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MATERNIDADE, CAPITALISMO E QUESTÃO SOCIAL: uma análise da assimetria de poder dos papéis sexuais e da incidência da maternidade como expressões da "questão social”

Análise da assimetria dos papéis sexuais e da incidência da maternidade como expressões da "questão social”.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Introdução

Esse trabalho busca discutir e correlacionar a ”questão social” com a assimetria de poder dos papeis sexuais agudizada pela incidência da maternidade nas expressões da "questão social” apresentando breve analise de como isso reflete na forma com que olhamos e entendemos a maternidade, oferecendo dessa forma analise sobre os aspectos que envolvem os marcadores da exclusão e empobrecimento das mulheres mães dentro do sistema capitalista moderno.

O Desafio de buscar, analisar e produzir discussões na área do Serviço Social que sejam voltadas à problematização da condição da mulher dentro do regime capitalista segundo suas especificidades e contexto sócio-histórico se faz necessário para a prática profissional ao ponto que oferece uma visão feminista e atualizadas a questão do conflito capital/trabalho no que tange as relações sócias de sexo¹.

Com base na análise bibliográfica dos textos apresentados neste trabalho verifica-se a importância de debates que abordem, para além de raça e classe, as relações assimétricas dos papéis sexuais e a agudização da incidência da maternidade como uma das expressões da “questão social”.

O estudo foi impulsionados pelas discutições provocadas pela Professora Valéria Bastos na disciplina SERVIÇO SOCIAIS E QUESTÃO SOCIAL do programa de mestrado em Serviço Social da PUC-Rio .

Metodologia

Realizado por pesquisa bibliográfica, analisando os textos, que problematizam a questão social, no contexto do processo de produção capitalista na sociedade madura, e de textos que analisam a condição da mulher, considerando a interseccionalidade de raça e classe, e as tensões relacionadas a divisão dos papéis sexuais que historicamente atribuíram às mulheres um lugar de subalternidade, e consequentemente, mais agudizados ao analisarmos as condições das mães em condição de vulnerabilidade. Dessa forma a analise bibliográfica nos permite investigar as indicações de como essas assimetrias impactam a vida das mulheres em um mundo dominado pelo capitalismo.

Objetivo

Correlacionar às assimetrias de gênero agudizadas pela incidência da maternidade às expressões da "questão social” no objeto de estudo pesquisado.

Discussões

Questão social e expressões da "questão social”.

Compreender a origem da expressão "questão social” é primordial para perceber como o processo de produção de acumulação provocou pobreza massiva, pobreza que já não se dava pela escassez, mas pelo processo de industrialização iniciado no século XVIII (NETTO, 2001). O pauperismo, como “fenômeno novo”, não tinha precedentes na história, assim [“...] era radicalmente nova a dinâmica da pobreza que então se generalizava” (NETTO, 2001, p. 42).

Pastorini (2004) corrobora com NETTO ao analisar que foi no decorrer do século XIX que a expressão “questão social” passou a denominar o fenômeno do pauperismo quando as tensões do movimento dos trabalhadores, do Estado e da burguesia se intensificaram. “A designação desse pauperismo pela expressão “questão social” relaciona-se com seus desdobramentos sociopolíticos” (NETTO, 2001, p.43). Nesse aspecto, a questão social torna-se uma questão política “quando a classe operária faz sua aparição no cenário político da Europa Ocidental” (PASTORINI, 2004, p.103).

Concordando que não há, como afirmam Castel (1998) e Rosanvallon (1998), uma “nova” questão social, Netto (2001) e Pastorini (2004) discorrem que o que os autores analisam como umas “novas” questões sociais, essencialmente, são novas expressões da questão social, e que essas expressões preservam traços a questão social oriunda do século XIX. Segundo PASTORINI (2004, p.112) “continua sendo um conjunto de problemas que dizem respeito à forma como os homens se organizam para produzir e reproduzir num contexto histórico determinado, que tem suas expressões na esfera da reprodução social”, contudo "assume expressões particulares dependendo das peculiaridades específicas de cada formação social [...] e forma de inserção de cada país na ordem mundial” (PASTORINI, 2004, p. 112). Nesse sentido, a formação das novas configurações, observadas pelo conceito de interseccionalidade - raça, etnia e das relações sociais de sexo - que se relacionam de múltiplas formas com as transformações societárias no capitalismo maduro, explicam a emergência das expressões da “questão” social em contraponto a “nova” questão social, conforme corrobora Yazbek (2001) ao afirmar que a [...] questão que se reformula e se redefine, mas permanece substantivamente a mesma por se tratar de] uma questão estrutural [...] Questão que na contraditória conjuntura atual [...] assume novas configurações e expressões." (YAZBEK, 2001 p.3:3 in PASTORINI, 2003. p.103).

Assimetrias de poder dos papeis sexuais e a incidência da maternidade como expressões da “questão social”

Estudos feministas têm contribuído com a renovação crítica do Serviço Social ao trazerem a perspectiva das relações sócias de sexo para o debate nas formações de novos profissionais da área. Nesse aspecto compreender as assimetrias de poder no que tange os papeis sexuais, que está intimamente ligada com a relação de poder do homem sobre mulher, e a agudização dessas assimetrias ao interseccionalizarmos (COLLINS, 2020) a incidência da maternidade, a raça e a etnia, nos possibilita observá-las e analisá-las como uma das expressões da questão social.

