Novo canal do Brasil Escola no
WhatsApp!
Siga agora!
Whatsapp

A importância e os limites do Relativismo como método para a antropologia

Breve análise sobre a importância e os limites do relativismo como método para a antropologia.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

"Frequentemente me pergunto que vantagens nossa “boa sociedade” possui sobre aquelas dos “selvagens” e descubro, quanto mais vejo de seus costumes, que não temos o direito de olha-los de cima para baixo. Onde, em nosso povo, pode-se-ai encontrar hospitalizada tão verdadeira quanto aqui? ... Nós, “pessoas altamente educadas”, somo muito piores, relativamente falando". (Boas apud Castro, p.9, 2004)

Quando Trouillot se voltou a examinar o desenvolvimento histórico da antropologia como disciplina, inevitavelmente ele escarneceu o passado colonial, preconceituoso e metodologicamente influenciado da disciplina. Ao olhar para formas com que as sociedades não-ocidentais foram categorizadas e estudadas o autor, por sua vez, desafiou as narrativas tradicionais da antropologia, explorando como os primeiros antropólogos, influenciados pelas ideologias coloniais, classificou as sociedades não-ocidentais em categorias hierárquicas com base nos níveis percebidos de civilização. A dicotomia entra sociedade “civilizada” e “selvagem”, “EU” e os “ELES”, muitas vezes direcionou a antropologia desse período a interpretações tendenciosas e etnocêntricas (e eurocêntricas) das culturas não-ocidentais.

Em sua obra “Anthropology and the Savage Slot: The Poetics and Politics of Otherness”, Trouillot (1991) lança luz a como as complexidades e nuances das sociedades não ocidentais foram frequentemente ignoradas ou mal representadas pelos primeiros antropólogos durante seus esforços em traduzir, para a audiência ocidental e colonial, suas observações. Trouillot também não ignora que esses primeiros antropólogos estavam expostos a uma dinâmica de poder, que utilizavam a antropologia como ferramenta para justificar a dominação colonial. Em um esforço, Trouillot provoca ao oferecer insights sobre como a disciplina pode ir além de seu legado colonial. Mesmo não fazendo um   um “apelo a uma abordagem relativista cultural”, o autor aponta na direção de uma abordagem mais relativista culturalmente para os estudos das sociedades não-ocidentais com ênfase na importância de se compreender as culturas nos seus próprios termos, e não através das lentes das normas e valores ocidentais.

Said (1989), também critico a “antropologia de gabinete”, examina como a antropologia perpetuou ideias de superioridade cultural e racial ao categorizar culturas indígenas de acordo com critérios racistas e eurocêntricos, para justificar a dominação europeia. Said também discute e critica o etnocentrismo, as formas de representação dos colonizados, e como seus contextos culturas e históricos foram apresentados em abordagens evolucionistas inundadas de eurocentrismo. Nesse caminho, Boas e Geertz, se encontram com Trouillot e Said.

A partir do século XX, a antropologia começou a se desvencilhar das abordagens colonialistas.  Franz Boas e outros antropólogos questionaram duramente a noção de superioridade cultural e buscaram uma compreensão mais contextualizada e relativa das culturas. Enquanto o etnocentrismo e o evolucionismo social implica em categorizar e hierarquizar civilizações com base nos padrões da própria cultura, sempre tendo o “EU” (Europa) como o ponto máximo da “civilização evoluída” e ELES (os outros/selvagens) como “não-civilizados” ou em processo evolutivo de civilização, tratando a sociedade moderna ocidental como  ápice do desenvolvimento social e cultural, o Relativismo considera os costumes e tradições de uma sociedade/grupo como produtos de contexto cultural específicos e próprio, sem aplicar critérios morais e certo ou errado, ou categorizar como mais ou menos “evoluído”/”desenvolvido”.  Foi com base nessa premissa que o antropólogo, geógrafo e pioneiro do método etnográfico Franz Boas questionou o evolucionismo social ao conhecer a cultura dos povos nativos do atual estado do Alaska, nos Estados Unidos.

O relativismo aparece em cena para recolocar-se, em termos metodológicos comparativo, ao evolucionismo social nos estudos da antropologia. Dito isto é possível afirmar que o Relativismo veio para romper as comparações em linha evolutiva ao considera os costumes e tradições e uma sociedade/grupo como produtos de contexto cultural específicos, sem aplicar critérios morais e certo ou errado.

