Saúde: Uma questão de classe e dominação
Saúde, diagnosticar, prevenir, tratar doenças e medicar.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Resumo:
Este artigo busca ampliar a discussão no campo* da Saúde (*conceito utilizado por Pierre Bourdieu, uma noção que caracteriza autonomia no domínio da concorrência e conflitos internos), que trata especificamente entre a medicina científica "portador da razão e confiável" e medicina popular, esta, usada em toda a existência humana, construída na experiência em plantas e raízes da natureza, mas que por algum motivo perdeu a hegemonia que tinha anteriormente, é vista como "não confiável", não testada empiricamente, sem diálogo com a razão.
Outro argumento bastante difundido, é que medicina popular evoluiu para a medicina científica, no entanto, podemos analisar a medicina popular: "age como um divisor de águas", onde as classes populares, buscando uma maneira de sair da dominação burguesa, (que secretamente oprime com meios legais, favorece uma impressão de violência simbólica) assim, eles estão desenvolvendo sua própria emancipação.
Summary:
This article seeks to broaden the discussion in field* of Health (*concept used by Pierre Bourdieu, a notion that characterizes autonomy in the field of competition and internal conflicts), which deals specifically between scientific medicine "bearer of reason and reliable" and folk medicine, this is, used in all human existence, built on experience in plants and roots of nature, but for some reason lost the hegemony that had previously, is seen as "unreliable", not tested empirically, without dialogue with reason.
Another widespread argument is that folk medicine has evolved into scientific medicine, however, we can analyze the popular medicine: "acts as a watershed," where the popular classes, seeking a way out of bourgeois domination, (who secretly oppresses with legal means, favors an impression of symbolic violence) so they are developing their own emancipation.
Palavras chave:
Medicina, dominação, classes, saúde, ciência.
Key words:
Medicine, domination, class, health, science.
O tema que aqui é discutido se faz necessário para fins de desnaturalizar o padrão hegemonicamente assentido, que é atualmente difundido na questão de autoridade, se tratando de saúde, ou seja, que a medicina científica, ensinada nas universidades e centros de pesquisas, que formam profissionais, estes que são reconhecidos como “capacitados” e portadores da única maneira real de diagnosticar e tratar doenças, bem como, medicar remédios, com base na química de laboratório e na biologia de laboratório, ignorando a medicina popular que perdura durante toda a existência humana, as antigas práticas xamãs, utilizadas pelos indígenas, os xaropes medicinais dos “pretos velhos”, oriundos do candomblé e culturas africanas, dentre outras práticas que são vivenciadas pelas classes populares, que por variados fatores as procuram, seja por não dispor de recursos econômicos para utilizar a medicina científica ou por descrença em sua eficácia, vide o exemplo da aplicação dos contraceptivos na África, a população, em sua grande maioria oriunda de tribos indígenas, acredita que a Aids, ou vírus HIV, é passado ou transmitido, justamente pelo uso dos contraceptivos, não conseguem crer na eficácia do combate do HIV pela medicina científica, aqui não se discorda da eficiência e dos métodos científicos, mas o exemplo é para mostrar que existem contradições, ou seja, essas tribos preferem os seus métodos naturais e culturais para tratar de seus problemas de saúde, pois, desconhecem a ciência europeia e ocidental, suas práticas foram efetivas durante longos anos e garantiam sua sobrevivência, se isso é ou não real, do ponto empírico ou observacional, não nos cabe a discussão, mas a não - interferência de práticas científicas não culminou com a extinção desses povos, pelo contrário, a permanência de suas tradições e culturas é o que garante sua existência como tal.
Inegavelmente são considerados “doentes” quando algo os impede de realizar suas atividades comuns, isso é fato. Um fator que deve se levar em consideração é que o capitalismo cria novas doenças conforme os avanços tecnológicos extinguem outras, para o simples “equilíbrio lucrativo”, doenças precisam existir, para pessoas comprarem remédios e consequentemente alimentar os lucros da burguesia que tende a se “alimentar” de vida, mas vidas são abundantes em nosso mundo, não é?
A racionalização dos meios nós possibilitou um novo valor, que permite aos seres seguirem em frente, a INDIFERENÇA combinada com a NEGAÇÃO, a exemplo:
“Sei que meus amigos estão morrendo pela exploração, discriminação e condições insalubres, mas não é da minha conta, aliás, o que posso eu fazer? Tenho que cuidar da minha vida, não tenho tempo para ser tutor de ninguém”. (Autor desconhecido).
Eis que o capitalismo nós afastou uns aos outros, nos individualizou, transformou os homens em impotentes e carentes de aspectos transformadores, uns são tratados como objetos (a mulher, por exemplo), outros de anormais (os LGBT’s), inferiores (Negros), incultos dignos de dó (pobres) e apenas um é merecedor de atenção e saúde de qualidade, o homem: branco, heterossexual e rico.
