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CASAMENTO DE TRANSEXUAL: PRINCÍPIO DA PRIVACIDADE E DA IDENTIDADE PESSOAL DO TRANSEXUAL VERSUS DIREITOS DO CÔNJUGE AO CONHECIMENTO DA ORIGEM SEXUAL DE SEU PARCEIRO

A origem da transexualidade, o histórico da cirurgia modificadora da morfologia sexual no Brasil e seu procedimento, bem como os entendimentos jurisprudenciais acerca da mudança do registro civil antes e após a cirurgia.

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem como tema casamento de transexual sob a análise do princípio da privacidade e da identidade pessoal do transexual versus direito do cônjuge ao conhecimento da origem sexual de seu parceiro. Diante o tema, foi questionado se o direito do cônjuge ao conhecimento da origem sexual de seu parceiro prevalece sobre o princípio da privacidade e da identidade pessoal do transexual, o qual acoberta a possibilidade de omissão da realização da cirurgia de transgenitalismo, fato que poderia importar em anulabilidade do casamento sob fundamento de erro essencial quanto à pessoa. Para a busca de resolução de tal questão, o presente artigo objetivou descrever o Princípio da Privacidade e Princípio da Identidade Pessoal frente à transexualidade, como também apontar o direito do cônjuge ao conhecimento à veracidade da origem sexual do parceiro, segundo o ordenamento jurídico e a doutrina e assim poder analisar a possibilidade de anulabilidade de casamento por “erro essencial sobre a pessoa”, em virtude da omissão pelo cônjuge da condição de transexual. Para o alcance de tais objetivos, buscou-se o esclarecimento sobre a transexualidade: a origem da transexualidade, o histórico da cirurgia modificadora da morfologia sexual no Brasil e seu procedimento, bem como os entendimentos jurisprudenciais acerca da mudança do registro civil antes e após a cirurgia. Após tal entendimento, passaram a ser analisados aspectos cíveis quanto à celebração do casamento, ante à análise de negócios jurídicos - existência, validade, eficácia, os vícios, os procedimentos para o casamento e, finalmente, a anulabilidade. Ainda, buscou-se trazer a doutrina acerca do dever do transexual de revelar a veracidade sobre sua origem sexual ao parceiro, sob pena de ficar configurada a má-fé e a anulabilidade do casamento por erro essencial sobre a pessoa do cônjuge. Para o presente estudo, foram realizadas análises bibliográficas de caráter exploratório, através de livros, legislação, jurisprudência, doutrina e artigos científicos. Por fim a hipótese foi confirmada, já que a doutrina majoritária sobrepõe o direito do cônjuge ao conhecimento da origem sexual de seu parceiro diante o princípio da privacidade e da identidade pessoal do transexual, utilizando a anulabilidade do casamento por erro essencial quanto à pessoa para a dissolução do matrimônio.

Palavras-chave: Casamento. Transexual. Anulabilidade. Privacidade. Identidade pessoal do transsexual. Origem genética.

ABSTRACT

This present work of conclusion of course has as subject the marriage of  transsexuals under the analysis of the principle of privacy and the personal identity of the transsexual versus the right of the spouse to the knowledge of the sexual origin of its partner. Facing this issue, it was questioned whether the right of the spouse to the knowledge of the sexual origin of his partner prevails above the principle of privacy and the personal identity of the transsexual, which covers the possibility of omission of the surgery of transgenitalism, a fact that could culminate in annulability of the marriage by essential mistake to the person of the other. The aim of this article is to describe the Principle of Privacy and Principle of Personal Identity in relation to transsexuality, as well as to point out the right of the spouse to the knowledge of the veracity of the sexual origin of the partner, according to the legal order and doctrine and thus be able to analyze the possibility of annulability of marriage by "essential mistake to the person of the other", due to the omission by the spouse of the transsexuality condition. In order to achieve these goals, we looked to clarify the transsexuality: the origin of it, the history of modifying sexual morphology surgery in Brazil and its procedure, as well as jurisprudential understandings about the change of civil registry before and after surgery. After this understanding, civil aspects regarding the celebration of marriage, in face of the analysis of legal transactions - existence, validity, effectiveness, vices, procedures for marriage and, finally, annulability, began to be analyzed. In addition, it was sought to bring the doctrine about the duty of the transsexual to reveal the truth about its sexual origin to the partner, otherwise it could be diagnosed the bad faith and the annulability of the marriage due to essential mistake to the person of the spouse. For the present study, it was made exploratory nature bibliographic analysis through books, legislation, jurisprudence, doctrine and scientific articles. Finally, the hypothesis was confirmed, since the majority doctrine overlaps the right of the spouse to the knowledge of the sexual origin of his partner in face of the principle of privacy and the personal identity of the transsexual, using the annulability of the marriage by essential mistaketo the person of the other for the dissolution of marriage.

Keywords: Marriage. Transsexual. Annulability. Transsexual Personal Identity. Genetic origin.

INTRODUÇÃO

O presente artigo científico foi impulsionado diante da realidade dos transexuais na sociedade brasileira, já que após a aceitação da cirurgia modificadora da morfologia sexual no Brasil, os direitos dos transexuais passaram a ter destaque. Entretanto, tais direitos foram amparados apenas parcialmente pela jurisdição do país, havendo ainda muitas lacunas.

Não há ao certo uma definição doutrinária para a transexualidade. Entretanto, foi definida pela medicina como um Transtorno de Identidade de Gênero (TIG), formado no ventre materno, o qual gera dissociação entre o sexo biológico e o gênero psicossocial em que o indivíduo se compreende. Há ainda que se ressaltar que o termo é utilizado tanto para os que possuem o transtorno e não realizaram a cirurgia, quanto para aqueles que a realizaram.

Buscando-se preencher as lacunas jurídicas nesse contexto, sugiram discussões doutrinárias que ensejaram decisões de Tribunais, as quais tornaram-se base para decisões em casos semelhantes. Assim, já são admitidas alterações do nome e do sexo nos documentos dos transexuais que realizaram ou não a cirurgia de transgenitalismo, bem como concedida a submissão de casamento por eles. Entretanto, o que ainda não foi pacificado pelos doutrinadores, nem mesmo pelos Tribunais, foi à necessidade ou não, do transexual de comunicar a seu cônjuge sua condição e a realização da cirurgia de transgenitalismo antes da realização do matrimônio.

Nesse contexto, os doutrinadores se deparam com o princípio da privacidade e da identidade pessoal do transexual versus direitos do cônjuge ao conhecimento da origem sexual de seu parceiro. Assim, o presente trabalho analisa a possível prevalência do direito do cônjuge que fora enganado sobre o direito à privacidade do transexual.

Para a análise do referido tema, foi essencial esclarecer sobre o que se entende acerca da transexualidade na atualidade, bem como, os procedimentos e a regularização da cirurgia modificadora da morfologia sexual no Brasil. Ademais, também foi essencial introduzir o matrimônio como um negócio jurídico do direito civil brasileiro, carregado de requisitos e “defeitos” que põe a prova a sua validade como ato jurídico.

Diante de diversos “defeitos” de negócios jurídicos, com enfoque na transexualidade, há que se destacar o erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge, previsto no Código Civil brasileiro. É com base nessa modalidade de erro, utilizada especificamente para o casamento, que caberia anulabilidade de casamento de transexual que realizou a cirurgia modificadora da morfologia sexual e não comunicou ao cônjuge anteriormente à realização do matrimônio.

Assim, se após a descoberta da transexualidade, o cônjuge enganado afirmar que a convivência se tornou insustentável caberá, segundo a doutrina majoritária, a adoção da anulabilidade do casamento. Tal entendimento é adotado por parte da doutrina, pois defende a sobreposição dos direitos do consorte enganado, utilizando como principal fundamentação à incidência da má-fé pelo transexual. 

Por outro lado, entende a doutrina minoritária que o princípio da privacidade e da identidade pessoal do transexual se sobrepõe a qualquer outro princípio do ordenamento. Isso pois, o sigilo da realização da cirurgia de transgenitalismo, muitas vezes, faz parte do tratamento posterior à cirurgia.

Por conseguinte, a doutrina minoritária afirma que, havendo a omissão da informação sobre a realização da cirurgia modificadora da morfologia sexual, caberá ao cônjuge que se sentir enganado a requisição da dissolução do casamento através do divórcio.

Desse modo, o presente projeto busca descrever os referidos princípios que sustentam a defesa do direito da omissão do transexual pela realização da cirurgia, e em contrapartida o direito do cônjuge de saber sobre a origem sexual de seu parceiro. Para tanto, busca-se associá-los à previsibilidade de casamento por “erro essencial sobre a pessoa” presente no ordenamento jurídico, realizando análise dos efeitos que a omissão da cirurgia de transgenitalismo pode causar no matrimônio.

