Reflexão do livro: Encontro Marcado com a Loucura:Ensinando e Aprendendo Psicopatologia
Veja uma discussão relacionando o conteúdo do livro "Encontro Marcado com a Loucura", com alguns artigos que falam sobre o preconceito e o estigma da loucura.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
O presente trabalho consiste em uma reflexão sobre o livro - Encontro Marcado com a Loucura: Ensinando e Aprendendo Psicopatologia da autora Tânia Cociuffo; uma discussão relacionando o conteúdo do livro com alguns artigos que falam sobre o preconceito e o estigma da loucura; e uma conclusão enfatizando os pontos que consideramos mais relevantes e ou marcantes.
Muitas concepções foram criadas para tentar explicar o que é normal e o que é anormal. A primeira concepção da loucura foi o modelo mitológico religioso, a loucura era considerada como algo determinado pela ação dos Deuses. Essa concepção persiste nos dias de hoje, pois, ainda existem pessoas que acham que os seus problemas são causados por motivos religiosos, são pessoas que se sentem perseguidas por espíritos ou que dizem ouvir vozes que lhes dão ordens.
Antigamente a fala do paciente com transtorno mental não tinha importância. Com a descoberta da Psicanálise a loucura saiu do silêncio. Freud recolocou o doente como participante de sua doença e ressaltou a importância da fala e da escuta para o tratamento. Freud associou a loucura ao destino mesmo do homem, sustentou que existe um contínuo, no qual não se sabe exatamente onde começa e onde acaba a sanidade mental.
O paciente psiquiátrico é alguém que necessita ser conduzido a encontrar o significado de si mesmo num mundo de incongruências, devemos observar as alterações de memória, de humor, sem nunca deixar de ver a pessoa. É preciso desmistificar a loucura, refletir sobre a realidade do outro e de si mesmo.
Segundo Cociuffo, para Melanie Klein, o psicótico não conseguiu superar as angustias primitivas da infância e regressou a elas quando sua psicose se tornou manifesta. Segundo a autora a distinção entre a neurose e a psicose é o caráter regressivo (quantitativo). Para Bion, o contato com a realidade interna e externa está intimamente relacionado à consciência, e o modo de encarar a realidade depende de seu funcionamento. As inúmeras experiências do individuo em contato consigo mesmo e com a realidade que o cercam necessariamente implica um confronto entre a tendência a tolerá-la ou a fugir dela.
No livro encontro marcado com a loucura aprendemos que Psicopatologia não se trata simplesmente de diagnósticos, mas do desenvolvimento de uma habilidade profissional muito delicada e preciosa, a escuta. Escutar sim o sintoma e o quadro clínico, mas, também o ser humano que está em nossa presença à espera de uma ajuda profissional especifica.
Cociuffo fala de uma forma de ensinar diferente, em que o aluno comece a pensar a partir da experiência. Promovendo discussões e reflexões sobre a normalidade. Com o intuito de formar alunos conscientes da especificidade do lugar que ocupam, bem como das limitações inerentes a qualquer campo de conhecimento. Com o objetivo de ir construindo a compreensão da doença mental e posteriormente, o conhecimento dos diagnósticos psicopatológicos. Os alunos são permanentemente incentivados a pensarem no atendimento em Saúde Mental de uma perspectiva multidisciplinar, somando esforços de todos os setores envolvidos no atendimento. Ainda, de acordo com a autora, essa forma de ensinar privilegiando a experiência, inicialmente é fonte de angustias persecutória, de sentimentos de frustração, de desamparo, impotência, etc.
As aulas práticas envolvem a questão do contato com o paciente, a entrevista diagnóstica, o reconhecimento das psicoses e as possibilidades de inserção do trabalho do psicólogo nas instituições de Saúde Mental.
O psicólogo trabalha para além do diagnostico, no encontro do sofrimento do outro e na busca de sentido para esse sofrimento, o que implica a compreensão da realidade psíquica, cultural e econômica dessa população. É importante desmistificar preconcepções referentes à identidade do psicólogo frente ao usuário de saúde mental e frente a si mesmo. O objetivo do psicólogo consiste em avaliar o grau de saúde que persiste no usuário para, a partir daí, iniciar uma psicoterapia.
Cociuffo faz um relato sobre seus alunos, como eles se sentiam e o que esperavam encontrar no hospital psiquiátrico, todos eles se sentiam ansiosos, sem saber o que fazer o que dizer, como agir, uns achavam que os pacientes eram agressivos, outros que eles não falavam, enfim, é tudo aquilo que escutamos falar sobre os loucos. Ainda existe muito preconceito quando se fala em doente mental. Ela conta que quando os alunos ingressam nas aulas praticas, devem se despir das teorias e adentrar o mundo da prática, o encontro não permite mais que não se veja.