O ponto de ruptura parte ao pensar que enquanto o Evolucionismo Social implica em categorizar e hierarquizar civilizações com base nos padrões da própria cultura, sempre tendo o “EU” (Europa) como o ponto máximo da “civilização evoluída” e ELES (os outros/selvagens) como “não-civilizados” ou em processo evolutivo de civilização, tratando a sociedade moderna ocidental como ápice do desenvolvimento social e cultural, o Relativismo lança luz a compreensão de que não existe uma cultura certa ou errada, desenvolvida ou subdesenvolvida, primitiva ou evoluída e sim culturas diferentes, que é possível fazer uma .antropologia antinocêntrica, que compreende que o ser humano, inserido em um grupo/comunidade/sociedade parte de um mesmo pensamento cultural para pensar o “certo e o errado”. O ponto de vista do Nativo agora seria visto a partir de sua própria matriz cultural.

Passava a ser um método “novo” para as análises e traduções antropológicas. Afinal, o relativismo oferecia não somente críticas vazias a teoria da evolução e a evolucionismo como método, mas ampliava a perspectiva e os resultados das observações antropológicas ao considerar que que seria inviável provar que fenômenos sociais e culturais “pudessem ser atribuídos a mesma causa” (Castro, p.16, 2004), ao contrário, observar e se perguntar se esses fenômenos, na verdade, não teriam se desenvolvido de forma , possivelmente, independente, sendo trocados, transferido, entre povos, que, para os relativistas, evitaria as grandes generalizações, comuns ao método evolucionista, que focava em métodos comparativos. Isso quer dizer que o ser humano, um grupo ou uma sociedade, no relativismo social, e visto a partir de sua própria cultura e não a parir da cultura do outro. Conforme Geertz (p.106, 1974) “em suma, é possível relatar subjetividades alheias sem recorrer a pretensas capacidades extraordinárias para obliterar o próprio ego para entender os sentimentos de outros seres humanos”.

Mesmo despertando “medo” em “anti-relativistas”, o Relativismo foi um marco na virada da forma com que antropólogos faziam antropologia. A exemplo disso temos as contribuições de Levy Strauss (2003), que teve em sua trama estruturalista forte costura com o Relativismo Cultural, que abriu, a ele e a uma geração de antropólogos e etnólogos, a possibilidade de construir trabalhos mais ricos e sensíveis, com uma compreensão mais ampla, profunda e complexa das culturas.

Uma vez livre as amarras evolucionistas, que seriam incapazes de dar base metodologia as suas contribuições, Strauss buscou entender as estruturas subjacentes das culturas em uma abordagem que reconhecesse a diversidade cultural. Strauss pode, dessa forma, compreender os fenômenos humanos como fenômenos marcados pela diversidade de representações simbólicas e culturais. Podemos falar que Herzfeld (2001) também se beneficiou com a “virada antropológica”, e em uma abordagem bem intima ao Relativismo Social levantou relevantes correlações com a metodologia em sua obra “Orientations: Anthropology as a Practice of Theory” ao enfatizar a compreensão contextual das culturas humanas e a necessidade de evitar julgamentos etnocêntricos. Mas como nada na antropologia está livre de críticas/rompimentos/reflexões, o Relativismo, superado os evolucionistas, agora é observado com certa desconfiança, e alguns de seus limites começam a ser expostos.

O Relativismo Cultural tem uma perspectiva filosófica, que afirma que não há uma verdade absoluta e que o conhecimento é relativo, condicionado pelo contexto histórico, cultural, econômico e político em seus próprios termos. No entanto existem críticas associadas a essa abordagem, que provocam pergunta, como: Se todas as crenças/culturas são relativas, não seria a própria afirmação de Relativismo também relativa? Questões éticas também são implicadas nessas críticas e questionam o fato do relativismo vir a ser um dificultador na avaliação de práticas sociais e culturais que violem os direitos humanos. Além disso, o Relativismo é faz forte apelo pela tradição, tornando a própria prática metodológica incapaz de indicar responsabilidade por atos violentos, desumanos, o que leva a uma ideia essencialista de cultura. Para além disso, o Relativismo tem sido utilizado para estigmatizar e mistificar culturas não-ocidentais. Como se tudo isso não fosse “problema” metodológico suficiente, Latour (1994) e Eduardo (1996) apontam, entre outras coisas, como o Relativismo se comprometeu ao separar cultura de natureza.

