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Espelho Onde se "Revê" e se Descobre a Própria Imagem o Movimento Ecomuseu Sepetiba – Desafios e Perspectiva

O Ecomuseu é um instrumento que permite reconhecer e redescobrir o que da identidade à Sepetiba.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Resumo:

O bairro de Sepetiba,localizado na cidade do Rio de Janeiro, vem ao longo de sua história sofrendo mudanças que levaram a um processo de estagnação politica e econômica, provocada, em especial, nos ultimos anos, pela dagradação ambiental sofrida, seja pela criação de um distrito industrial no bairro de Santa Cruz  e /ou pela criação de um porto na cidade de Itaguaí. O espelho é uma analogia que simboliza um dos eixos de ação do Movimento Ecomuseu de Sepetiba, que é a recuperação da auto-estima dos moradores.

O ecomuseu surge assim, como um instumento que nos permite reconhecer e redescobrir o que nos dá identidade, mesmo que no presente, o que nos configura não é somente o belo do passado, mas o desejo de transformação, de mudança para um futuro melhor. Nesse processo de três anos, o ecomuseu vem conquistando mais espaço e mobilizando cada vez mais o bairro de Sepetiba.

Palavras chave: Identidade – Memória – Patrimônio - Mobilização

O discurso que prioriza o desenvolvimento social já é lugar comum em nossa sociedade, contudo basta um olhar mais aguçado para constatarmos que na maioria das grandes cidades do nosso colossal Brasil nunca há um planejamento adequado de infra-estrutura para a população. Desenvolvimento / crescimento não são análogos, e em nosso caso a urbanização desenfreada, a febre industrial, o deslocamento de populações inteiras principalmente durante o governo Lacerda, dentre outros fatores contribuíram e muito para atual situação da região aqui apresentada, Sepetiba, bairro da cidade do Rio de Janeiro. Identificar esse fenômeno social exige um exame mais aprofundado, entretanto faremos aqui uma breve análise das transformações sociais; das relações de poder envolvidas na questão a ser avaliada.

O presente texto tem por escopo oferecer subsídios para a compreensão do fenômeno social que tem sua visibilidade assegurada pelo processo de degradação e preterição da memória do bairro carioca de Sepetiba. Adotando uma postura reflexiva que prima, sobretudo, pelo debate e pela valorização desta localidade. Prevê-se ainda, como base preliminar o teste das teias discursivas nas quais se opera a negação da identidade e dos símbolos dessa localidade que tudo teria para requerer o status de um centro alternativo da cidade do Rio de Janeiro.

Um longo caminho a ser trilhado

O dia 25 de outubro de 2009 nunca mais será esquecido pelos precursores do Movimento Ecomuseu Sepetiba, pois desencadeou um processo de reconhecimento, uma “redescoberta”. Neste dia o bairro foi presenteado com a sua inclusão no roteiro da I Jornada de formação em Museologia comunitária realizada pela SMC/ Coord. de Museus, Ecomuseu de Santa Cruz, NOPH, ABREMC, UMCO, através da realização de uma Roda de Lembranças no Centro Comunitário Santo Expedito (Sepetiba).

Iniciava-se então o “Movimento Ecomuseu Sepetiba”. O reconhecimento enquanto processo ecomuseológico encaixou-se perfeitamente nas necessidades da comunidade e do meio ambiente da região, pois o Ecomuseu vai além da ecologia, seu conceito é muito mais complexo, o termo está ligado a numerosos outros conceitos como o de território, espaço como objeto de interpretação, reserva ambiental dentre outros, lugar de memória viva. Sepetiba é rica em histórias e memórias, e ainda existem muitos moradores e moradoras interessados em perpetuá-las, sabendo que o ecomuseu é representativo ele deve decorrer do território e de sua população, como afirma Hugues de Varine é essencialmente cooperativo, e justamente nesta questão encontra-se o nosso grande desafio, a participação e a mobilização dos habitantes. (VARINE, 2006)

Devido a todo o processo de degradação ambiental ocorrido na localidade aqui tratada, famílias inteiras viram-se desamparadas economicamente, pois viviam da pesca, do turismo, e de todo o resto de atividades econômicas relacionadas com o meio ambiente, com a baía de Sepetiba. Com a degradação da baía o único meio de subsistência dessas famílias foi-lhes tirado, já não podem viver exclusivamente da pesca, toda a comunidade era voltada para atividades relacionadas ao turismo e a pesca, conseqüentemente dependia das temporadas de veraneio, há necessidade de um trabalho intenso e ininterrupto para ajudar na recuperação da economia local, da auto-estima dos moradores e no desenvolvimento.

