Diversidade - uma breve reflexão
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Se pensarmos na história das ciências, poderemos nos arriscar dizer que a diversidade foi observada e analisada a partir de relações ordenadas, hierarquicamente, entre as coisas. Assim, os elementos da natureza, estudados pela química, passam a ser apresentados por suas relações de poder: o mais forte, o mais fraco. Na fisiologia animal, justificou-se a dominância dos machos. Ademais, se desenvolveram, paulatinamente, argumentos científicos a partir da observação para uma classificação hierárquica, a exemplo da botânica: órgãos feminino e masculino orientarão o olhar sobre os demais objetos na natureza, expressivamente, os humanos. Se a classificação for um impulso natural do ser humano, como é dito por alguns historiadores, não o é a descrição das coisas em suas características a fim de construir uma definição. Isto porque, a forma, a cor, entre outras características obtidas por nossos sentidos, são relacionadas com o que já é conhecido.
A diversidade na natureza não foi pensada do mesmo modo ao longo dos séculos e, é por isso que, atualmente, discutimos que os conceitos devam ser compreendidos histórico e socioculturalmente para repensarmos as “posições” nas quais inserimos as coisas, uma vez que “descobrimos”, por exemplo, estar equivocados quanto à hierarquização das espécies, seja inter ou entre espécies, em particular, da humana.
O olhar sobre as coisas é o princípio para refletirmos sobre como fazemos e fizemos ciência. Os pré-conceitos foram resultados de, obviamente, prévias análises sobre o que observamos. No entanto, o ato de discriminar as coisas, de classificar, nunca foi, tão somente, a apresentação de um caráter objetivo. Os nomes dados às coisas são subjetivos. O tamanho das coisas, a largura, o comprimento, a profundidade, ou o desenvolvimento das coisas, do nascimento à morte, ou seja, o espaço e o tempo são pontos de apoio nas nossas reflexões. Continuamos a nos questionar: por que penso assim?
Tal questionamento nem sempre foi respondido sob as mesmas referências. A ideia de verdade foi essencial para a credibilidade do desenvolvimento das ciências até o século XX, ou seja, se acreditava na ordem das coisas apresentada. Na virada deste século, e mais tensionalmente pós-segunda guerra mundial, se tem a ciência como um objeto de estudo, como um problema, e que ela mesma deverá ser investigada e pensada. Assim, uma história das ciências é uma história da humanidade e das relações entre seres humanos e seres não humanos, já que essa dualidade implica a que somos nós, os humanos, que registramos essa história.
Fazer uma história das ciências já é demonstrar que a linguagem tem poder. Assim o fizemos com histórias particulares como as histórias sobre as populações humanas. Saliento o desenvolvimento das ciências humanas a descrever e classificar, hierarquicamente, os humanos em relação aos diferentes grupos e ainda no interior dos grupos, como, por exemplo, entre homens e mulheres. Hoje, discutimos como e a partir de quais argumentos, quais referências, construímos, socioculturalmente, as ideias sobre homens e mulheres, sobre brancos, amarelos, negros e vermelhos. No entanto, assim como nas ciências da natureza, as ciências humanas, antes chamadas ciências “do homem”, mostraram seus poderes para a exclusão ou, até mesmo, o extermínio do erro, da aberração, do anormal, do estranho.
Milton Santos, negro, ciente da sua ascensão e crítico quanto à expressão disso nos meios que supervalorizam a meritocracia, comentou num texto intitulado “Ser negro no Brasil hoje: ética enviesada da sociedade branca desvia enfrentamento do problema negro”, sobre a ascensão social de negros no Brasil ser, comumente, resultado de expressões veladas ou ostensivas de ressentimento e ainda para que não haja quaisquer manifestações de inconformidade, já que a democracia racial é o exemplo brasileiro. Tocar neste ponto é sempre um dilema político. E nesse ínterim, as ações políticas dominantes ainda são tão somente “comemorações” para o deleite dos brancos sobre a negritude. Salvo a importância da visibilidade, diferentes dados estatísticos, seja em relação à renda, escolaridade, ocupação ou gênero, apresentam um “problema negro”. As reações se deleitam em discursos hipócritas como os do tipo: guarde o seu preconceito para si, não o manifeste ou, cotas raciais favorecem a segregação. Daí, as discussões ficam mais agressivas quando há propostas de substituições semânticas para definir o politicamente correto e o juridicamente estabelecido para condenar e aliviar quaisquer ressentimentos, como o exemplar “companheiros e companheiras” em relação à questão do gênero.
Em suma, como Santos diz, “o debate sobre o negro é prisioneiro de uma ética enviesada” (p.3). E por ser ética, já há uma noção estabelecida de determinada moral, dos valores, do que é certo e errado. Para falar de racismo, mesmo mentes sensíveis se rendem a desacreditar em ou amenizar as práticas “maldosas” no Brasil e acabam por auxiliar no enviesamento da ética da igualdade de seres humanos como espécie.
Com muitos dados estatísticos e aparato histórico para, intensamente, reforçar as condições de formação da sociedade brasileira, é possível convencer essas mentes sensíveis sobre a necessária política de ação afirmativa, as malditas cotas. Aqueles que sobrevivem na “bolha” de suas experiências mais recentes, mas capazes de previsões glamorosas, maldizem comportamentos de ativistas negros como produtos de uma maior segregação. De modo geral, o crescente ativismo sobre diferentes questões tem suscitado o fervor reacionário há tempos.
Vejam, por exemplo, o movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, quando em alguns textos se inclui outros T para representar travestis e transgêneros) que discutiu questões semânticas e, por isso, já causou muito furor. Novamente reitero sobre a linguagem expressar relações de poder. O “antigo” GLS, no qual o S representava os simpatizantes, não expressava, politicamente, o que representantes do movimento pensaram para reivindicar e garantir direitos civis. O L, que representa as lésbicas foi inserido a frente por questões políticas, já que as mulheres lésbicas eram posicionadas abaixo dos homens gays (a sociedade é machista e não seria muito diferente com a homossexualidade).
Em resumo, a (pre)dominância do macho sobre a fêmea ainda é hoje justificada por algumas ideias biológicas já retrógradas cientificamente falando. Ou ainda é obedecida diante dos preceitos religiosos. Devemos compreender o caráter sociocultural de relações que visam o ordenamento e a harmonia, mas que, no entanto, justifica violências simbólicas resultantes do incentivo controlador e dominador do macho sobre a fêmea. Muitas dessas violências recaem sobre os “afeminados”. A homofobia é resultado do pavor a ideia de que a ordem construída sobre o que é feminino e masculino seja “desvirtuada”, da fobia quando se vê tal transgressão.
Defendo a ideia de que boa parte dos pré conceitos são resultantes da crença na ordem dualista do mundo, entre o céu e a terra, o bem e o mal, o certo e o errado, o branco e o preto etc. Daí, como no início deste texto, a referência à história da formação de ideias ser considerada importante, pois uma palavra pode representar a garantia do desenvolvimento de respeitos ou de ódios.
Talvez o dualismo “moderno” se manterá latente em nossa sociedade por muitos séculos, assim como Marx apontou em relação à exploração de “homens sobre homens”. Mas, cabe a nós, formadores de opinião que somos, professores em escolas públicas, mesmo que com baixo nível de entretenimento, recorrer às interpretações complexas, já que a ordem das coisas é algo que está na nossa mente e, como já escreveu Marcelo Gleiser, físico e astrônomo famoso por seus artigos de divulgação científica, a natureza é imperfeita.
Publicado por: DALIANA CRISTINA DE LIMA ANTONIO
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