1.0  TRANSEXUALIDADE E A CIRURGIA MODIFICADORA DA MORFOLOGIA SEXUAL

Ao observar a realidade de transexuais na sociedade brasileira, após a aceitação da cirurgia modificadora da morfologia sexual no país, houve a necessidade de buscar amparo na jurisdição à esses indivíduos. Diante das discursões doutrinárias que surgiram sobre o tema, ver-se a essencialidade de entender o significado de transexualidade, e só assim posicionar-se juridicamente enquanto aos demais aspectos cíveis em que esse transtorno poderá alcançar.

1.1 ASPECTOS GERAIS ACERCA DA TRANSEXUALIDADE

A transexualidade está relacionada ao desejo de adequar-se fisicamente ao que seu psicológico corresponde. Desse modo, o transexual nasce com um sexo, mas busca constantemente a adequação ao sexo oposto.

Segundo Stoller (apud VENCATO, 2002, p.16):

O transexualismo é uma desordem pouco comum, na qual uma pessoa anatomicamente normal sente-se como membro do sexo oposto e, conseqüentemente, deseja trocar seu sexo, embora suficientemente consciente de seu verdadeiro sexo biológico. A condição é rara, embora não se saiba o quanto, em parte, por não haver unanimidade sobre o que deva ser chamado transexual.

Para a compreensão adequada da terminologia do transexual, é necessário distinguir conceitos que o circundam. Assim, é de suma importância esclarecer que sexo biológico é a terminologia utilizada para definir o indivíduo de acordo com o membro em que nasceu, ou seja, se nasceu com um pênis, o sexo biológico desse ser é masculino, e se nasceu com uma vagina, o sexo biológico desse ser é feminino (SILVESTRE e LOURO, 2016).

Em sequência, entende-se por gênero a correspondência psicossocial do indivíduo diante do seu sexo, ou seja, o que seu psicológico compreende ser enquanto a identidade de gênero. Assim, a identidade de gênero é formada ainda no ventre da mãe, podendo estar em conformidade com o membro formado, ou podendo estar em discordância com a genitália, formando-se assim uma criança transexual:

A medicina explica a origem do transgênero. No embrião humano, a genitália se forma por volta da 10° semana. Enquanto isso, o cérebro esta em desenvolvimento. Por volta da 20° semana se define a área da identidade de gênero, ou seja, genitália masculina com cérebro masculino, genitália feminina com cérebro feminino, ou o contrário, a genitália masculina, mas o cérebro se estruturou como feminino, ou genitália feminina em um cérebro que se estruturou masculino. Ai (sic) nesses casos vamos ter uma criança que nascerá transgênero (GLOBO, 2017).

Dessa forma, a transexualidade é predestinada ao indivíduo já no ventre materno e não está necessariamente ligada à opção sexual do ser, pois a atração por sexo oposto, ou pelo mesmo sexo, não está associada à formação do membro, nem mesmo à identidade de gênero. Assim, é possível que transexuais sintam atração por indivíduos com o mesmo sexo em que nasceu, como também transexuais que sentem atração por indivíduos opostos ao seu sexo biológico (SILVESTRE e LOURO, 2016).

Desse modo, o homossexual distingue-se do transexual, pois o primeiro aceita o sexo biológico, porém, sua opção sexual é para indivíduos que nasceram com o mesmo sexo biológico que o seu. O transexual, nessa perspectiva, não consegue aceitar o seu próprio sexo biológico, não tendo relação com a opção sexual. Assim, pode-se ter transexuais heterossexuais (opção sexual oposta ao seu sexo biológico), como também transexuais homossexuais (opção sexual igual ao seu sexo biológico) (SILVESTRE; LOURO, 2016).

O transexual também se difere do travesti, já que o travesti tem o desejo de passar-se ao sexo oposto como realização de excitação sexual, não correspondendo ao desejo de troca de sexo, de modo que realiza sua ânsia ao figurar-se com o sexo oposto. Já o transexual não se incomoda necessariamente com modo de vestir-se, mas as genitálias que o corpo corresponde, concretizando seu desejo com a realização da cirurgia de modificação sexual, sendo assim uma condição física. Cabe destacar, no entanto, que não são todos os transexuais que optam pela realização da cirurgia, de modo que, apesar de não se conformar com sua genitália biológica, recusa-se à intervenção cirúrgica por diversos motivos.

Desse modo, o travesti não se importa que outras pessoas saibam que o seu sexo é diferente daquele que é externalizado através do modo de se vestir, falar, do nome social, e das demais características que o constitui. O transexual, por sua vez, não aceita sua origem sexual, de modo que se incomoda com a genitália natural, bem como não se enquadra no tratamento social referente ao seu sexo de origem.

Como afirmado, a transexualidade está diretamente ligada à formação de gênero psicossocial do indivíduo. Sua discordância é explicada por pesquisadores em decorrência a uma síndrome psicológica, chamada de Transtorno de Identidade de Gênero - TIG, como explica melhor Cervi (2009, p. 490):

Desta forma o transexual, embora possua um sexo biológico em perfeitas condições de saúde, nele não reconhece elemento de seu corpo, ao contrário, vislumbra-o como algo que não lhe pertence, acompanhado da convicção íntima de pertencer a um determinado sexo que se encontra em completa discordância com a designação física de seu sexo. Neste diapasão, o transexual é sujeito identificado psíquica e socialmente com o sexo oposto ao que lhe foi imputado pelo registro civil, e a convicção de pertencer ao sexo oposto é uma ideia inabalável, o que demonstra o paradoxo existente entre o seu corpo físico e sua mente. Atualmente, o transexualismo continua a ser visto como uma síndrome, identificada pelo Transtorno de Identidade de Gênero - TIG, considerado um estado psicológico no qual a identidade de gênero está em desacordo com o sexo biológico e em que existe uma pulsão psicológica de pertencer ao sexo oposto ao genético, sempre acompanhada de um desejo obsessivo de libertar-se de sua genitália para adquirir a do sexo oposto.

A transexualidade, nesse contexto, é classificada como um transtorno psicológico, decorrente da falta de aceitabilidade de gênero. Assim, a cirurgia de mudança de sexo teve sua aceitabilidade em diversos lugares do mundo, quando considerada como tratamento legítimo para solução de tal transtorno (CARDOSO, 2005).

Cardoso (2005) afirma que existem duas qualificações para os transexuais: os não operados, também chamados de transexuais transgenderistas, e os operados, chamados apenas de transexuais. Tal operação faz a retirada do órgão genital indesejado, e cria o órgão genital oposto. Desse modo, a realização da cirurgia não é algo essencial para o transexual, mas apenas o tratamento utilizado para o transtorno, podendo ser recusada por transexuais que não se sentirem confortáveis em realizá-la.

No Brasil, a cirurgia foi aceita, em fase de teste, em 1997, de modo que o paciente a ela sujeito deve passar por rigorosos procedimentos e acompanhamentos para sua realização. Zambrano (2003) afirma que após a cirurgia, não há grandes obstáculos para a troca de documentação referente ao atual sexo do transexual, e entendimentos jurisprudenciais têm admitido a modificação do gênero, mesmo sem o transexual ter realizado a cirurgia modificadora da morfologia sexual.Como exemplo de tal entendimento segue a seguinte decisão proferida no ano de 2015:

APELAÇÃO CÍVEL. RETIFICAÇÃO DO REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALISMO. ALTERAÇÃO DO GÊNERO. AUSÊNCIA DE CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL OU TRANSGENITALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE. O sexo é físico-biológico, caracterizado pela presença de aparelho genital e outras características que diferenciam os seres humanos entre machos e fêmeas, além da presença do código genético que, igualmente, determina a constituição do sexo - cromossomas XX e XY. O gênero, por sua vez, refere-se ao aspecto psicossocial, ou seja, como o indivíduo se sente e se comporta frente aos padrões estabelecidos como femininos e masculinos a partir do substrato físico-biológico. É um modo de organização de modelos que são transmitidos tendo em vista as estruturas sociais e as relações que se estabelecem entre os sexos. Considerando que o gênero prepondera sobre o sexo, identificando-se o indivíduo transexual com o gênero oposto ao seu sexo biológico e cromossômico, impõe-se a retificação do registro civil, independentemente da realização de cirurgia de redesignação sexual ou transgenitalização, porquanto deve espelhar a forma como o indivíduo se vê, se comporta e é visto socialmente. APELAÇÃO PROVIDA, POR MAIORIA, (BRASIL, 2015, on-line).

Tal entendimento reforça a prevalência do gênero, bem como do entendimento psicossocial do indivíduo sobre o sexo biológico. O posicionamento jurisprudencial baseia-se nos estudos realizados diante do distúrbio psicológico do transexual, o qual entende que o “transexualismo” é um transtorno psicológico, encaminhando o seu tratamento ao procedimento de intervenção cirúrgica, a qual não é obrigatória.