Nas palavras de Odalice Priosti o Ecomuseu:

“é um espaço de relações entre uma comunidade e seu ambiente natural e cultural, onde se desenvolve, através das ações de iniciativa comunitária, um processo gradativamente consciente e pedagógico de patrimonialização, apropriação e responsabilização dessa comunidade com a transmissão, cuidado e transformação do patrimônio comum e, consequentemente, com a criação do patrimônio do futuro”. (apud: MAGALDI, 2006)

O Ecomuseu ao labutar em favor do desenvolvimento da comunidade deve levar em conta os problemas e questões colocadas em seu âmago tratando-os de maneira crítica analítica e estimulando o processo de conscientização, mobilização e a criatividade da população, para isso utilizando as informações do seu passado e presente para que ela venha a pensar o futuro de forma questionadora e esperançosa. Logo “(...) todo amanhã se cria num ontem, através de um hoje (...). Temos de saber o que fomos, para saber o que seremos”. (FREIRE, 1982, p. 33)

Sepetiba foi palco de importantes acontecimentos durante as três principais fases da história do país: Brasil Colônia, império e república; povoado pelos corajosos índios Tamoios, foi aldeamento jesuítico, cenário da batalha naval contra os holandeses, sua baía e praias serviram de local de desembarque para o quinto do ouro, tráfico do mesmo, tráfico de escravos, de pau-brasil, cenário da luta dos corsários dentre outros muitos acontecimentos. Personagens históricas passaram pelo bairro de Sepetiba e navegaram pela baía reconhecendo sua beleza e tranqüilidade, como D. João VI, D. Pedro I, D. Leopoldina, José Bonifácio, o Visconde de Sepetiba, Jean Baptiste Debret dentre muitos outros; abrigou republicanos e anti-republicanos; foi cenário da tragédia ocorrida durante o período de transição Império/República: o fuzilamento dos marinheiros na ilha da pescaria (Ilha dos marinheiros) saraus, touradas eram realizados constantemente, as cirandas características da população caiçara local, dentre muitos outros eventos não disseminados ou com sua veracidade ainda não comprovada.

A partir de uma série de movimentos, iniciativas individuais e de grupos locais a situação de descaso, “esquecimento” e a consequente desvalorização por parte dos moradores (as) vem se transformando, desde a década de 1990 com ações como os “abraços” simbólicos na praia de Sepetiba, o enterro simbólico da praia etc.,realizados por grupos como o S.O.S baía de Sepetiba, CORES (comissão de revitalização de Sepetiba) etc. contudo o descaso das autoridades competentes para com a região é notório. No momento estão sendo realizadas obras de reabilitação ambiental na praia de Sepetiba, uma pequena extensão da praia de Sepetiba foi aterrada por mantas de geotêxtil e areia, entretanto Sepetiba possui outras duas praias, a do Recôncavo ou Dona Luíza e a praia do Cardo, onde nada está sendo realizado.

A roda de lembranças e a comemoração do aniversário do bairro que havia sido esquecida desde o inicio da década de 1990, voltando a ser realizada no ano de 2008 despertaram de certa forma um orgulho que havia adormecido nos moradores (as) do local, pois a partir deste ano foram expostas fotografias antigas, textos, livros sobre o bairro, matérias de jornais antigos etc., que possibilitaram aos novos moradores a “descoberta” do seu bairro e aos antigos a “redescoberta”.

Quando fazemos a analogia ao espelho, podemos ser mal compreendidos, principalmente em uma localidade comprometida, com sua paisagem “desfigurada” e degradada [1] como Sepetiba, entretanto de forma alguma pretendemos culpabilizar os moradores, o que ocorre neste local é conseqüência de todo um sistema, de uma divisão da cidade que vem se configurando há muito tempo, desde a primeira república, a divisão das regiões da cidade, dos bairros mostra os seus objetivos, separar a população e priorizar determinadas regiões / localidades, pouco se sabe e pouco se deseja saber sobre as relações de poder que estão na base da dialética da exclusão, como algumas localidades foram de fato excluídas e quais foram as lutas ainda longe de serem concluídas que nos trouxeram até esse momento, no qual, pelo menos tais lutas tornaram-se verdadeiras.

