A PARÁBOLA DOS TALENTOS NA PERSPECTIVA DAS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
Análise sobre a parábola dos Talentos na perspectiva das ciências da Religião.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
A PARÁBOLA DOS TALENTOS (NOVO TESTAMENTO - MATEUS 25:14-30 E LUCAS 19:12-27) NA PERSPECTIVA DAS CIÊNCIAS DA RELIGIÃO:
Parábola é uma narrativa que visa a comparação de um fato de um outro dando o mesmo sentindo real. O seu uso por Jesus de Nazaré, tinha o objetivo de mostrar com clareza, as grandes revelações contidas nas coisas do cotidiano da Galileia do Século I, relacionadas ao Reino de Deus.
Parábolas retratam situações do dia-a-dia das pessoas. Recolhem situações tiradas da vida do povo, expressando-as com os dados da cultura popular de então. As parábolas aí encontradas, na sua grande maioria, evocam realidades ligadas à vida camponesa, particularmente situações relacionadas ao trabalho. Para uma compreensão adequada delas é necessário, portanto, travar contato com as condições de vida da população camponesa e com a situação socioeconômica conflitiva reinante nos campos da Galiléia para se ter uma idéia da realidade da qual surgiram as parábolas e por elas questionadas (VASCONCELLOS, 2006, p. 13).
Na parábola dos Talentos, Jesus não está falando sobre talentos na perspectiva de virtudes /ou qualidades. Em que, se alguém não exerce o seu “talento” que hoje a Igreja (Cristianismo) traduz como sendo: “serviços e dedicação” para a obra do Senhor (eclesial), entretanto, se restringe somente a referida (exclusivamente) à organização religiosa, ou seja, o talento do indivíduo somente pode ser realizado para a igreja, dentro dela e não fora dela e os que não exercem o seu talento para o serviço da obra do Senhor (Instituição religiosa), estão enterrando-os.
A Parábola dos Talentos, é registrada em Mateus e Lucas, livros que compõem os Evangelhos sinóticos. De acordo com alguns teóricos como Gerd Theissen, Annette Merz e Richard Horsley, os livros de Mateus e Lucas foram escritos entre os anos 80 ou 90 da Era Comum. Portanto, as parábolas relatadas nesses Evangelhos, são memórias dos primeiros discípulos, em relação ao ministério de Jesus de Nazaré no ano 30 EC (BROWN, 2004, p. 184).
Logo, as lições extraídas das Parábolas dos Evangelhos, sofreram também adaptações para as respectivas comunidades receptoras, em particular, a comunidade mateana e lucana, pois, se passaram pelo menos 50 a 60 anos em relação ao ministério de Jesus. No que se refere ao Evangelho mateano: “[...] Mateus exige caridade, doação [...] tudo ele escreve com o objetivo de transformar a vida comunitária, para tirar dela todos os resquícios herdados do sistema greco-romano de exploração do pobre” (LIMA, 2011, p. 26).
De acordo com o Professor Pedro Lima Vasconcellos, doutor em Ciências Sociais pela PUC/SP, a correta interpretação da Parábola dos Talentos no seu contexto histórico é que, Jesus está denunciando o imperialismo da época. Jesus está denunciando as mais variadas formas de opressão que os seus seguidores sofrem do Império Romano com ajuda da Corte religiosa de sua época. Quando Jesus diz, que o Reino de Deus é semelhante a um homem nobre que partiu para uma terra remota, antes de partir, reuni seus escravos e distribui “talentos”(um talento no mundo antigo equivalia a 59 kg de ouro) para cada um, ... o que recebera 5 negociou e granjeou mais 5, o que recebera 2 negociou e granjeou mais 2 e o servo que recebera 1, com medo do seu senhor, pois sabia que o seu senhor era um homem de dura cerviz que “ceifas onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste”, escondeu na terra o seu talento. Jesus ao proferir esta parábola, está evidenciando o sistema de opressão que obrigava os ditos “servos” em relação aos seus senhores de conquistarem mais e mais benefícios para os prazeres (ganância) dos seus senhores. Segundo o relato, o primeiro e o segundo servo foi responsável aos olhos do seu senhor (agradou-o), pois eles angariaram mais e mais (talentos), foram gananciosos.
Porém, o terceiro servo foi considerado negligente (não o agradou), pois não angariou mais e mais para o seu senhor. “Devias então ter dado o meu dinheiro aos banqueiros e, quando eu viesse, receberia o meu com os juros”. Uma lógica dessa se encaixa perfeitamente na compreensão do sistema capitalista de hoje. Onde que, o bom é aquele que é ganancioso, quer mais e mais e que muitas vezes, aquele que não possui status (poder aquisitivo) o sistema obriga que ele seja “marionete” para os que possuem status, possam ter “mais e mais”.
Portanto, a Parábola dos Talentos é, a denúncia de Jesus de Nazaré contra um sistema opressor que será abolido e substituído por uma outra lógica, a do Reino de Deus (de Justiça e Igualdade). Porém, no aqui e agora no contexto da Galileia do Primeiro Século.