1.2 CIRURGIA MODIFICADORA DA MORFOLOGIA SEXUAL

Segundo Garcia (2001), a identificação da transexualidade acontece desde que o indivíduo é criança. O autor assim aponta, parafraseando a obra “Sex and gender” de Robert Stoller (1968), que ainda quando criança, meninos que não se identificam com seu gênero, mas sim com o gênero feminino, desenvolvem, ao longo dos anos, abominação pelo seu próprio corpo.

(...) no transvestismo, por exemplo, é o caráter de estabilidade desse comportamento e a ausência de qualquer condição excitatória ligada ao vestir-se como mulher. Toda essa conduta sustenta-se porque, para esses meninos, de fato, eles são meninas. Segundo Stoller (1968), esses meninos apresentam fantasiais de que seu corpo transformará em um corpo de mulher, que seus seios aparecerão na puberdade e que, por outra via, se verão livres da nefasta presença do pênis. Esse horror por eles vivido da presença do pênis – sentia como uma aberração – não raro leva a comportamentos extremados que podem chegar, inclusive, a tentativas de automutilação na infância e que, mais tarde, se transformarão em um pedido de intervenção cirúrgica, as chamadas cirurgias de retribuição de sexo (vaginoplastia ou faloplastia), (GARCIA, 2001, p. 78).

Desse modo, a cirurgia é tratada como tratamento da transexualidade, só podendo ser realizada quando adulto. A Resolução 1955/2010, a qual versa sobre o tema, determina requisitos para a realização da cirurgia, chamada de “cirurgia de transgenitalismo”. São requisitos para a identificação da transexualidade: que o indivíduo apresente desconforto com o sexo anatômico natural, bem como o desejo de modificá-lo para o sexo oposto; a permanência desse distúrbio por no mínimo dois anos, e a ausência de outros transtornos mentais, ou características físicas inapropriadas para a cirurgia (BRASIL, 2010).

Para a análise da permanência do distúrbio por no mínimo dois anos, são realizados acompanhamentos psicológicos, os quais deverão ser associados com exames físicos e tratamento hormonal.

O tratamento hormonal é feito através de acompanhamentos endocrinológicos, aos quais irão avaliar as dosagens hormonais que serão ministradas a cada transexual de forma particular. Tal tratamento, chamado de “hormonioterapia” visa fornecer hormônios do sexo em que o transexual se identifica psicologicamente, de modo que, ao receber dosagens do sexo oposto, o corpo irá adquirir as respectivas características. O tratamento de hormonioterapia antecede o procedimento cirúrgico de modificação da morfologia sexual para que alcance a efetiva adequação esperada pelo transexual (SANTOS, 2013).

A Resolução 1955/2010 ainda descrimina os especialistas aptos a avaliar a caracterização da transexualidade no indivíduo, bem como determina que a cirurgia só poderá ser realizada por maiores de vinte e um anos (BRASIL, 2010).

Por conseguinte, tal legislação previu a autorização para a “neocolpovulvoplastia”, cirurgia que primeiramente amputa o pênis e em seguida remove os testículos, utilizando a pele para a formação dos lábios vaginais, bem como a construção do restante da vagina. Tal cirurgia, além de ter caráter corretivo, mantém a perfeita funcionalidade do órgão (NEPOMUCENO, 2011).

Entretanto, a mesma legislação autorizou a “neofaloplastia” apenas a título experimental. Tal procedimento é destinado ao sexo feminino, que deseja a transformação para o sexo masculino, ou seja, a construção do pênis a partir do clitóris (ARÁN, 2012).

Em reportagem à série “O universo dos transgêneros” realizada pela emissora Globo (2017, on-line), o cirurgião Paulo Rangel esclarece sobre a temática:

Se retira o testículo, que é a primeira fase da cirurgia, na adequação do homem para ser mulher, para ser feminizada. A uretra, juntamente com o corpo do pênis é utilizada para a confecção de um anel-vagina/anel-uretra, condizente com o aparelho feminino, e não mutila muito, a não ser pela própria retirada dos testículos. Ela tecnicamente não tem grande dificuldade, ao contrário da mulher que deseja ser homem – essa cirurgia tem um maior índice de complicação e necessita fazer um novo pênis. Isso, tecnicamente é mais dificultoso e mais oneroso, em termos de material e método. Nos termos estatísticos de pacientes pós-operados, uma estatística não só brasileira, mas mundial, que uma minoria, cerca de 2% dessas pessoas que foram operadas tem um certo grau de arrependimento.

Na série ainda afirmou-se que a cirurgia pode ser realizada tanto pelo atendimento Sistema Único de Saúde (SUS), quanto pela rede privada. Entretanto, se realizada pelo SUS deverá ser acompanhada e autorizada pelo Ministério da Saúde, podendo ficar cerca de dez anos em espera, diante da fila para o cumprimento dos trâmites burocráticos. Porém, se realizado pela rede privada, não necessita de autorização do órgão da saúde, devendo apenas seguir os requisitos impostos pela legislação que versa sobre a cirurgia de transgenitalismo, tornando-se mais célere.

É importante ressaltar que a cirurgia modifica apenas o órgão sexual do indivíduo, ou seja, é uma transformação exterior. Isso quer dizer que, biologicamente, diante da bagagem genética que os cromossomos carregam há impossibilidade da geração de descendentes. Nesse sentido, Ceccarelli (2008, p.17) explica:

Na verdade, ele não deixa um sexo pelo outro: ele abandona os atributos de um sexo – as insígnias do gênero – pelas aparências de outro sexo. Logo, a rigor, o transexualismo em sua acepção etimológica não existe. Por melhor e mais bem sucedida que possa ser a cirurgia, ela só vai intervir na dimensão morfológica, deixando intacto o que, no nível biológico, marca o sexo do sujeito: o cromossomo XY ou o XX. Em outras palavras: independentemente dos “milagres” realizados pela medicina moderna e das futuras manipulações genéticas, um sujeito XY (do sexo masculino) jamais se transformará em XX (sexo feminino). Biologicamente, então, não se pode dar um sexo de mulher a um homem, e vice-versa.

Assim, efetivamente, não há uma modificação efetiva do homem para mulher ou de mulher para homem, mas sim uma transformação de órgãos, a fim de solucionar o distúrbio psicológico do indivíduo. A cirurgia, desse modo, é uma adequação exterior ao que psicologicamente corresponde o gênero do transexual, porém não alcançando a biologia do ser.

1.3 CIRURGIA MODIFICADORA DA MORFOLOGIA SEXUAL NO BRASIL

Dias (2011), relatou que a cirurgia de transgenitalismo foi inicialmente debatida em 1974, no IV Congresso de Medicina Legal, realizado em São Paulo. A cirurgia foi classificada como prática de mutilação, a qual previa sansão, segundo o artigo 139, do Código Penal, abominada também pelo Código de Ética Médica, sendo proibida no país. Assim, os transexuais que desejavam realizar a cirurgia buscavam outros países para sua realização, ou escolhiam enfrentar uma morosa demanda judicial para o pedido de expedição de alvará que permitisse realizá-la.

Em 1995 foi proposto o projeto de Lei 70B, o primeiro proposto para a busca da autorização e a regulamentação da cirurgia de mudança de sexo, bem como a alteração do nome no registro civil dos transexuais (COSTA, 2008).

A cirurgia ainda não era aceita no país, e consequentemente o projeto não ganhou força para sua aprovação. Ademais, foi severamente criticado pela sociedade interessada, pois feria o princípio da privacidade do transexual, já que era condição para a alteração do registro civil o acréscimo da informação sobre a realização do procedimento cirúrgico. Para solucionar tal litígio, a Comissão realizadora alterou tal previsibilidade, e ao invés de alterar o registro civil, optaram pela realização de um novo documento, com novo prenome e o novo sexo do transexual, porém, mesmo assim, o projeto não foi sucedido (COSTA, 2008).

A perspectiva só foi alterada no ano de 1997, com a Resolução n° 1482/97, a qual afirmava que a “cirurgia de transgenitalismo”, com a remoção dos órgãos sadios não se enquadrava como mutilação. Porém, só poderia ser realizada em hospitais universitários ou hospitais públicos adequados à pesquisa, e ainda após rígidos critérios de diagnósticos da doença. A partir de então que a transexualidade foi reconhecida como transtorno psicológico, e a cirurgia como o tratamento adequado (CECCARELLI, 2008).

Em 2002, a Resolução n° 1.652 foi criada dispondo sobre a cirurgia modificadora da morfologia sexual. Esta foi revogada pela Resolução n° 1955/2010, a qual regulamentou e aperfeiçoou a cirurgia de transgenitalismo, trazendo atualizações e regimentos, os quais foram mencionados anteriormente. Vale destacar que a principal alteração da resolução foi à previsão da cirurgia de “neocolpovulvoplastia” como tratamento e a cirurgia de “neofaloplastia” com fins experimentais.