Como dito anteriormente, a realização de uma oficina durante a I Jornada de Formação em Museologia Comunitária despertou nos moradores do bairro a necessidade de organizar e orientar o seu desenvolvimento com participação democrática, usando a “ferramenta” Ecomuseu.

Isso nos gera novas questões que remetem ao tema deste encontro. Como permitir que quem deseja participar ativamente do processo do nosso Ecomuseu, realize essa atividade da melhor maneira possível? A resposta mais assertiva é a Capacitação dos Atores do Desenvolvimento Local em sepetiba.

Nestes quase três anos, nos encontramos em um processo de envolvimento comunitário, ou seja, tentando abranger a comunidade como um todo; o Movimento Ecomuseu Sepetiba vem realizando uma série de atividades, que em primeiro momento, motiva e reune um grupo de pessoas que buscam liderar, ou melhor, facilitar esse processo ecomuseológico. Mas trata-se de um processo lento e difícil, gradual, a população local é habituada com politicagem e espera imediatismo, o que em um processo ecomuseal não é possível.

Nesse contexto, estamos estudando e adaptando à nossa realidade, as técnicas aprendidas aqui no Brasil e em outros países, em especial, com a experiência mexicana, nos permitem avançar mais no processo de sensibilizar e despertar nos moradores o sentimento de pertencimento, elemento fundamental para uma participação comunitária efetiva.

A nossa perspectiva para a capacitação de nossos atores está focada no diálogo com as diversas instituições do bairro, onde nos preocupamos em aumentar a rede de participantes e na elaboração de um plano de trabalho anual com a realização de oficinas sobre museologia comunitária, participação e liderança comunitária, aprofundamento nos conhecimentos do território e da história local, para que esse grupo possa mobilizar de maneira dinâmica, a comunidade do bairro de sepetiba.

Referências bibliográficas:

FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler. São Paulo: Cortez Editora, 1982.

____________Educação como Prática de Liberdade. 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e     

     Terra, 1983.

_____________Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários a Prática Educativa.

33 ed.  São Paulo. Paz e Terra, 1996.

MAGALDI, Monique Batista. O Ecomuseu do Quarteirão Cultural do Matadouro de

Santa Cruz: Estrutura e Propostas. 2006. Disponível

em:

VARINE, Hugues. O Museu Comunitário é Herético?. Trad. O.M.P. Quarteirão, Rio de Janeiro, Abr, p.12, 2006.


[1] *Bianca Wild – Cientista social/FEUC-FIC/RJ e Especialista em gênero e sexualidade UERJ/ PPGMS ;  Articuladora do movimento  Ecomuseu  Sepetiba  - Rio de Janeiro / Diretora de Raça, gênero e etnia da UNEGRO pólo I.A.O/ Sepetiba / Docente SEEDUC RJ -  biancawild@gmail.com

[2] Para entendermos como as modificações na paisagem natural deste bairro, os reflexos desse crescimento e “desenvolvimento” influenciaram na vida, na construção das identidades dos moradores (as), na auto-estima etc. precisamos entender  a paisagem enquanto patrimônio e alguns conceitos básicos como o de   lugar enquanto espaço onde vivenciamos nossas experiências e o de paisagem, que pode mostrar como se organizou uma sociedade em um determinado momento histórico, ao longo dos anos de sua existência.

“A paisagem não é boa, nem má, e sim um reflexo, e faz parte do ambiente cultural (cultura viva- paisagem / gestão coerente da paisagem).”O objetivo de qualidade paisagística deve ser formulado pelas autoridades competentes, não se deixando de levar em consideração a responsabilidade e a participação da comunidade nesse procedimento.(...) a coletividade, a interação na gestão, criação e elaboração de programas de desenvolvimento é imprescindível (indústria/empresa  intervenções sobre os domínios para o desenvolvimento a partir de uma ação conjunta).”(Anotações pessoais da conferência: Comunidade, Patrimônio, Paisagem e Desenvolvimento Local - ministrada por  Hugues de Varine,  no Colóquio: Comunidade, Indústria e Desenvolvimento Local – O Diálogo Possível  - 2011)


Publicado por: Bianca Wild

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