Compartilhamos da mesma opinião de Cociuffo, quando ela fala que o contato com os segregados, obriga-nos, de alguma maneira à reflexão, à revisão e a construção gradativa de um pensamento sobre a Saúde Mental no Brasil, as condições de tratamento, os recursos humanos disponíveis e a contribuição de cada um frente a esse quadro árido apresentado diante de todos.
Nos espaços de supervisão é proporcionado um tipo de reflexão que ajuda a integrar os aspectos emocionais com uma prática comprometida com o usuário em Saúde Mental. Pretende assim formar alunos conscientes das dificuldades e possibilidades existentes no atendimento em Saúde mental.
Não é possível olhar para o outro se não temos um mínimo de referência do que é vida mental. E esse conhecimento não passa somente pelo aprendizado de uma teoria em psicopatologia, passa pelo reconhecimento das angustias presentes no contato, pelo conhecimento de si e, principalmente, pela discriminação dos graus de sofrimento psíquico e social presente em cada individuo exposto à nossa frente.
Cociuffo (2001 apud Bleger,1989) alerta para o perigo da projeção, ou seja, projetar seus próprios conflitos sobre o entrevistado, além de uma certa compulsão em encontrar perturbações exatamente nas esferas na qual se nega que se tenham perturbações.
Com os relatos que Cociuffo faz sobre seus alunos fica evidente que os alunos muitas vezes se sentem perdidos na ausência dos professores, há sentimento de desamparo e a necessidade de um “salvador” de alguém que saiba. No entanto ela alerta para o fato que cada um deve vasculhar suas possibilidades, que o aprendizado é dialético que não há conhecimento unilateral.
O contato direto com o paciente, coloca o profissional diante da sua própria vida, saúde ou doença, seus próprios conflitos e frustrações, Caso ele não consiga graduar este impacto sua tarefa se torna impossível. Desde o inicio do curso, somos incentivados a realizar o processo terapêutico, a presença da angustia nos alunos, no contato com os pacientes nos fez perceber a importância de se fazer terapia.
Outro aspecto que chamou nossa atenção é a indignação de alguns alunos com a maneira que outros profissionais implicados no atendimento cuidam dos pacientes, gerando revolta e frustração. Trazendo questionamento sobre a ausência de cuidado, da falta de compreensão e tolerância por parte desses cuidadores. A convivência próxima com o doente mental deixa a experiência do quanto é difícil lidar com essa situação. Atender é muito mais complexo do que sentar-se diante de um paciente.
Após o encontro com os pacientes do hospital psiquiátrico, os alunos percebem que o que ocorre lá dentro é bem diferente da concepção que foi criada, pois muitos entram no hospital imaginando o modelo que existia antes da reforma psiquiátrica, e o que eles encontram lá dentro é um modelo mais humanizado de tratar as pessoas com transtornos mentais.
Atualmente vivemos um cenário de transição em que o modelo antigo, manicomial, deixou de ser dominante, mas o novo ainda não é hegemônico. Segundo Cociuffo, em muitas instituições de saúde mental a realidade ainda é de pacientes apartado do convívio, presos e cabe a nós estudantes e psicólogos contribuir para o incremento de novas práticas.
Discussão
Através da leitura do livro Encontro Marcado com a Loucura: Ensinando e Aprendendo Psicopatologia e de alguns artigos que falam sobre o preconceito e o estigma da loucura, foi possível perceber que os transtornos mentais exercem forte impacto sobre os indivíduos, as famílias e as comunidades. Os portadores de transtorno mental sofrem muitas vezes por estarem impossibilitados de exercer suas atividades de trabalho e lazer, impossibilidades estas na maioria das vezes em virtude da discriminação.
Estigmas e violências se inscrevem no universo das representações sociais. O estigma pode ser expresso como uma condição genérica de preconceito arraigado e naturalizado na nossa cultura. Esse preconceito mantém-se relacionado, principalmente, aos conceitos de periculosidade e de infantilidade atribuídos à loucura e a uma redução do sujeito à doença. (NUNES, 2009).
Segundo Alverga (2006) muitas pessoas interpretam o fato de precisarem de um psicólogo ou um psiquiatra como sinônimo de fraqueza, de debilidade, ou até mesmo de loucura. Tal fator se dá devido a valores culturais existentes em nossa sociedade, que ensinam o sujeito a ser forte, e passível de qualquer problema. Porém, isso só revela o quanto a sociedade é ignorante a respeito de tal problemática, visto que transtornos mentais não podem ser caracterizados como sinal de fraqueza, pois, toda e qualquer pessoa esta sujeita a passar por isso. Todos os transtornos mentais são passiveis de tratamento, possibilitando ao indivíduo uma maior qualidade de vida e desenvolvimento de suas potencialidades. Entretanto, a falta de conhecimento e o estigma presentes são barreiras a serem superadas.
De acordo com Guerra (2008) a opinião acerca da loucura implica uma ideia de impossibilidade de criar e manter relações afetivas e familiares; a periculosidade (louco como perigoso, representando risco para si mesmo e/ou para a sociedade) e a incapacidade (louco incapaz de estudar, trabalhar, cuidar dos filhos, assumir cargos públicos) são a base do preconceito social.