Conforme GERDA:

A apropriação da função sexual e reprodutiva das mulheres pelos homens ocorreu antes da formação da propriedade privada e da sociedade de classes. “A transformação dessa capacidade em mercadoria, na verdade, está no alicerce da propriedade privada.” (GERDA, 2019, p. 33).

CISNE e SANTOS (2018) colabora que a constituição das mulheres como classe social e histórica interpelou a concepção de classe ao apontar desigualdades conformadas no seu interior pela relação de outras relações sociais de opressão.

No contexto brasileiro, a apropriação das funções reprodutivas da mulher - aqui analisada por suas raízes e expressões patriarcais - foi primordial para garantir séculos de mão de obra escrava, pois a “utilização da força de trabalho escravizadas nas colônias constituíam o meio adequado a fim de se levar avante o processo da acumulação ordinária” ( SAFIOTI, 2013, p.207 apud CISNE; SANTOS 2018, p.102).

Sabemos que a exploração da força do trabalho de homens e mulheres é a

matéria prima do modo de produção capitalista. E também sabemos que desde a emersão do capitalismo, ao longo de sua origem e história, o “moinho satânico²” tritura o proletariado até o seu descarte. O ciclismo natural do sistema capitalista atinge tanto os trabalhadores quanto às trabalhadoras, no entanto, quando analisamos a situação da mulher dentro desse sistema faz-se necessário observar as “particularidades na forma de exploração feminina que requer além da luta anticapitalista, uma ação coletiva das mulheres capaz de construir uma sociedade verdadeiramente emancipada, autodeterminada e livre”(SOARES, 2021, online).

Dentro do sistema capitalista moderno, onde a "questão social” também é percebida através de suas expressões, compreender a materialidade histórica da opressão das mulheres e o uso de seu potencial reprodutivo como fonte de exploração laboral nos permite relacionar as assimetrias de poder dos papeis sexuais e a agudização da incidência da maternidade como uma das expressões da “questão social".

Conclusão

A partir das discussões dos autores podemos entender que a mulher, vítima de múltiplos sistemas de opressão que se correlacionam - como sexismo, classismo e racismo - insere-se nos espaços entendidos como expressões da questão social através das assimetrias de poder relacionadas os papeis sexuais.

Relacionando essas discussões com o objeto analisado nesse trabalho é possível observar, por essa perspectiva, que o movimento de exclusão e empobrecimento de mulheres mães, pode e deve ser debatido dentro do Serviço Social como uma das expressões da “questão social”, sendo o pauperismo o produto mais observável, mas que esconde aspectos intimamente ligados à história da mulher, da sociedade de classes e do capitalismo como produtor de diferenças sociais e econômicas.

Notas

¹ Devreaux (2005) utiliza o conceito de Relações Sociais de Sexo ao analisar que “ gênero e relações sociais de sexuais se distingue em muitos ângulos” sendo que “Relação social de sexo explicita o sexo enquanto o segundo termo evita menciona-lo e o eufemiza”. Para Devreaux as relações entre homens e mulheres constituem uma relação social.

² Karl Polanyi (2000), em A Grande Transformação, descreve e analisa os processos de mudanças societárias, políticas e econômicas que emergiram na Inglaterra do século XVIII. Com o estabelecimento de uma economia de mercado que se estendia da Inglaterra para o restante do mundo. Ele defende a ideia de que o grande progresso técnico dos instrumentos de produção, originários da Revolução Industrial, acompanhou de uma hecatombe nas vidas das pessoas comuns (POLANYI, 2000, p. 51). Assim o autor engendra o termo Moinho Satânico a essa transformação que moeram os homens, metamorfoseando-os em massa (POLANYI, 2000, p. 51).

Referências

CASTEL. Robert. As metamorfoses da questão social. Petrópolis, Vozes. 1998.

CISNE, Mirla: SANTOS, Silvana Mara Moraes dos. Feminismo, diversidade sexual e serviço social.In : Biblioteca básica do Serviço Social, v. 8. São Paulo: Cortez, 2018.

COLLINS, Patrícia Hill; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. São Paulo: Boitempo, 2020.

DEVEAUX, Anne-Marie. A teoria das relações sociais de sexo: um quadro de análise sobre a dominação masculina. Revista Sociedade e Estado, 2005.

GERDA, Lerner. A criação do patriarcado. São Paulo Cultrix, 2019.

NETTO. José Paulo. Cinco notas a propósito da “questão social”. In: Revista Temporalis, 3. Brasília: ABEPSS, Grafiline, 2001, p. 41-51

PASTORINI, Alejandra. Delimitando a questão social: o novo e o que permanece. In: A categoria “questão social” em debate. São Paulo: Cortez, 2004.

POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Tradução de

Fanny Wrobel. 5. ed. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

ROSANVALLON. Pierre. A nova questão social. Brasília. Instituto Teotônio Vilela, 1998.

YZABEK, Maria Carmelita. Assistência social brasileira: limites e possibilidades na transição do milênio. São Paulo. Junho de 2001.


Publicado por: Ivana de Oliveira Eugênio de Souza Moura

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