Posteriormente, diversos projetos de lei foram propostos, apensados ao Projeto de Lei n° 4.750 de 2016 por tratarem de matérias correlatas, sendo esse o mais recente. Há que se observar que, apesar de vários projetos serem posto em pauta, mostrando ânsia por previsão legal sobre o tema, nenhum dos projetos foram, até o momento, aprovados pela Câmara dos Deputados (BRASIL, 2016).

Cabe ainda o destaque ao projeto de Lei n° 5002/2013, que tem como objetivo permitir a realização da cirurgia de transgenitalismo sem os requisitos exigidos pela atual legislação, além de estender a possibilidade a crianças e adolescentes. O projeto também objetiva a regularização da troca de nomes e do sexo no registro civil e já foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos e Minoria, mas está pendente de aprovação de outras três comissões (BRASIL, 2013).

Segundo a série de reportagem “O universo dos transgêneros” realizada pela emissora Globo (2017), o procedimento de readequação de sexo é realizado no Brasil em seis estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás, Pernambuco e Minas Gerais, desempenhados tanto pela rede de saúde pública (SUS), como pela rede de saúde privada.

A revista “O Estado de São Paulo” (2017) afirma ainda que no ano de 2016, no Brasil, foram realizadas trinta e quatro cirurgias objetivando a mudança do sexo masculino para o feminino, cento e quarenta e nove procedimentos de terapia hormonal, e quatro mil quatrocentos e sessenta e sete consultas a transexuais, de modo que, esses dados são crescentes ao longo dos anos.

1.4 DA SEGURIDADE DOS REGISTROS PÚBLICOS BRASILEIROS FRENTE À CIRURGIA MODIFICADORA DA MORFOLOGIA SEXUAL

Com a realização da cirurgia de transgenitalismo, o transexual inicia uma nova busca a modificação do registro civil, para se adequar ao nome socialmente usado, e ao sexo correspondente, fato que tem sido acolhido pela maioria das decisões jurisprudenciais. Há, no entanto, casos em que os transexuais procuram a modificação de registro civil mesmo antes da realização da cirurgia, o que causa divisão de entendimento jurisprudencial.

Há jurisprudências que abarcam o Princípio da imutabilidade dos registros públicos, que visam à seguridade dos assentamentos, como afirma Cervi (2009, p. 497/498), ao afirmar que “a pretensão de mudança do prenome do transexual não encontra respaldo na legislação vigente, tendo-se em vista a adoção do princípio da imutabilidade do nome da pessoa”. Desse modo, tal princípio não alcança apenas o nome da pessoa, mas todas as informações dos registros civis.

O princípio da imutabilidade dos registros públicos visa, desse modo, garantir que os registros tenham legalidade absoluta. Assim, um transexual que possui sexo biológico masculino, mas se reconhece e deseja modificar o sexo para o feminino em seus documentos, antes da realização da cirurgia, é hipótese rejeitada por parte da jurisprudência. Isso, pois há receio de colocar em dúvida a veracidade das informações dos registros públicos, já que com a modificação do registro sem a realização da cirurgia, irá haver descompasso entre o registro (sexo feminino) e a realidade fática (sexo masculino).

No entanto, tratando-se do nome civil, a alteração é hipótese acolhida pela jurisprudência. Exemplo desses entendimentos é decisão jurisprudencial de 2015, proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

REGISTRO CIVIL. TRANSEXUALIDADE. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DE PRENOME E DE SEXO. ALTERAÇÃO DO NOME. POSSIBILIDADE. AVERBAÇÃO À MARGEM. A ALTERAÇÃO DO SEXO SOMENTE SERÁ POSSÍVEL APÓS A CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. 1. O fato da pessoa ser transexual e exteriorizar tal orientação no plano social, vivendo publicamente como mulher, sendo conhecido por apelido, que constitui prenome feminino, justifica a mudança do nome, já que o nome registral é compatível com o sexo masculino. 2. Diante das condições peculiares da pessoa, o seu nome de registro está em descompasso com a identidade social, sendo capaz de levar seu usuário a situação vexatória ou de ridículo, o que justifica plenamente a alteração. 3. Deve ser averbado que houve determinação judicial modificando o registro, sem menção à razão ou ao conteúdo das alterações procedidas, resguardando-se, assim, a publicidade dos registros e a intimidade do requerente. 4. No entanto, é descabida a alteração do registro civil para fazer constar dado não verdadeiro, isto é, que o autor seja do sexo feminino, quando inequivocamente ele é do sexo masculino, pois ostenta órgão genitais tipicamente masculinos. 5. A definição do sexo é ato médico e o registro civil de nascimento deve espelhar a verdade biológica, somente podendo ser corrigido quando se verifica erro. Recurso desprovido, por maioria (BRASIL, 2015, on-line).

Tal jurisprudência aceitou a modificação do nome do transexual originário para o nome social utilizado. No entanto, negou o pedido de alteração de sexo, pois segundo seu fundamento, essa informação é fornecida a partir de definição médica, a qual é analisada de acordo com a realidade do indivíduo. Nota-se que não se opõe a uma posterior alteração, com a realização da cirurgia modificadora, mas apenas a modificação sem a realização da cirurgia, por não corresponder à verdade fática.

Contudo, há outros entendimentos jurisprudenciais os quais concedem a mudança do registro civil mesmo sem a realização da cirurgia modificadora da morfologia sexual. Isso, pois fundamenta-se que o princípio da dignidade da pessoa humana se sobrepõe, nesses casos, ao princípio da seguridade dos registros públicos, a fim de evitar situações constrangedoras e vexatórias ao transexual, como pode ser observado em decisão do Superior Tribunal de Justiça no ano de 2017:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO PARA A TROCA DE PRENOME E DO SEXO (GÊNERO) MASCULINO PARA O FEMININO. PESSOA TRANSEXUAL. DESNECESSIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. 1. À luz do disposto nos artigos 55, 57 e 58 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), infere-se que o princípio da imutabilidade do nome, conquanto de ordem pública, pode ser mitigado quando sobressair o interesse individual ou o benefício social da alteração, o que reclama, em todo caso, autorização judicial, devidamente motivada, após audiência do Ministério Público. 2. Nessa perspectiva, observada a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, admite-se a mudança do nome ensejador de situação vexatória ou degradação social ao indivíduo [...] Contudo, em se tratando de pessoas transexuais, a mera alteração do prenome não alcança o escopo protetivo encartado na norma jurídica infralegal, além de descurar da imperiosa exigência de concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, [...] Isso porque, se a mudança do prenome configura alteração de gênero (masculino para feminino ou vice-versa), a manutenção do sexo constante no registro civil preservará a incongruência entre os dados assentados e a identidade de gênero da pessoa, a qual continuará suscetível a toda sorte de constrangimentos na vida civil, configurando-se flagrante atentado a direito existencial inerente à personalidade. 5. Assim, a segurança jurídica pretendida com a individualização da pessoa perante a família e a sociedade - ratio essendi do registro público, norteado pelos princípios da publicidade e da veracidade registral - deve ser compatibilizada com o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, que constitui vetor interpretativo de toda a ordem jurídico-constitucional. 6. Nessa compreensão, o STJ, ao apreciar casos de transexuais submetidos a cirurgias de transgenitalização, já vinha permitindo a alteração do nome e do sexo/gênero no registro [...] deve evoluir para alcançar também os transexuais não operados, [...] 9. Sob essa ótica, devem ser resguardados os direitos fundamentais das pessoas transexuais não operadas à identidade (tratamento social de acordo com sua identidade de gênero), [...] ao reconhecimento perante a lei (independentemente da realização de procedimentos médicos), [...] 10. Consequentemente, à luz dos direitos fundamentais corolários do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, infere-se que o direito dos transexuais à retificação do sexo no registro civil não pode ficar condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização, para muitos inatingíveis do ponto de vista financeiro (como parece ser o caso em exame) ou mesmo inviável do ponto de vista médico. [...] Ou seja, independentemente da realidade biológica, o registro civil deve retratar a identidade de gênero psicossocial da pessoa transexual, de quem não se pode exigir a cirurgia de transgenitalização para o gozo de um direito. [...] (BRASIL, 2017, on-line).

Tal entendimento foi baseado na proteção dos direitos dos transexuais com escopo no princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que, visou evitar que transexuais passem por situações vexatórias ou de degradação social, e garantir que tenham os mesmos direitos sociais de qualquer cidadão. Justifica também que a realização da cirurgia é morosa, e muitas vezes excessivamente onerosa, o que impede que transexuais consigam, até mesmo em longo prazo, realizarem o procedimento cirúrgico.

Assim, para a requisição da alteração de nome e sexo, o transexual deverá propor Ação intitulada como retificação de prenome e sexo, que deverá reger-se pelo artigo 109, da lei 6.015/1973, aplicando-se de forma concomitante as regras dos procedimentos especiais de jurisdição voluntária, presentes nos artigos 1.103 a 1.112 do Código de Processo Civil.