Foi preciso desmembra o Relativismo Cultural para poder extrair o que ele tem de mais profundo. Em resumo, observou-se que o Relativismo ao pensa a natureza humana como universal, faz um relativismo fraco.

Mesmo que o Relativismo tenha sido uma virada de chave na forma de se fazer antropologia, rompendo com o evolucionismo social e o etnocentrismo, a forma de olhar outras culturas e separá-las, como absolutas em seus próprios termos, permitiu que ocidente, de alguma forma, continuasse a comparar “os outros” consigo. Ao se colocarem como os detentores da razão, do saber e das ciências o ocidente mistificou outras culturas, as tornando figuras excêntricas. Ao ponto que o ocidente não conseguiu tratar como verdade a forma com que outras sociedades desenvolviam sua cultura e forma de ver e lidar com a natureza. O ocidente passou a olhar essas culturas somente como “interessantes e complexos sistemas de crença. Latour (p.92, 1994) discute como “Era possível analisar a crença em discos voadores, mas não o conhecimento dos buracos negros; era possível as ilusões da parapsicologia, mas não os saberes psicológicos; os erros de Spencer, mas não as certezas de Darwin”. Isso não tem só um impacto interpretativo, metodológico, mas também um impacto político.

A separação entre cultura e natureza, quando tratada de forma absoluta, separa a própria cultura de uma determinada sociedade, colocando “a natureza entre aspas”, mas também, quando apresentada de maneira mais sutil, insere a natureza de forma inerte e sem ação. Isso tem implicações na forma como a própria antropologia traduz o modelo relativista. Esse tipo de limitação favorece uma visão distorcida e um uso deficiente da perspectiva relativista. Dessa forma “Os relativistas jamais foram convincentes quanto a igualdade das estruturas, uma vez que consideram apenas estas últimas. E a natureza? De acordo com eles, ela e a mesma para todas, uma vez que a ciência universal a define” (Latour, p.104, 1992).  A crítica à igualdade das estruturas culturais e à natureza dos relativistas expõe os limites dessa metodologia. Ao argumentar que as estruturas culturais não são iguais em todas as sociedades, os relativistas muitas vezes negligenciam a consideração da natureza como parte integrante da equação. A contradição surge quando eles afirmam que a natureza é universal, definida pela ciência, mas ao mesmo tempo reconhecem a diversidade cultural. Para resolver esse dilema, os relativistas têm duas opções: limitar todas as culturas a representações simplistas do mundo ou negar a universalidade científica. Ambas as respostas são consideradas igualmente absurdas. Em última análise, e possível destacar a dificuldade de universalizar a natureza ou reduzi-la a meros produtos sociais.

Referências bibliográficas:

BOAS, Frantz. (1896)- “The limitations of comparative method in anthropology.” In: Race, Language and Culture. New York: The Free Press, 1966, pp. 270-280

GEERTZ, Clifford 1974. ‘From the Native‘s Point of View‘: on the Nature of Anthropological Understanding. In: Local Knowledge. Further Essays in Interpretive Anthropology.New York: Basic Books, 1983. [pp. 55-70]

HERZFELD, Michael. “Orientations: Anthropology as a Practice of Theory.” InHERZELD, Michael (org.). Anthropology:Theoretical Practice in Culture and Society.London: Blackwell / UNESCO, 2001

LATOUR, Bruno. 1994. Jamais fomos modernos: ensaio da antropologia simétrica. Tradução Carlos Irineu da Costa. Editora 34, 1° edição, 1994, Rio de Janeiro.

LÉVI-STRAUSS, Claude. As estruturas elementares do parentesco. RJ: Vozes, 2003 (Cap 1)

SAID, Edward W. 1989. "Representing the colonized: Anthropology's interlocutors." Critical Inquiry. 15.2 (1989): 205-225

TROUILLOT, Michel-Rolph. 1991. “Anthropology and the Savage Slot: The Poetics and Politics of Otherness.” In Recapturing Anthropology: Working in the Present, edited by Richard G. Fox, 17–44. New Brunswick, NJ: Rutgers University Press. 

VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2002. “O Conceito de Sociedade em Antropologia”. In: A Inconstância da Alma Selvagem (e Outros Estudos de Antropologia): 295-316. São Paulo: Cosac & Naify.


Publicado por: Ivana de Oliveira Eugênio de Souza Moura

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.