Cavalher (2007) realizou uma pesquisa com alunos do curso de enfermagem com o objetivo de verificar o modo como esses alunos percebem a loucura. Foi possível observar que os alunos percebem o doente mental como uma pessoa diferente, violenta, sem controle, que perde a razão, sem habilidades e condições de viver socialmente, que desperta emoções conflitantes como medo, preconceito e compaixão. Percebeu-se que o início da vivência de aprendizado de Enfermagem Psiquiátrica e o conseqüente contato com o doente mental, na maioria das vezes, é experienciado pelo graduando como algo de difícil compreensão, de difícil aceitação e de difícil manejo. Com o passar dos dias, envolvidos nesse processo de aprendizagem e interação ocorre uma mudança na percepção e na aceitação do aluno em relação ao doente mental, o que, em parte, provavelmente é favorecida pela aquisição de novos conhecimentos e pela possibilidade de desmistificar muitas fantasias que envolvem a loucura e também pelo contato real e concreto com as pessoas que passam pela experiência de ter uma doença mental.
Conclusão
Atualmente vivemos um cenário de transição em que o modelo antigo, manicomial, deixou de ser dominante, mas o novo ainda não é hegemônico. A retirada dos muros não obterá sucesso se as mesmas idéias e antigos estigmas continuarem a ser difundidos na sociedade. Não basta a sociedade abolir as formas institucionais concretas de exclusão, como manicômios, grades, celas fortes e identificar os loucos como cidadãos perante a lei, para que seus direitos de cidadania sejam garantidos. É importante reconhecer o processo de construção histórica da loucura para que se possa desnaturalizar conceitos e ter, então, a capacidade de reconstruí-los sob uma ótica mais comprometida com os interesses daqueles a quem se presta assistência.
Cociuffo fala de uma forma de ensinar diferente, em que o aluno começa a pensar a partir da experiência, promovendo discussões e reflexões sobre a normalidade. Essa forma de ensinar inicialmente é fonte de angustias, de sentimentos de frustração, impotência, etc. Desde o inicio do curso, somos incentivados a realizar o processo terapêutico, a presença desses sentimentos nos alunos, no contato com os pacientes psiquiátricos, nos fez perceber a importância de se fazer terapia. Além disso, é preciso desmistificar a loucura, refletir sobre a realidade do outro e de si mesmo.
Compartilhamos da mesma opinião de Cociuffo, quando ela fala que o contato com os segregados, obriga-nos, de alguma maneira à reflexão, à revisão e a construção gradativa de um pensamento sobre a Saúde Mental no Brasil, as condições de tratamento, os recursos humanos disponíveis e a contribuição de cada um frente a esse quadro árido apresentado diante de todos. Percebemos que o desenvolvimento da escuta é de extrema importância. Escutar o sintoma e o quadro clínico, mas, principalmente o ser humano que está em nossa presença.
Autores:
Marta Souza Santos
Jessica de Oliveira Gonçalves
Caroline dos Santos Pereira
Thalita Sueidy Gomes Ferreira
Fabiana de Oliveira Nascimento
Estudantes do 6º/7º semestre de Psicologia da Universidade Paulista-UNIP
São Paulo,08 de junho de 2013.
Referências Bibliográficas:
ALVERGA, A.; DIMENSTEIN, M. A reforma psiquiátrica e os desafios na desinstitucionalização da loucura. In: Interface - Comunicação, Saúde, Educação. Vol.10, n.20. Botucatu, 2006. Disponível em: < WWW.scielo.br >.
CAVALHER, S.; MERIGHI, M.; JESUS, M. A constituição dos modos de perceber a loucura por alunos e egressos do curso de graduação em enfermagem: um estudo com o enforque da fenomenologia social. In: Revista brasileira de enfermagem. V. 60, nº1. Brasília, 2007. Disponível em: < www.scielo.br >.
COCIUFFO, T. Encontro marcado com a loucura: ensinando e aprendendo psicopatologia. São Paulo: Luc Editora, 2001.
GUERRA, A.; CAMPOS, E.; MORELO, J.; ARCEBISPO, M.; FILHO, F.; MEDEIROS, C.; RODRIGUES, D.; MAIA, F.; BATISTA, G; MOREIRA, M.; ANDRADE, R. Direitos humanos e a loucura entre a cidade e seus estigmas: uma visita ao processo de desospitalização psiquiátrica no município de Belo Horizonte. In: Pesquisa em Revista. V.9, nº 13. Belo Horizonte, 2003. Disponível em:
NUNES, M.; TORRENTE, M. Estigma e violências no trato com a loucura: narrativas de centros de atenção psicossocial, Bahia e Sergipe. In: Revista Saúde Pública. vol.43. São Paulo, 2009. Disponível em: < WWW.scielo.br >.
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Publicado por: Marta Santos
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