Segundo o site da Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte, o autor deverá instruir a ação com comprovantes de certidão de nascimento, carteira de identidade, CPF, cartão do SUS, título de eleitor, carteira de reservista, antecedentes criminais das policias civil e federal, certidões da justiça estadual e da justiça federal, ambas cível, criminal e de execução penal, certidões dos quatro cartórios de protesto, fotos da pessoa no gênero desejado, quatro testemunhas que comprovem o uso do nome social cotidianamente e comprovante de residência, dentre diversos outros que podem ser pedidos a variar de cartórios (DEFESORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE NO NORTE, 2017).

Cabe destacar que o projeto de Lei 5002/2013 (já mencionado) busca regularizar a retificação registral do sexo e a mudança do prenome sem qualquer requisito, tais quais: intervenção cirúrgica, tratamentos médicos ou autorização judicial (BRASIL, 2013).

2.0 TEORIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS: CASAMENTO

De acordo com o Direito Civil, negócios jurídicos são ações resultantes de declarações de vontade, instituídas por determinadas condições impostas pelo direito positivo, objetivando um resultado. Tal resultado busca produzir efeitos jurídicos, os quais modificam as relações jurídicas no âmbito do direito privado (GONÇALVES, 2016).

Para que produza os resultados desejados, o negócio jurídico, como mencionado, deverá seguir determinadas condições impostas pelo ordenamento. Caso contrário, este não terá o resultado pretendido. Para tanto, existem três planos a serem observados: existência, validade e eficácia (LOBO, 2017).

Ainda, apesar de o negócio jurídico possuir os três planos acima mencionados, poderão estar dotados de defeitos, que contestarão a sua eficácia, sendo eles: o erro ou ignorância, o dolo, a coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores (PAMPLONA FILHO, 2017).

Assim, os vícios podem ser divididos em vício do consentimento, também chamado de vício da vontade, no qual há dissonância entre a vontade interna e a vontade manifestada (externa): erro, dolo e coação, estado de perigo e lesão; bem como vícios sociais, os quais são: fraude contra credores e simulação (PAMPLONA FILHO, 2017).

Diante do presente estudo, é essencial para o entendimento da anulabilidade dos negócios jurídicos a análise dos vícios de consentimento, destacando-se o erro.

2.1 PLANOS DA EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

A existência está ligada ao fato do negócio ter sido concretizado ou não, independente de qualquer requisito de validade ou eficácia para tanto. É necessário saber se no mundo físico, o ato foi celebrado, ou seja, se ele existiu, ou se ele jamais foi realizado (inexistente). Desse modo, Gonçalves (2016, p. 287) exemplifica:

O casamento celebrado por autoridade incompetente ratione materiae, um delegado de polícia, por exemplo, é considerado inexistente. Por essa razão, não se indaga se é nulo ou ineficaz nem se exige a desconstituição judicial, pois se trata de um nada jurídico.

A existência do negócio jurídico, dessa forma, necessita preencher determinados requisitos: a declaração de vontade dos agentes, a finalidade negocial e a idoneidade do objeto. Faltando qualquer deles, o negócio é inexistente (PAMPLONA FILHO, 2017).

Tratando-se de validade dos negócios jurídicos, há também de se observar requisitos primordiais: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita em lei, e demais requisitos específicos a cada negócio jurídico (LOBO, 2017).

Tais requisitos quando não estiverem presentes, importam em vícios ou defeitos dos negócios jurídicos. É exemplo de requisito a capacidade do agente para a celebração do casamento, ou seja, uma criança que se casou sem autorização dos pais pode ter o casamento celebrado (existiu), mas não possui validade, haja vista não haver capacidade para tanto (GONÇALVES, 2016).

Os negócios jurídicos realizados sem validade poderão ser nulos ou anuláveis, a depender da gravidade dos defeitos do negócio, bem como, pela determinação legislativa a respeito do tema.

A nulidade e a anulabilidade, após a análise da existência do negócio jurídico, deverão ser analisadas judicialmente, para enquadrar o ato nos rols fornecidos pelo Código Civil, e verificar qual condiz com o ato praticado pelo agente. Ademais, diante de anulabilidade de casamentos especificamente, o tema será novamente levantado nesse projeto.

Por fim, a eficácia está ligada às modificações nas relações jurídicas esperadas pelo negócio jurídico, de forma que, são elementos influenciadores a suspensão ou resolução de direitos e deveres de ambas as partes envolvidas. Desse modo, um testamento só terá sua eficácia com a morte do autor, sendo até o momento do falecimento um negócio jurídico com eficácia suspensa (LOBO, 2017).

Tartuce (2015) afirma que são elementos para a eficácia: condição ou termo (de eventos futuros ou incertos), encargo ou modo, regras relativas ao inadimplemento do negócio jurídico (como juros ou clausula penal), direito à extinção do negócio jurídico, regime de bens do negócio jurídico casamento, e registro imobiliário. Tais elementos quando presentes irão modificar a forma original do negócio jurídico, podendo adequá-lo, suspendê-lo ou resolvê-lo.

2.2 DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO – VICÍOS DO CONSENTIMENTO

Os negócios jurídicos como mencionado anteriormente, importam em vícios que comprometem a livre manifestação ou declaração negocial, requisito necessário para a existência do negócio. Tais defeitos estão taxativamente previstos no Código Civil (LÔBO, 2017).

Tratando-se de vícios de consentimento, a coação é defeito decorrente de vontade declarada pelo agente, que está viciada de violência moral e irresistível, ou seja, o indivíduo tem consciência da realidade do negócio, porém, diante da violência moral, é coagido a declarar uma vontade que não corresponde à real (GONÇALVES, 2016).

Em contrapartida o dolo é a atitude maliciosa de outrem, visando enganar aquele que manifestou a vontade. O dolo poderá ser substancial, quando a parte enganada, se soubesse da verdade, não haveria realizado o negócio jurídico, como também poderá ser dolo acidental, quando a parte enganada, se soubesse da verdade, ainda haveria realizado o negócio, mesmo que em outros termos (LÔBO, 2017).

O erro está presente nos artigos 138 ao 144, do Código Civil, definido como a ignorância, a falsa noção da realidade. É essencial que a falsa realidade seja criada pela própria pessoa, sem o induzimento pela outra parte, para que não seja caracterizada como dolo (PAMPLONA FILHO, 2017).

O Código ainda classifica o erro como substancial, ou seja, em que à parte prejudicada não teria realizado o negócio se soubesse da verdade, sendo essencial que o termo que se constitui em erro seja o motivo para a realização do negócio. Há também a classificação de erro acidental, aquele que a parte prejudicada realizaria o negócio jurídico mesmo conhecendo a realidade, embora de outro modo (LÔBO, 2017).

Diante da legislação sobre casamentos, o Código Civil ainda aduz outra previsibilidade de erro: o essencial sobre a pessoa do outro cônjuge. Este se relaciona exclusivamente ao casamento, quando houver engano quanto à pessoa do outro cônjuge. Tal modalidade está prevista no artigo 1.556 e melhor explicada no artigo 1.557, I, ambos do Código Civil:

Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro.

Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge:

I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável à vida em comum ao cônjuge enganado; (BRASIL, 2002, on-line).

Assim, tratando-se de casamento de transexual que omitiu sua condição ao seu cônjuge, consoante entendimento majoritário, pode ser anulado em virtude do erro essencial, haja vista que, omitiu sua identidade original, causando transtornos irreparáveis ao casamento.  Nota-se, no entanto, que a definição de erro essencial do inciso I prevê o “engano” quanto a identidade do outro cônjuge.

Desse modo o “engano” descrito pelo artigo não deveria se configurar em erro, mas em dolo, já que foi realizado intencionalmente, como o próprio Código Civil dispõe em seu artigo 147 ao descrever situações caracterizadoras de dolo: “Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado” (BRASIL, 2002, on-line).

Portanto, cabe o questionamento sobre o enquadramento do erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge, diante do termo “enganado”, que não deveria configurar erro, mas dolo. Para tanto, deverá ser analisada a conduta do transexual para a verificação do silêncio intencional e, quando provada, haver anulação do casamento por incidência de dolo, e não de erro como o artigo menciona.

2.3 CASAMENTO COMO NEGÓCIO JURÍDICO

O casamento é o cerne do Direito de Família, sendo a união entre duas pessoas, regulamentado pelo Estado e formalizado por um ato solene, que estabelece comunhão plena de vida e tem por base a igualdade entre os cônjuges (VENOSA, 2017).

O instituto está regulamentado pelo artigo 226, da Constituição Federal brasileira, como também pelo Código Civil, em seus artigos 1.511 a 1.590. Como todo negócio jurídico, é necessário que se cumpram os trâmites legais, sejam os requisitos gerais dos negócios jurídicos, bem como os específicos (VENOSA, 2017).

A dissolução desse negócio jurídico é realizada através do divórcio, regulamentada pela Constituição Federal no artigo 226, §6° e pelo Código de Processo Civil, em seus artigos 731 ao 734 (BRASIL, 2002).