Segundo o Evangelho mateano:
"Por fim veio o que tinha recebido um talento e disse: ‘Eu sabia que o senhor é um homem severo, que colhe onde não plantou e junta onde não semeou. Por isso, tive medo, saí e escondi o seu talento no chão. Veja, aqui está o que lhe pertence’. "O senhor respondeu: ‘Servo mau e negligente! Você sabia que eu colho onde não plantei e junto onde não semeei? Então você devia ter confiado o meu dinheiro aos banqueiros, para que, quando eu voltasse, o recebesse de volta com juros. “Tirem o talento dele e entreguem-no ao que tem dez” (MATEUS 25,24-28, NVI, negrito nosso).
Em geral, a tradição cristã faz a leitura do trecho citado acima, numa perspectiva em que, o homem que representa o senhor de escravos, vira o próprio Deus e nos humanos, viramos os escravos mencionados no texto. Assim, o texto se transforma em uma alegoria. Pois, ela compartimenta o relato e vai atribuindo significados a cada elemento da narrativa. Portanto, realizando a leitura alegorizada dessa Parábola, Deus, se imagina possível ser representado na imagem de um senhor que colhe onde não plantou e que recolhe de onde não semeou. Uma leitura assim, se assemelha à logica capitalista e da acumulação.
Hoje, as pessoas transformam em Deus a figura do senhor da Parábola dos Talentos, sem dor e piedade. E nós, viramos os servos que recebem “alentos” e esses não dizem mais a respeito à recursos (dinheiro) e riquezas, mas a habilidades, dons, competências etc. que Deus irá cobrar da gente no juízo final. No entanto, não há nada no texto que diga isso. Isso foi imposto ao texto. Não há bases no Evangelho que sustente tal posicionamento. Assim sendo, adotar a interpretação em que o senhor mencionado na Parábola dos Talentos representa Deus, condiz muito com certas imagens de Deus onipotente, cruel, vingativo e etc., (um ser maligno), associado aos poderes dominantes, de gente que colhe onde não plantou e recolhe de onde não semeou.
A tendência de interpretar alegoricamente as parábolas, mesmo onde a alegorização não aparece nos Evangelhos, acabou sendo a dominante. E por isso, o potencial das Parábolas, ficou perdido no tempo.
Há muitas parábolas nos Evangelhos que falam de uma outra lógica (justiça e igualdade) em relação à lógica atual, como, por exemplo, a Parábola dos Trabalhadores na Vinha. Onde os últimos trabalhadores contratados, recebem a mesma quantidade de denários (pagamento) dos primeiros trabalhadores contratados pelo senhor da vinha.
Jesus está denunciando a lógica atuante em que, retribuo conforme a quantidade de trabalho realizado (meritocracia) e mostrando uma outra lógica (igualdade) em que, a pessoa não seja avaliada pelo víeis da meritocracia, mas que ela tenha aquilo que necessita para a sua sobrevivência, o denário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a Parábola dos Talentos assim como as demais parábolas ditas por Jesus de Nazaré no contexto da Galileia do Primeiro Século, quando interpretadas no seu contexto histórico, denuncia à lógica atuante (meritocracia e ganância) e mostra uma outra lógica, a do Reino de Deus (igualdade e justiça). Quando interpreto o texto sagrado à luz do seu contexto histórico, causo uma explosão de justiça e igualdade na sociedade através da correta hermenêutica dos ideais do Evangelho. A interpretação do texto sagrado, em especial, as parábolas dos Evangelhos considerando o seu contexto histórico, não trazem lucro pessoal/econômico ao intérprete. Ao contrário do ambiente eclesial-templo, salvo algumas exceções.
REFERÊNCIAS
BÍBLIA. Português. Nova Versão Internacional. 1. ed. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2000.
BROWN, Raymond. Introdução ao Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2004.
HORSLEY, A. Richard. Jesus e o Império: o reino de Deus e a nova desordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004.
LIMA, Anderson de Oliveira. EMPRÉSTIMO NÃO É CARIDADE: O PERDÃO DAS DÍVIDAS EM MATEUS 18.21-35. Revista Âncora, Volume VI – Ano 6 | Agosto de 2011.
PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA. A Interpretação da Bíblia na Igreja, Roma, 15 abr. 1993. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_doc_19930415_interpretazione_po.html. Acesso em: 24 jul. 2022.
THEISSEN, Gerd; MERZ, Annette. O Jesus histórico. Um manual. 1° edição. São Paulo: Loyola. 2002.
VASCONCELLOS, Pedro Lima. QUEM TIVER OUVIDOS, OUÇA: VOZES E ESCRITAS NO CONTEXTO DO CRISTIANISMO PRIMITIVO. Revista Projeto História, São Paulo, (26), jun. 2003.
_________________________. Leitura das parábolas: uma proposta. Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica. 2006.
SOBRE O AUTOR
RENATO SILVA DE ARAÚJO
Lattes:
http://lattes.cnpq.br/3712568678177497
Possui graduação em Ciências da Religião pelo Centro Universitário Internacional e Curso livre de Teologia pelo CEFORTE. Tem interesse nos seguintes temas: Religião, alienação e hermenêutica.
Publicado por: Renato Silva de Araújo
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