Um dos principais problemas no campo da saúde é quem tem autoridade para diagnosticar, prevenir, tratar doenças e medicar, a sociedade contemporânea já “elegeu” e legitimou quem de fato pode ou não exercer a função de “pajé”, “xamã”, “preto velho” “benzedeiros”, “curandeiros” ou mais conhecidamente em sociedades capitalistas burguesas, o “médico”, apesar do antigo sistema de negar e deslegitimar algo desconhecido por nós, como os exemplos tribais e populares citados anteriormente, todos tendem a passar por uma espécie de formação e legitimação social do papel que pretendem exercer.
O médico que atende em clínicas, hospitais ou postos de saúde precisa cursar o curso de medicina, ganhar seu diploma e um número nas agências fiscalizadoras e reguladoras “crm”[1] ou “cfm”, para então ser considerado “apto” a exercer a função. Mas os Pajés e Xamãs também precisarem provar suas habilidades passando por rituais ou apreendendo a função hereditariamente, o mesmo ocorre com benzedeiros, curandeiros, pretos velhos, cada qual, necessariamente, dentro de suas atribuições culturais, legitimam ou não seus “mederi” que do latim significa “Saber o melhor caminho”, “curar” ou “tratar”.
Em sociedades “modernas” (capitalistas) não reconhecemos outra forma legitima que não seja a Medicina tradicional, ou seja, aquela científica, que é ensinada nas universidades e centros de ensino especializados, a razão científica obriga-nos a fazer o seu uso e legitimar suas práticas, pois já foram “constatadas e comprovadas”, a partir dos métodos de René Descartes (1596 - 1650), a crítica da razão pura de Emmanuel Kant (1724-1804) e principalmente o empirismo de Francis Bacon (1561-1626) é que o mundo começa a ter outra concepção de ciência e o que podemos ou não legitimar e considerar seguro ou confiável.
Faz-se necessário aprofundar o empirismo de Francis Bacon, pois é a partir dele e de suas ideias que mudamos o curso de alguns métodos e isso é visível quando relacionamos as práticas da medicina e o seu famoso “método experimental”, as “medicinas populares” não seguem esse tipo de “adestramento científico”, portanto, são deslegitimadas, desclassificadas, como é possível observar nas citações abaixo:
Assim como em Descartes, a filosofia de Bacon caracteriza-se por uma ruptura bastante explícita em relação à tradição anterior, sobretudo a escolástica de inspiração aristotélica. Tal como ocorre em Descartes, a preocupação fundamental de Bacon é coma formulação de um método que evite o erro e coloque o homem no caminho do conhecimento correto. Este é um dos sentidos primordiais do pensamento crítico, que marcará fortemente a filosofia moderna, vendo a tarefa da filosofia como a libertação do homem de preconceitos, ilusões e superstições. É nesse contexto que encontramos sua teoria dos ídolos (Novum organum, secs. XXXVIII-XLIV). Os ídolos são ilusões ou distorções que, segundo Bacon, “bloqueiam a mente humana”, impedindo o verdadeiro conhecimento. (MARCONDES, Danilo, 2001, p.178).
Bacon propõe então um modelo para a nova ciência. O homem deve despir-se de seus preconceitos, tornando-se “uma criança diante da natureza”. Só assim alcançara o verdadeiro saber, o novo método científico é a indução, que, com base em regularidade entre os fenômenos e estabelecendo relações entre eles, permite formular leis científicas que são generalizações indutivas... Bacon é um pensador que acredita no progresso, oque fica claro pelo próprio te De augmentis. O conhecimento se desenvolve na medida em que adotamos o método correto, a experiência como guia. Os antigos representam a “infância da humanidade”, e a modernidade significa uma nova fase. Sua importância e influência derivam dessa defesa da modernidade, de um modelo de ciência ativa, pratica e aplicada, e de um pensamento crítico, que deve combater superstições e preconceitos, permitindo assim o progresso de nosso conhecimento e o aperfeiçoamento da condição humana. A razão instrumental defendida por Bacon e sua glorificação da técnica serão fortemente questionadas na filosofia contemporânea, em particular pela escola de Frankfurt e por Heidegger, porém, em sua época, Bacon teve uma importância fundamental no sentido da ruptura com a tradição. (MARCONDES, Danilo, 2001, p.179).
Depois de tais aprofundamentos teóricos, é possível verificar como foi se desenrolando o processo de afirmação da razão e empirismos e como isso vem sendo adotado ao longo dos anos pela ciência que conhecemos, não fica difícil pensar como acontece à subjugação dos métodos populares, mais especificamente, como aqui é caso, da medicina popular, seus agentes e práticas, que não são considerados ciência e sim, “ilusões e superstições” como afirmava Bacon.
REFERÊNCIAS:
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: Dos pré-socráticos a Wittgenstein. 6º ed. Rio de janeiro. 2001.
JEFERSON KAPPES - Graduado em Ciências Sociais, pela Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Campus de Chapecó, Santa Catarina, 2017.
[1] CRM: Conselho Regional de Medicina. CFM: Conselho Federal de Medicina. Responsáveis por fiscalizar e regulamentar médicos e práticas.
Publicado por: Jeferson Kappes
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