2.3.1 Processo de habilitação para o casamento

O Estado, visando o desenvolvimento das futuras gerações, tem interesse em regulamentar o casamento, de modo que estabeleceu diretrizes para seu correto prosseguimento. Tais formalidades são importantes não apenas para ratificar a vontade dos nubentes, mas para facilitar a prova do ato, sendo as principais: a capacidade para o casamento, a inexistência de impedimentos matrimoniais e a publicidade à pretensão dos nubentes (GONÇALVES, 2012).

Segundo Gonçalves (2012, p. 145) são requisitos: a idade mínima para o casamento de 16 anos; o consentimento dos nubentes e a celebração na forma da lei. Além de tais requisitos, existem documentos exigidos para a celebração do ato, disposto pelo artigo 1525 do Código Civil de 2002:

I - certidão de nascimento ou documento equivalente;

II - autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra;

III - declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar;

IV - declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos;

V - certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio (BRASIL, 2002, on-line).

Como anteriormente mencionado, os transexuais possuem o direito de modificação no registro civil de seu sexo e de seu nome. Assim, não se encontram barreiras diante dos documentos necessários, principalmente em relação às certidões de nascimento, adequando-se a todos os requisitos impostos. (ZAMBRANO, 2003).

Por conseguinte, o Código Civil em seu artigo 1.526 afirma que o procedimento de habilitação para o casamento deverá ser analisado pelo Ministério Público e, se houver alguma impugnação, será encaminhado ao Juiz.

Havendo observações que indiquem a modificação no registro civil (mesmo não sendo clara que sejam em decorrência da transexualidade) cabe questionamento perante à autoridade competente do motivo que ensejou tal modificação. Desse modo, o Ministério Público ou, se for o caso, o Juiz poderão requerer a oitiva das partes, a fim de garantir o devido processo legal, caso observem indícios de má-fé. Apenas após a aprovação da regularidade dos documentos, será concedida a habilitação do trâmite.

2.3.2 Da invalidade e da anulação do casamento

Como mencionado, a forma de dissolução do casamento prevista pelo Código Civil é o divórcio. No entanto, o código prevê casos em que se o casamento for viciado por algum defeito jurídico, poderá ser invalidado. Deve haver observância dos requisitos da “capacidade” e “impedimentos” para o casamento. Tais temas já eram previstos no código anterior, de modo que mudaram apenas as denominações.

Segundo Gonçalves (2012) as causas consideradas “relativamente dirimentes” no Código Civil de 1916 são as atuais causas passíveis de anulação de casamento, bem como “dirimentes absolutos” no antigo código atualmente referem-se às nulidades do casamento.

O plano da validade do casamento, refere-se aos impedimentos que, mesmo após a celebração do casamento, levam a um defeito. Desse modo, o Código Civil de 2002 traz a denominação “Da invalidade do Casamento” - possibilidades de anulabilidade e nulidade, de modo que, os mais gravosos levam à nulidade do ato, e os menos gravosos, levam à possibilidade de anulação do casamento.

A possibilidade de anulação de casamentos visa proteger os interesses individuais do cônjuge prejudicado, haja vista que, se não for manifestado pelo afetado em tempo hábil, o casamento será considerado válido.

Por conseguinte, diante de várias previsões do Código Civil, pode-se destacar a possibilidade de anulabilidade presente nos artigos 1.556 e 1.557, I, como anteriormente mencionado. Tais artigos trazem a previsão de anulabilidade de um casamento quando verificada a ocorrência de erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge.

A legislação ordinária e a complementar não versam sobre a particularidade do casamento quando presente um cônjuge transexual, não se adequando a nenhum dos impedimentos legais. Entretanto, haja vista a má-fé de tal cônjuge de omitir sua verdadeira identidade para seu/sua parceiro (a) poderá, por analogia, haver o enquadramento à previsão do artigo 1.557, I, a qual aborda a anulabilidade por erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge, no que diz respeito a sua identidade.

2.3.3 Anulabilidade por erro essencial sobre a pessoa - erro quanto à identidade do outro cônjuge

Na possibilidade de transexual omitir sua verdadeira identidade perante o casamento, caberá ao cônjuge enganado, segundo a doutrina majoritária, a possibilidade de alegar anulabilidade por erro essencial sobre a pessoa, como afirma Costa (2008, p. 58):

Há entendimento de que o transexual após a cirurgia e a mudança de sexo e de nome, esteja apto ao casamento. Entretanto, antes de contrair casamento, o transexual deve informar sua condição para seu namorado. Se isso não acontecer, e o casal contrair núpcias, após isso o outro cônjuge descobrir ter casado com um ex-transexual, poderá solicitar a anulação do casamento, invocando erro essencial sobre a pessoa do redesignado e a impossibilidade de suportar a vida em comum.

Assim, diante da descoberta posterior ao casamento sobre a transexualidade de seu cônjuge, a maior parte dos doutrinadores defendem que o casamento teria o defeito de consentimento de erro essencial quanto à pessoa, especificamente no que aduz o artigo 1557, I do Código Civil. Explica melhor Pamplona Filho (2017):

Nessa linha, a codificação civil brasileira elenca, expressamente, as situações consideradas de erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge (...) Na primeira hipótese, o erro diz respeito à identidade, honra e boa fama de um dos cônjuges, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado, (...) hipótese possível para enquadramento no standard é a do cônjuge que se submeteu à cirurgia para redesignação de sexo e não informou ao outro nubente (PAMPLONA FILHO, 2017, p. 1152).

Observa-se que a modalidade de erro tem como seu enfoque o engano quanto à identidade do cônjuge. Nessa linha de pensamento, Gonçalves (2012, p. 144-145) conceitua como erro ante à identidade civil:

Identidade civil é o conjunto de atributos ou qualidades com que a pessoa se apresenta no meio social. (...) O erro sobre a identidade civil se manifesta como causa de anulação do casamento “quando alguém descobre, em seu consorte, após a boda, algum atributo inesperado e inadmitido, alguma qualidade repulsiva, capaz de, ante seus olhos, transformar-lhe a personalidade, fazê-lo pessoa diferente daquela querida. É nesse conceito de identidade civil que se alarga o arbítrio do juiz. Porque nele caberá qualquer espécie de engano sério sobre a qualidade do outro cônjuge e estará porventura caracterizado o erro referente à pessoa”.

Pode-se notar que a previsão de anulabilidade é justificável, pois a identidade real do cônjuge fez com que seu parceiro não mais o enxergasse como uma pessoa querida. No entanto, para a adequação de erro essencial sobre a pessoa sob argumento de erro à identidade do outro cônjuge, são necessários dois requisitos: que o fato alegado como motivo para a anulação tenha ocorrido antes da celebração do casamento, bem como, que posterior à descoberta, a relação matrimonial entre o casal tenha se tornado insustentável para o cônjuge enganado, de modo que não suporte mais permanecer nesta relação.

Desse modo, é cabível ao cônjuge prejudicado ajuizar Ação Anulatória do casamento segundo o Código Civil em seu artigo 1560, III. A ação deverá ser feita no prazo de até três anos, a contar da data de celebração do casamento, sob pena de caducidade do direito (BRASIL, 2002).

Tal direito é personalíssimo, ou seja, é de exclusividade do cônjuge enganado a propositura dessa ação, consoante o artigo 1.559, do Código Civil. O artigo afirma que “somente o cônjuge que incidiu em erro, ou sofreu coação, pode demandar a anulação do casamento (...)” tornando assim, ato unilateral (BRASIL, 2002).

Pamplona Filho (2017) ainda afirma que, antes de mover a ação, é passível o requerimento de tutela preventiva de separação de corpos. Essa possibilidade é cabível já que fica explícito no artigo que versa sobre o erro quanto à identidade da pessoa, que a coabitação entre o casal se tornou insustentável.

Além da Ação Anulatória, Cardin (2015) afirma haver direito de indenização por danos morais, em decorrência das expectativas criadas pelo cônjuge enganado:

Verifica-se, portanto, que a invalidade do matrimônio realizado sob a égide do erro essencial gera danos morais para o cônjuge enganado, ante as expectativas criadas em decorrência da convivência conjugal, como a troca de carícias, amor, satisfação sexual, mútua companhia, assistência material e espiritual, procriação e educação da prole, que se tornam inviáveis pela ação do outro cônjuge. Também em relação à prole, é possível o pedido de reparação por danos morais do cônjuge de má-fé, uma vez que houve a desconstituição da família gerando seqüelas psicológicas irreversíveis. Entende-se, pois, que a descoberta de uma verdade oculta de um dos cônjuges pode causar dissabores e angústias, a tal ponto que jamais um dos consortes teria contraído núpcias se tivesse conhecimento anterior de tal fato. Nessa circunstância, a coabitação torna-se insuportável, quando os danos morais passam a ser devido ao cônjuge de boa-fé (CARDIN, 2015, p. 1689)

Portanto, caberá ação anulatória de casamento, com tutela provisória, podendo esta ser cumulada com reparação dos danos morais. Para a indenização é preciso que sejam demonstrados os requisitos: má-fé do cônjuge transexual; a culpa; e que o casamento provocou efetivo dano para o cônjuge enganado (CARDIN, 2015).

