pouco poder político quanto à realização efetiva, gestão e manutenção destes recursos hidráulicos.

O Negara, o Estado, o palácio, era uma afirmação de uma idéia de controle político, uma imagem da existência civilizada. O mito da conquista de Majapahit dá legitimidade à criação de um centro de poder e dá pé ao estabelecimento de um padrão de civilização. É uma linha divisória de Bali antigo, da barbárie animal, do Bali renascente, o da elegância estética (p. 27). Desta forma, Bali inicialmente, sobre o século XIV era governada desde uma única capital. No entanto, posteriormente foi dessagragada num grande número de cortes. Desta forma, entendemos a segmentação como a preeminência de alianças e conflitos entre segmentos de linhagens parentelas, circunstância sobre a que se assenta o poder e o governo. Estes segmentos se articulavam por sua vez com outros grupos de diferente natureza, como os comerciantes, do qual resultava um colage de grupos, formando redes de poder, interesse e clientela, que dificulta uma clara visão do centro político e econômico.

“Devido ao aparato índico, este sistema (ranking do prestígio) é normalmente apelidado de sistema de castas, mas em Bali é mais rigoroso referir-se como sistema de títulos ou de grupos de títulos (...)” (p. 29)

O modelo balinês não reproduzia perfeitamente uma sociedade de castas, mas se lhe assemelhava em grande parte.

 Desta forma, o resultado era uma pirâmide de reinos com diferentes graus de autonomia, baseando sua estrutura na cerimônia e o prestígio e sendo o domínio político real cada vez mais tênue conforme se ascendia na pirâmide. Estes reinos variavam em sua capacidade, podendo atingir graus de poder maiores ou menores. Esta situação dependia de muitos aspectos, mas um dos fundamentais eram o status de seus dirigentes, religiosos (Brahmana) e políticos (Satria e Wesia).

Por isso, o modelo balinês, a diferença de outros modelos de desenvolvimento político como o estadunidense, que se caracteriza por ir desde uma unidade inicial, dotada de maior esplendor e perfeição, até a posterior diversidade crescente, como conseqüente da glória passada. Mesmo assim, como os balineses sabem que não é possível corrigir sua própria história, nem também podem celebrar seu atual estado, tratam de rememorar as vidas gloriosas anteriores ao Gelgel. Eles esquecem também qualquer concepção historicista, não travam de procurar no passado as causas do presente, unicamente procuram um padrão para o presente, um padrão imutável para todo tempo, de forma que cada senhor tratava de estabelecer outro centro exemplar como na época dourada, outro Negara autêntico.

Nesta sociedade se davam duas forças: a centrípeta, própria do ritual do Estado exemplar e que tendia a unificar a este, através da formação de alianças com o objetivo de engrandecer a demonstração do príncipe; e a centrífuga, própria da estrutura política do estado.

Os elementos culturais e de poder entravam em contradição, de forma que o crescimento de um produzia a imediata decadência do outro.  De forma que quanto mais amplo era o alcance que pretendia a liderança exemplar, mas frágil era a estrutura política que o sustentava, já que se acomodava sobre redes de clientelismos.

Assim, a existência de uma série de rivalidades tanto longitudinais, isto é, de acima a abaixo da ilha, como transversais, competindo pela preeminência no sistema de drenagem, tinha várias conseqüências:

1) A forma das unidades territoriais, alongadas, da montanha à planície, com a capital justo no início das colinas.

2) A baixa correlação entre riqueza e poder. No entanto, a riqueza era superior nas partes altas das montanhas, cujos senhores possuíam as produtivas sacadas, além de ter maior controle sobre a irrigação. Era importante ter recursos econômicos, mas não era determinante para ter um maior poder e status.

3) A ingerência nos assuntos de outros senhores. Sempre tinha outro senhor de terras baixas disposto a colaborar num ataque contra outro vizinho.

No entanto, e apesar destas rivalidades, pelo geral, a integração longitudinal era bastante elevada, enquanto a transversal, tentada pelos senhores do centro da ilha, de onde procediam as maiores forças integradoras, era pouco exitosa, devido à busca constante de independência por parte dos príncipes das zonas situadas mais ao este e oeste. Por isso, as fronteiras eram elementos difusos, em nenhum caso fortemente estabelecido, senão que variavam de maneira que não apareciam os estados claramente delimitados. Assim, das triwangsa, "três gentes", procediam aos líderes locais. Estas eram: brahmana, satria e wesia. O resto, o 90% da população, eram os seguidores ou sudra.

