Pastoral com Homossexuais: Análise dos retratos de uma experiência
Resenha do livro A pastoral com homossexuais: Retratos de uma experiência, abordagem de um tema polêmico dentro dos moldes da sociedade e no interior da igreja,O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
Abordando um tema polêmico tanto dentro dos moldes da sociedade quanto no interior da Igreja, o livro é o resultado de uma experiência precursora, ainda não pensada, ou, se pensada, ainda não expressa. O tema é polemizante e polêmico para uma sociedade pós-moderna, mas que apresenta profundas raízes em certos valores preconceituosos. Contudo, o que o livro aborda não se trata de uma afronta, um ataque, ao que o Magistério da Igreja concebe a respeito do homossexualismo. São relatos de experiências do próprio autor em sua prática pastoral e de pessoas que se encontram diretamente envolvidas em tal situação.
Redigido em quatro capítulos que relatam desde o despertar do autor pela experiência pastoral polêmica em que se encontra a experiência com os homossexuais até os caminhos mais práticos para a concretização de uma pastoral voltada à homossexualidade. Além de trazer, em uma segunda parte, um adendo com depoimentos de pessoas envolvidas com tal tema. Como o próprio autor relata gostar “de trabalhar com depoimentos”, tal adendo não é simplesmente um relatar de histórias, mas é concretizar a experiência a respeito do assunto e “dar voz aos próprios sujeitos da reflexão teológica”.
Já na introdução do livro, Trasferetti mostra a tônica de como se desenrolará o assunto. Citando Bernarhd Häring, nota-se que o grande instrumental para se conseguir dialogar sobre o tema se faz na tolerância. Assim, há que se procurar despir-se de todos os pré-juízos e pré-conceitos que possamos carregar sobre a questão central da obra.
A proximidade que Trasferetti dá ao leitor ao abordar sua própria história, seus pré-juízos quando ainda vivia sua infância e adolescência: “Não sabíamos bem o que era homossexualismo. Todo mundo tinha de ser macho! Nossa identidade sexual já estava definida”. E na mentalidade de muitos cresce aquela idéia de que ser homossexual é uma coisa horrível. Com esses comportamentos, cai-se facilmente no desprezo, na humilhação, nas brincadeiras pejorativas e etc. Aceitar algo que foge a um padrão pré-estabelecido é algo dolorido e perturbador.
E se encaminhando na perspectiva de sua própria história, o autor começa a relatar, no capítulo I de seu livro, como e quando começou sua militância juntamente aos homossexuais. Contando com quarenta e um anos e com catorze de padre, Trasferetti trabalhava, nessa época, na periferia da cidade de Campinas, na paróquia de São Geraldo Magela. A Campanha da Fraternidade de 1995, que tinha como tema “Eras Tu, Senhor?”, falava da exclusão. Foi nesse instante que o autor inquietou-se com um grupo de nove pessoas que moravam em uma casa dentro de seu território paroquial. Escreve ele em seu livro que “eram pessoas comuns, normais como todos nós, porém diferentes na sua orientação sexual. Alguns eram homossexuais, outros travestis, entre rapazes e moças”.
A acolhida dada pelo grupo a José Antonio fez nascer, então, uma amizade. As conversas eram as mais variadas. Manifestavam sentimentos religiosos, acreditavam em Deus, respeitavam a Igreja e os padres. Contudo, existia uma dificuldade em fazer uma aproximação, pois acabavam se autoculpando, o que, conseqüentemente, os levavam a uma automarginalização. A violência cultural é muito mais cruel que a violência física. Ela se dá nos olhares preconceituosos, se dá no pensamento das pessoas que não compreendem o outro, no jeito de falar que muitas vezes carregamos sobre o assunto e, principalmente, em nossos corações.
Com um tema tão intrigante, por mais evoluída que nossa sociedade possa se imaginar, a mídia trouxe à tona o trabalho desenvolvido por Trasferetti. É esse interesse da mídia que é narrado no capítulo II do livro. Interesse iniciado pelo jornalista José Pedro Martins, do Jornal Correio Popular, da cidade de Campinas. Foi José Pedro quem começou o termo Pastoral dos Homossexuais na manchete de sua matéria a respeito do trabalho desenvolvido na Paróquia de São Geraldo. E, desse modo, o assunto se tornou uma epidemia nos mais diversificados meios de comunicação de massa. Ao mesmo tempo em que a imprensa divulgava o trabalho, o diálogo com a mesma tornou-se difícil. Defender pessoas excluídas exige certas posturas: sabe-se que a reação da sociedade e da comunidade pode ser a mais diversa possível.