Após a determinação de anulabilidade do casamento, a sentença terá efeitos retroativos (ex tunc) cancelando o registro do casamento e, desse modo, voltando ao estado civil de solteiro (PAMPLONA FILHO, 2017).

Nesse sentido, dispõe o artigo 1.564, do Código Civil que quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este incorrerá em duas consequências: na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente; bem como na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no contrato antenupcial (BRASIL, 2002).

Desse modo, havendo contrato antenupcial, este não será anulado como o casamento. Mais que isso, o cônjuge que omitiu a realização da cirurgia modificadora da morfologia sexual tem a obrigação de cumpri-lo.

Por conseguinte, se o casamento trouxe qualquer vantagem ao cônjuge transexual, este não terá direito sobre elas após a anulação do matrimônio. Exemplo: divisão de bens, que diante do divórcio os bens seriam repartidos entre o casal, a depender do regime legal, o que não ocorreria no casamento anulado.

3.0 O DIREITO DO CÔNJUGE DE SABER A VERACIDADE DA ORIGEM SEXUAL DE SEU PARCEIRO

Diante a hipótese de casamento em que transexual esconde a origem sexual ao seu parceiro, surge a problemática de qual direito se sobrepõe: o direito da omissão do transexual diante a realização da cirurgia, ou em contra partida o direito do cônjuge de saber sobre a origem sexual de seu parceiro.

Cabe assim ressaltar que tal situação fática não encontra respaldo nas jurisprudências brasileiras. Sendo assim, para a presente exposição, foi-se analisado embates doutrinários sobre o tema.

Desse modo, para a vertente que defende o direito da omissão do transexual diante a realização da cirurgia, parte da doutrina se posiciona com alicerce ao princípio da privacidade e da identidade pessoal do transexual. Por outro lado, a doutrina que defende o direito do cônjuge de saber sobre a origem sexual de seu parceiro sustenta-se entre diversas teses, dentre elas o princípio da boa-fé dos negócios jurídicos.

3.1 PRINCÍPIO DA PRIVACIDADE E DA IDENTIDADE PESSOAL DO TRANSEXUAL QUANTO À REALIZAÇÃO DA CIRURGIA MODIFICADORA DA MORFOLOGIA SEXUAL

A ADPF n° 132, do Rio de Janeiro, trata sobre a proibição da discriminação de pessoas em razão do sexo (gênero), resguardando também o direito à privacidade e que o pluralismo sócio-político-cultural sempre deverá ser respeitado, visando garantir os direitos fundamentais de autonomia de vontade, bem como a intimidade e a vida privada, como exposto a seguir:

PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea (BRASIL, 2011, on-line).

Pode-se assim observar, que na referida ADPF, ressaltou o direito à autonomia privada, para garantir os princípios da dignidade da pessoa humana. Em outras palavras, o ordenamento garante a liberdade de utilização da própria sexualidade de qualquer modo, a fim de alcançar o bem-estar social e, sendo assim, assegurada a privacidade e intimidade, inibindo qualquer tipo de preconceito.

Trazendo tal decisão para a transexualidade, pode-se entender que, ao dispor de sua sexualidade ante à cirurgia de modificação de sexo, o Estado assegura que assim seja feito, dentre outros motivos, visando garantir a autoestima e a felicidade. Além disso, veda qualquer tipo de preconceito, assegurando, para isso, a intimidade e a privacidade do transexual.

Rocha (2014), ao versar sobre a intimidade do transexual, afirma que as decisões tomadas acerca da cirurgia de alteração de sexo derivam do desejo de adequar o sexo ao gênero psicossocial. Assim, a operação de mudança de sexo não busca apenas uma aceitação pessoal, mas também um enquadramento social do gênero correspondente ao seu sexo psíquico.

O transexual, nesse contexto, em regra, pode se constranger em ser identificado ou questionado quanto ao sexo biológico. O desejo desses indivíduos é corresponder fisicamente o que psicologicamente é vislumbrado. Desse modo, a cirurgia de alteração de sexo é a alternativa encontrada para alcançar o desejado. Após a cirurgia, o transexual não quer mais assim ser intitulado, desejando que as pessoas não saibam de sua mudança, e apenas o reconheçam com o gênero atual.

Assim, a conceituação de transexual na atualidade não está apenas ligada ao reconhecimento psicossexual do indivíduo, mas também a sua posição na sociedade a um sexo oposto, como dispõe Vecchiatti (apud ROCHA, 2014, p. 8):

(...) entende-se que transexual é a pessoa que se identifica com o gênero oposto àquele socialmente atribuído ao seu sexo biológico, possui uma dissociação entre seu sexo físico e seu sexo psíquico, que geralmente não sente prazer na utilização de seu órgão sexual e que não deseja que as pessoas em geral saibam de sua condição transexual após a adequação de sua aparência a seu sexo psíquico. Trata-se, assim, de uma questão identitária.

O direito de resguardar a privacidade do transexual visto por essa perspectiva, está diretamente ligado ao tratamento realizado para sua perturbação psíquica. Desse modo, a cirurgia modificadora se mostraria essencial para o tratamento, sendo em seguida acompanhada do sigilo, para que venha a produzir os efeitos esperados à recuperação psicológica do paciente.

Assim, o paciente inicia uma nova vida com o sexo que o corresponde atualmente, de modo que parte da doutrina acredita que, mesmo em um relacionamento, a privacidade do transexual seria acobertada, tida como continuidade de seu tratamento.

No que concerne ao casamento, há entendimento de que o Princípio da Privacidade e da Identidade Pessoal do transexual resguarda-lhe do dever de revelar a origem sexual ao parceiro, bem como para qualquer outra pessoa da sociedade. Assim afirma Dias (2011, p. 4):

Não há como tornar pública a alteração registral levada a efeito e acessível ao conhecimento de todos. Mesmo que qualquer alteração posterior deva ser obrigatoriamente mencionada, sob pena de responsabilidade civil e penal do serventuário, conforme expressamente preconiza a Lei dos Registros Públicos, tal regra não pode ensejar infringência ao sagrado princípio de respeito à privacidade e à identidade pessoal. Integra o restrito campo do livre arbítrio de todo e qualquer indivíduo o direito de revelar ou ocultar seu sexo real, o sexo com o qual se identifica, o sexo pelo qual optou. Entre os dois princípios, possui mais relevância o que diz com o direito à identidade, devendo ser o prevalentemente preservado.

Pode-se observar que a autora sustenta que a privacidade do transexual deve prevalecer diante de qualquer outro princípio jurisdicional. Nesse mesmo sentido, argumenta Rocha (2014, p. 17):

Desta forma, defensável o entendimento que, visando preservar a integridade psíquica do transexual, vê predominar o interesse jurídico na preservação de sua intimidade, no que tange ao direito ao segredo acerca de sua condição pregressa. A entender desta forma, inviável a alegação da anulabilidade do matrimônio, não cabendo ao cônjuge que se sinta lesado pela descoberta outra via que não a promoção do divórcio.

Nessa perspectiva, observando-se o Princípio da Privacidade e da Identidade Pessoal do transexual, parte da doutrina entende não caber anulabilidade do casamento, visto que está resguardado o direito do transexual de omitir sua condição anterior à cirurgia modificadora. Cabe ao cônjuge que se sentir lesado requerer o divórcio se assim o achar necessário, não havendo razão para alegar “erro” nesse caso.

3.2 DO DEVER DO TRANSEXUAL DE REVELAR A VERACIDADE DA SUA ORIGEM SEXUAL AO PARCEIRO

Conforme Faria e Rosenvald (2015), a confiança é base de qualquer relação social entre os indivíduos na sociedade. É com base na credibilidade depositada em outrem que são formadas relações cíveis, de modo que, se obtém uma expectativa ética de reciprocidade, de não ser surpreendido por comportamentos explícitos ou implícitos, bem como comissivos ou omissivos.

Tal dever de confiança e credibilidade se estende ao direito de família, de modo que, são esperadas de relações familiares comportamentos éticos, que não tragam surpresas ao companheiro. Faria e Rosenvald (2015, p. 111) afirmam que “tratando-se de efeitos existenciais (ligados à essência da pessoa humana), a confiança se materializará na forma do afeto”, elemento essencial para a confiança e a expectativa de boa conduta do companheiro.