“Os Holandeses, não queria, pelas habituais razões administrativas, definir de uma vez por todas a fronteira entre dois pequenos principados, convocaram os príncipes em causa e perguntaram-lhe onde se encontravam precisamente as fronteiras. Ambos concordaram que a fronteira do principado A ficava no ponto mais longínquo desde a qual um homem pudesse ver os pântanos, e que a fronteira do principado B ficava no ponto mais longínquo desde a qual um homem ainda pudesse ver o mar? Não tinham eles, então, lutado jamais pela terra do meio, da qual não se podia ver nem o pântano e nem o mar? ‘Mijnheer’, respondeu um dos velhos príncipes, ‘tínhamos razões muito melhores para lutar um com o outro do que esses miseráveis montes’”. (p. 39)

Como visto anteriormente, não se dava dentro destes grupos propriamente uma segmentação, senão uma diferenciação, já que deixava intactos os grupos antigos, que pese às mudanças dadas no interior. Estes grupos eram endógamos de ascendência agnaticia. O casal preferido era o formado pelo ego masculino casado com a filha do irmão do pai. A dadia, unidade básica do sistema (quase-linhagem), inclui a todos os indivíduos pretensamente descendentes agnaticios de um ancestral comum, formando uma unidade corporativa autônoma. Estas unidades estavam muito diferenciadas internamente, mas de cara ao exterior são indivisíveis.O clientelismo atuava como terceira instituição, além da bifurcação da população em dirigentes e dirigidos, e o sistema de afundamento de status, que conformava a política nacional. Este clientelismo supunha um escape à rigidez do status baseado na ascendência, dada sua natureza pragmática e a relação vis-a-vis que supõe. Evidentemente produzia uma rede de ataduras mais frágeis do que as dadias, mas em ocasiões suficientemente fortes para dar forma política à área.

A primeira esfera do clientelismo era a própria dadia. Além, também se exercia:

1) entre dadias mais poderosas e menos;

2) entre dadia política (satria e wesia) e dadia sacerdotal (brahmana);

3) entre dadia poderosas e grupos minoritários. Os perbekel, pequenos servidores públicos brokers, eram fundamentais nas relações clientelistas com o povo, a desa. As alianças ou laços interregionais transversais, uniam a dois ou mais dadias localmente dominantes e se observavam com maior facilidade. Era uma relação simétrica, a diferença do clientelismo, assimétrica. Aqui é onde se produziam intercâmbios ostentosos de presentes, dando-se a política dos grandes homens.

O povo ocupava-se dos aspectos da vida cotidiana e dos rituais populares. Aqui é onde se da à multidão de relações e grupos sobrepostos que às vezes diluem-se e outras se bifurcam, intercalando seus âmbitos de atuação, sobrepondo-se e limitando-se em multidão de ocasiões. Os dois grupos principais são o krama banjar, encarregado da segurança e política pública na comunidade civil, e o krama subak, ou sociedade de regantes. Estas eram completamente autônomas e, não tendo sistemas de fornecimento possuídos ou geridos pelo Negara, rompe-se a idéia do Estado fortemente centralizado elaborada. No sentido weberiano, podemos dizer que o Negara não era um estado federativo, nem burocrático, nem patrimonial.

A luta pelo status, a crença manifestada na desigualdade, numa representação perfeita de cerimônias, que manifestavam a grandeza do senhor que as levava a cabo, através de suas relações de aliança, incluindo suas redes clientelistas, com o ritual de abertura da água, mostra-nos a importância das manifestações simbólicas no Negara. As diferentes regiões se configuram como arena políticas nas quais se dirige a luta pelo status, que forma a realidade da vida política. Nos diferentes espaços: sagrados, públicos, residenciais, etc. onde se vêem os senhores com os deuses, os homens, os outros senhores ou suas famílias, onde exercem a liderança e participam na competição, tão peculiar da sociedade balinesa.

O autor recorda que o discurso político moderno do estado tem três temas etimológicos concentrados em seu interior: o status, a pompa e o governo. É característico nesse discurso que este último, o governo, tenha vindo dominar o termo. No entanto, a idéia de Negara abarca um campo mais diverso do que o de Estado. Aqui, a interconexão entre status, pompa e governo, segundo o autor, é sempre visível e ainda mais se prega de forma interessada, sendo desta maneira fundamental na teoria política as dimensões simbólicas do poder estatal. Sua contribuição é clara, as visões sobre o estado geralmente reduzem os aspectos semióticos e simbólicos, a folklores em sentido pejorativo que, escondem a exploração, incham a autoridade ou moralizam o procedimento. No entanto, se reduzimos o Negara a isto, ao debate do Estado do Ocidente, que além de cair no etnocentrismo, perderemos sua contribuição mais importante, ou seja, que o status era a meta principal que procuravam os governantes:

“Compreender o Negara significa localizar essas emoções e analisar esses actos; elaborar uma poética do poder, não uma mecânica. O idioma do rank não só formava o contexto dentro do qual as relações práticas dos principais tipos de actores políticos (...) ele permeava também os dramas que eles conjuntamente montavam, e os propósitos maiores que os montavam. O Estado extraía ia buscar a sua força, que era deveras real às suas energias imaginativas, à sua capacidade semiótica de fazer com que a desigualdade encantasse”. (p.156)

Assim, afastando-se das correntes que fundamentam o poder na coerção ou no seguimento das elites. Entende que, o que caracteriza o ser humano não é o fato de viver num mundo material, circunstância por outra parte comum com o resto das espécies animais, senão o fazê-lo segundo um esquema significativo do que só a humanidade é capaz. Por isso não podemos pensar no simbólico como algo menos real que o prático.

“Antes de tudo mais, O Estado balinês era uma representação da forma que a realidade estava organizada”. (Idem)

Bibliografia:

GEERTZ, Clifford. Negara O Estado Teatro no Século X I X. Rio de Janeiro: Bertrand (1991).


Publicado por: Diogo Fernandes da Silva

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