O capítulo III do livro procura fazer um embasamento mais científico da questão. Esse capítulo apresenta a visão psicológica da sexualidade, os fatores culturais e sociológicos, além de estatísticas numéricas dos fatos a respeito da homossexualidade. Há uma preocupação em se definir os termos utilizados a respeito da dimensão sexual como hermafrodita, transexual, travesti, homossexual, bissexual e transformista. Embora vão ao encontro de uma realidade parecida, são termos totalmente desvinculados uns dos outros.
Neste mesmo capitulo III, faz-se uma reflexão a respeito da herança que trazemos de uma sociedade patriarcal ou de uma sociedade matriarcal. O primeiro tipo de sociedade – a patriarcal – tende a subjugar o papel da mulher, humilhá-la. A atividade sexual é vista como algo negativo, servindo apenas para a reprodução, e a homossexualidade é algo abominável, já que não desempenha tal papel. As sociedades matriarcais – como algumas apresentadas ao longo do mar mediterrâneo – estabelecem o contrário da outra. O sexo é encarado como algo bom, como algo sagrado, não só servindo para a procriação.
O homossexualismo e as Sagradas Escrituras é um outro tema importante abordado neste capítulo. O próprio autor constata que, para os homossexuais, a Bíblia é uma referência muito importante. Diz-nos a respeito do assunto que “a maioria deles [os homossexuais] possui uma religião, acredita em Deus e gostaria imensamente de ser reconhecida como filho de Deus”. E já que estamos falando da relação com as Sagradas Escrituras, surge uma pergunta: Jesus condenou o homossexualismo? Pelo contrário. Jesus se revela como um amante das pessoas em sua totalidade, não condenando ninguém em sua época, abrindo os braços para todos, exceto para aqueles que agiam de forma preconceituosa e farisaica, prejudicando a dignidade da pessoa humana.
Entrando no âmbito do Magistério da Igreja, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé tem um documento intitulado como Declaração sobre algumas questões referentes à Ética Sexual, em que faz uma crítica ao que se chama de relaxamento dos costumes em temos de comportamento moral sexual. A declaração aponta para os grandes desafios a que a sociedade, principalmente a juventude, tem sido conduzida.
A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé não aceita os relacionamentos homossexuais, contudo, permite que se possa fazer um trabalho pastoral com os homossexuais na linha de uma acolhida, de amizade sincera. Entretanto, a posição oficial é de que a Igreja é contrária às práticas homossexuais genitais. Em hipótese alguma, portanto, a prática pastoral com os homossexuais deve dar um sentido de aprovação ou legitimidade das práticas sexuais deles.
O capítulo IV busca dar uma sistematização para a criação de uma pastoral com homossexuais. Parte-se de princípios e de experiências realizadas pelo próprio autor e do despertar dessa iniciativa: Campanha da Fraternidade de 1995: “A fraternidade e os excluídos”. O figura central deste capítulo é o travesti Denise. Seu testemunho é importante dentro de toda a obra porque dá toda a nuance do trabalho desenvolvido por Trasferetti. Do contato com Denise e com Tayla – outro travesti – nasce a intenção de se criar uma Pastoral para essa gente.
Então, vê-se a importância do papel do sacerdote nesse contexto. Papel esse que deve ser o de apascentar. Como um bom pastor, o sacerdote acolhe as ovelhas sem olhar se são velhas, se são novas, se são negras, se são brancas, se são de que cor for ou mesmo raça.
Citando Marciano Vidal, Trasferetti embasa toda a sua visão teológica, que é também a visão da Igreja. Para o trabalho pastoral com os homossexuais é preciso: 1) aceitação e respeito à pessoa acolhida; 2) ponderação equilibrada da responsabilidade; 3) orientar a pastoral pela lei do crescimento e conversão gradual; 4) buscar a integração pessoal através da aceitação da condição homossexual; 5) estimular as amizades estáveis entre os homossexuais; 6) propor o ideal da relação intersubjetiva; 7) descartar o matrimônio como solução terapêutica; 8) entender e realizar a condição homossexual sob o olhar gratificante de Deus amor, que jamais abandonara sua criatura.