Desse modo, declaram Faria e Rosenvald (2015, p.120):

O afeto caracteriza a entidade familiar como uma verdadeira rede de solidariedade, constituída para o desenvolvimento da pessoa, não se permitindo que uma delas possa violar a natural confiança depositada por outra, consistente em ver assegurada a dignidade humana, assegurada constitucionalmente. E mais: o afeto traduz a confiança que é esperada por todos os membros do núcleo familiar e que, em concreto, se materializa no necessário e imprescindível respeito às peculiaridades de cada um de seus membros, preservando a imprescindível dignidade de todos. Em síntese, é a ética exigida nos comportamentos humanos, inclusive familiares, fazendo com que a confiança existente em tais núcleos seja o refúgio das garantias fundamentais reconhecidas a cada um dos cidadãos.

Segundo Rocha (2014), diante da omissão da condição de transexual no casamento, o direito do cônjuge de saber a veracidade da origem sexual de seu parceiro deveria se sobrepor ao princípio da privacidade do transexual, de modo que sua omissão quebra o dever de lealdade presente no matrimônio.

Ainda dispõe Rocha (2014, p. 16):

O cerne da questão reside em definir se, promovida a cirurgia de redesignação e a subsequente alteração do gênero no registro, haveria que se falar num dever de comunicar tal fato ao parceiro (a), ou se preponderaria a proteção à intimidade do (ex)transexual. (...) De fato, a omissão de circunstância de tal relevo na história de vida do consorte implicaria numa quebra do dever de lealdade, base inerente a todo o construto do arcabouço familiar.

O autor assim defende que diante da cirurgia modificadora da morfologia transexual, haveria o dever de comunicação ao seu parceiro, quando baseado no dever de lealdade, pressuposto na entidade familiar. Nesse contexto, Garcia (2012, p. 19) também defende:

(...) a constatação de que o casamento com o outrora transexual (...) aquele que se sentir enganado sempre poderá pleitear, no prazo decadencial de três anos, face ao erro essencial em relação à identidade do cônjuge, a anulação do casamento (Código Civil, arts. 1.557, I, e 1.560, III), não se afeiçoa ao imperativo respeito aos demais valores constitucionais envolvidos. Esses valores principiam pela pessoa do outro cônjuge, pois também ele possui uma dignidade a ser respeitada, o que inclui o direito de expandir a sua personalidade ao lado da pessoa que melhor se ajuste aos seus sentimentos, à sua maneira de vida e aos seus referenciais de certo e errado. O Estado não pode manter-se ao lado da malícia e do engodo. A exemplo do princípio da dignidade humana, também o direito a informação possui estatura constitucional. Nos exatos termos do art. 5º, XIV, da Constituição de 1988, “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”. Conquanto deva coexistir com as hipóteses de sigilo, o direito à informação há de prevalecer nas situações que, não dizendo respeito, única e exclusivamente, à intimidade alheia e à subsistência do Estado, possam gerar reflexos diretos na esfera jurídica dos demais componentes do grupamento.

Pode-se perceber que Garcia destaca que a omissão do transexual quanto à realização da cirurgia modificadora da morfologia sexual é ato de má-fé, não cabendo a cobertura da jurisdição. Assim, a dignidade do cônjuge enganado se sobrepõe à privacidade do transexual, pressupondo que a omissão foi realizada como ato de má-fé, como também é entendimento de Cervi (2009, p. 499):

Oportuno referir que, como qualquer negócio jurídico, o casamento pode ser anulável por defeito na manifestação de vontade do contratante. Embora seja considerado justo que o transexual obtenha autorização para retificação do registro civil sem menção às condições que lhe permitiram alcançar a sexualidade plena, é dever fundado na boa-fé contratual informar o(a) companheiro(a) de sua condição, sob pena de caracterizar-se, quanto ao contrato de casamento, o error in persona, o que possibilitaria a anulação do casamento.

Assim, a análise do autor refere-se ao negócio jurídico a que o casamento pertence. Os atos entre os cônjuges devem ser pautados na boa-fé, não cabendo qualquer justificativa para a omissão da realização da cirurgia de transgenitalização.

Segundo Cardin (2015) a falta de observância do princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o dever de solidariedade nas relações familiares, ensejam ao parceiro que praticou condutas incompatíveis a tais princípios, o dever de responsabilização nos moldes legais. A autora ainda afirma que são situações agravantes, haja vista que, a confiança e a credibilidade nessas relações são diretamente depositadas, e com a quebra observa-se a má-fé, bem como sérios danos morais.

Por conseguinte, visto que o ato do transexual esconder a realização da cirurgia ao seu cônjuge, poderia ser passível de anulabilidade por parte da doutrina, Cardin (2015, p. 1686) ainda afirma que “o ato de convolar núpcias induzindo a erro essencial o outro consorte, além da anulabilidade, acarreta também as sanções do crime tipificado no art. 236, do Código Penal”. Assim, dispõe o Código Penal:

Contrair casamento, induzindo em erro essencial o outro contraente, ou ocultando-lhe impedimento que não seja casamento anterior:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

Parágrafo único - A ação penal depende de queixa do contraente enganado e não pode ser intentada senão depois de transitar em julgado a sentença que, por motivo de erro ou impedimento, anule o casamento (BRASIL, 1941, on-line).

Portanto, como consequência da omissão pelo transexual de sua condição, compreende-se que poderá haver a anulabilidade do casamento. Há uma pequena parte da doutrina que afirma ainda o cabimento do artigo 236, do Código Penal, o qual acarretará na condenação à detenção de seis meses a dois anos.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo científico buscou esclarecer aspectos acerca da transexualidade, transtorno gerado no ventre materno, de modo que se diferencia do homossexualismo e do travestismo. Esse entendimento se vê essencial para a compreensão de que a transexualidade não é uma escolha pessoal, mas uma condição em que o indivíduo nasce e, muitas vezes, sofre durante toda sua vida.

Com a compreensão da transexualidade, e dos demais aspectos que a norteiam, buscou-se a análise jurídica de seus aspectos: os requisitos legais para a realização da cirurgia de transgenitalismo, as decisões jurisprudenciais que abarcam a modificação do registro civil e os impedimentos que impossibilitam a realização de um matrimônio sem a revelação da condição de transexual que realizou a cirurgia para a adequação sexual.

No entanto, para as corretas considerações acerca do casamento, buscou-se a análise de todos os possíveis “defeitos” ao negócio jurídico matrimonial. Conclui-se que não há dispositivo legal específico que trate acerca dos transexuais que omitem sua condição ao cônjuge. Contudo, caberá o divórcio ou o requerimento de anulabilidade do casamento, sob alegação de erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge.

Diante da previsibilidade no ordenamento do erro essencial quanto à pessoa, importa trazer à baila a divergência quanto à configuração de erro ou dolo a esse respeito. No Código Civil o erro é fomentado pela própria pessoa e o dolo é realizado por uma pessoa em face da outra, hipótese que melhor se adequa ao caso do cônjuge enganado. Ora pois, para que alguém seja enganado há a necessidade de ação/omissão ensejadora do engano e, no caso em voga, um cônjuge engana o outro ao omitir sua condição de transexual.

Nesse sentido, a doutrina minoritária entende caber o pedido de divórcio, sob a alegação de que o transexual está amparado por outros princípios, como o da dignidade da pessoa humana, e como o do direito à intimidade, aos quais acobertam a escolha de revelar ou não a realização da cirurgia a qualquer pessoa. Afirmam, ainda, que a escolha de guardar a informação para si faz parte do tratamento do transtorno, já que o transexual se incomoda ao ser reconhecido com o seu sexo biológico, de modo que, ao realizar a cirurgia inicia uma nova vida.

No entanto, a doutrina majoritária defende caber anulabilidade do casamento, sob a argumentação de que o dever de relatar a verdade deve estar presente em qualquer negócio jurídico, ainda no casamento, o qual envolve fidelidade, companheirismo e convivência. O ato de omitir sua condição é considerado por essa doutrina como ato de má-fé, fato que não merece ser acobertado pela legislação, a qual busca deixar as relações justas.

Diante do exposto, é possível o pedido de anulabilidade do casamento diante da omissão do transexual sobre a realização de cirurgia de transgenitalismo perante um matrimônio. Para tanto, cabe ressaltar que, no caso concreto, é indispensável à análise da incidência de má-fé no matrimônio para a correta aplicação dos entendimentos doutrinários.

Para a concreta plenitude do tema, há que se frisar que o casamento é um negócio jurídico em que as partes, além de celebrarem acordo matrimonial perante a legislação, firmam compromisso de parceria, companheirismo, respeito e lealdade, um perante o outro. Diante de tais atributos, é possível vislumbrar que a omissão da realização da cirurgia que modificou toda a vida do indivíduo (transexual), deveria ser ato primordialmente revelado ao seu parceiro, firmando assim base argumentativa para a doutrina majoritária.

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Adriane Lopes dos Santos -  Acadêmica do curso de Direito da Faculdade São Francisco de Barreiras (FASB).
Chandrélin de Paula Cardoso dos Reis - Professora orientadora especialista em Direito e Processo do Trabalho.


Publicado por: Adriane Lopes

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