A parte final do livro, o autor dedica a depoimentos. Isso enriquece não só o texto, mas todo o trabalho moral feito por ele. A área da moral é prática, não pode ficar na teoria. Daí a necessidade primordial de se anexar os depoimentos. Com eles, firmam-se os argumentos todos usados no livro, reforçando-os e complementando-os.
Não há dúvidas que a área de moral – professe ela o credo que for – é cheia de assuntos polêmicos. A sociedade pós-moderna em que vivemos, cujos valores estão ora ausentes, ora retorcidos, vai sempre à contramaré de Instituições como a Igreja Católica. Por isso que acontece o embate de idéias entre os dois mundos.
Tratar de um assunto de sexualidade foi, por muitos anos, um verdadeiro tabu para a sociedade. A Igreja, de certa forma, contribuiu para que a mentalidade em torno do assunto da sexualidade (mais centralizada no âmbito do sexo mesmo) se reforçasse dentro de seus dogmas e de suas condições. Com o passar da história humana, os valores foram perdendo sua significação, outros foram surgindo, entretanto, não com tanta força e com tanta obstinação que aos anteriores.
O assunto é ousado, instigante e provocador. Falar dele dentro de uma Instituição milenar que prega a opção sexual hetero e condena a homo é colocar-se em indisposição com os mais variados órgãos presentes nela. Quando esse falar é feito por um membro dela, o assunto parece ficar indigesto, intransponível e enfim.
Contudo, sempre existem, mesmo dentro de Instituições que já têm seu pensamento fechado, pessoas abertas ao diálogo. E é esse o grande trunfo que o livro apresenta. Pensamos que a solução deva ser extraordinária, entretanto, o que aparece é a simplicidade da acolhida, do diálogo, do respeito. O que não significa, é claro, ser conivente com as atitudes. Daí, como diz a Sagrada Escritura: “acolher o pecador e não o pecado”.
Nesse sentido, somos, de uma forma ou de outra, pecadores. Ninguém se isenta ou se exime de tal condição. Então, há aquela exortação: “gostaríamos de estar sofrendo essa mesma discriminação, ou qualquer outra que fosse?”. Claro que a condição de sermos discriminados por quaisquer que sejam nossas faltas, é evidente. O que não faz de nós seres humanos melhores que o outro porque sua opção sexual não condiz com o padrão. Mas, entramos aqui em uma reflexão um tanto quanto mais complexa: quais os parâmetros para dizer o que é o normal? É certo que, dentro da opção feita pelo credo da Igreja, comprometemo-nos a viver aquilo que ela prega, ensina, educa. Somos chamados a viver a santidade seja de forma hetero, seja de forma homossexual. A lei é para todos.
Dia após dia a sociedade pós-moderna muda mais e mais. Os “namoros” e “casamentos” entre pessoas do mesmo sexo se torna algo banal, corriqueiro, não escandaliza como no passado. Isso já é um dado positivo, pois mostra um “pseudo-sinal” de respeito, de acolhida daquele que é julgado diferente. Mas, o texto nos traz para dentro de uma discussão teológica. Se ficássemos somente dentro do âmbito social, ficaríamos dentro de um pensamento laxista de que cada um faz o que bem entende de sua vida.
Voltando para a reflexão teológica do tema, há que fazer muito ainda para que haja acolhimento por parte dos agentes de pastoral de nossas paróquias para esse tipo de gente colocada à margem mesmo pela sociedade. Se esta mesma sociedade ainda tem olhares preconceituosos para diversos tipos de comportamentos não muito dentro de seu padrão, o que se dirá de nossas pastorais? A esperança é que tanto sociedade e tanto Igreja abram-se mais para o acolhimento. Com isso, todos poderemos sair ganhando.
Anderson Rodrigo de Oliveira
Referência bibliográfica:
TRASFERETTI, José A. Pastoral com Homossexuais: Retratos de uma experiência. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.
Publicado por: Anderson Rodrigo de Oliveira
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