Polícia Militar: Revisão e Reforma da Saúde Mental do Agente para redução da violência policial na sociedade
Breve estudo sobre a Polícia Militar, uma revisão e reforma da saúde mental do agente, visando a redução da violência policial na sociedade.
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Uma revisão dos danos psicológicos de policiais militares no dia a dia, dos preconceitos estruturais e de suas consequências.
Resumo
O presente artigo tem como objetivo elucidar a péssima qualidade da saúde mental de policiais militares no Brasil e como tais transtornos afetam suas relações com a população, que há anos também sofre com preconceitos estruturais da sociedade. Muitas vezes, esses preconceitos servem como gatilhos para abordagens violentas que resultam em letalidades graves, manchando a imagem das forças policiais e fomentando indignações populares.
Com o uso de pesquisas realizadas por estudiosos da psicologia e outras áreas humanas, dados de instituições públicas e depoimentos de policiais, novos caminhos são elaborados para reformular a conduta policial e melhorar a saúde mental e a qualidade de vida do policial militar, de forma que isso resulte em uma diminuição da violência entre a população e as forças policiais.
Palavras-chave: Polícia Militar, violência policial, Saúde mental, Estado, sociedade, preconceito
Abstract
This article aims to elucidate the poor mental health of military police officers in Brazil and how such disorders affect their interactions with the population, which has also suffered from structural prejudices for years. These prejudices often act as triggers for violent approaches, leading to serious fatalities that tarnish the image of law enforcement and fuel public outrage.
Using research conducted by psychologists and scholars from other human sciences, data from public institutions, and testimonies from police officers, new strategies are proposed to reform police conduct, improve mental health, and enhance the quality of life of military police officers. These measures aim to reduce violence between the police and the population.
Metodologia
Foram analisados estudos acerca da Polícia Militar. As pesquisas relatam demandas, percalços e outros tipos de dificuldades na vida do indivíduo que, profissionalmente, usa armas de fogo e goza de autoridade sobre a população civil, mas não se distancia da população em grande parte das ocasiões da vida diária no Brasil. Por meio de relatórios, gráficos e dados científicos, tais estudos foram averiguados, assim como a concepção de atuantes da Segurança Pública e de críticos da atuação policial no país.
A Função da Polícia na Constituição de 1988
A Carta Magna brasileira, norma jurídica de maior importância no Brasil, estabelece no Artigo 144 que o Estado é incumbido da Segurança Pública, exercida com o intuito de preservar a ordem e a incolumidade (bem-estar) da população, bem como o seu patrimônio. Os órgãos federais responsáveis são: Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares. As forças policiais são responsáveis pelas patrulhas ostensivas e preservação da ordem.
O Estado
O senso comum da população concebe o Estado como sendo as províncias do país (exemplo: Estado de São Paulo, Estado do Rio de Janeiro ou Estado de Minas Gerais). No entanto, o Estado referido neste tópico consiste na unidade política administrativa que, sendo soberana, exerce poder sobre um território e é formado por um conjunto de instituições públicas. Suas funções são exercidas por meio de um corpo político temporário, chamado de governo.
Pode-se compreender que a polícia é um braço do Estado e de seus governantes, agindo conforme lhes é permitido ou facilitado, no sentido correto do dever ou não.
Concepções de Estado Segundo Autores
Em O Príncipe (1532), Maquiavel define o Estado como uma entidade política autônoma cuja principal função é manter a ordem e o poder. Ele enfatiza a importância da razão de Estado, ou seja, a necessidade de um governante fazer o necessário para preservar o poder e a estabilidade, mesmo que por meio de ações moralmente questionáveis, para perpetuar a segurança e a soberania do território. (Maquiavel, 1532)
Thomas Hobbes, em O Leviatã, Hobbes descreve o Estado como um mecanismo para evitar a desordem e o conflito de "todos contra todos". Para ele, os indivíduos, em seu estado natural, abrem mão de parte de sua liberdade em troca de segurança, estabelecendo um contrato social que origina o Estado. O Estado, portanto, é oriundo de um contrato social para garantir a paz e a segurança, centralizando o poder em uma autoridade suprema. (Hobbes, 1651)
Em “Dois Tratados sobre o Governo, John Locke vê o Estado como uma instituição criada para proteger os direitos naturais dos indivíduos, como a vida, a liberdade e a propriedade. Diferente de Hobbes, Locke acredita que o Estado deve ser limitado e agir de acordo com a vontade dos cidadãos. O Estado seria um instrumento para proteger os direitos individuais e deve ser baseado no consentimento do povo.
Jean-Jacques Rousseau: Em “O Contrato Social”(1762), Rousseau define o Estado como uma manifestação da vontade popular, pois todo o poder emana do povo. Sendo assim, o Estado é a materialização da vontade da massa, onde os cidadãos participam diretamente das decisões políticas.
Em O Manifesto Comunista (1848), Marx e Engels argumentam que o Estado serve aos interesses da classe dominante (a burguesia) e é usado para manter a exploração dos trabalhadores (o proletariado). Marx argumenta que, em uma sociedade comunista, o Estado perderia a razão de existir, pois, por sua definição, o Estado é uma ferramenta de controle político e econômico usada pela classe dominante para manter sua hegemonia.
Em Teoria Geral da Política(1999), Bobbio descreve o Estado como uma ordem jurídica que regula a convivência humana em um território específico. Ele enfatiza a importância do Estado de Direito, onde as leis são aplicadas de forma igualitária e justa. O Estado é uma estrutura jurídica e política que organiza a sociedade e garante a aplicação das leis.
Polícia Militar como o Braço Armado do Estado
Concedendo às forças policiais o papel de agentes armados do Estado, concebemos que estes agem conforme a orientação de suas autoridades. Ou seja, as atividades de suas autoridades para com a população são reflexo de como o Estado observa e concebe esta ou aquela população.
As ações violentas das polícias militares são decorrentes de um preconceito estruturado nas relações humanas. No entanto, não se pode dizer que apenas negros sofrem nas abordagens policiais. Sendo assim, a generalização da conduta policial errônea se trata de um prisma de observação do comportamento de parte do Estado vigente e de seu braço, bem como de seus apoiadores na garantia da lei e da ordem. As forças policiais agem conforme a política de suas autoridades, entendendo, para a maioria da população que elegeu os representantes que estão nos governos, como Marx menciona, que o Estado é uma ferramenta das classes dominantes para manter seus privilégios. Sendo assim, quando a violência policial é notória sobre determinada fatia da massa, e lembrando que a polícia é parte do corpo do Estado, vemos uma opressão desejada por certa classe que domina socialmente aquele território.
Supondo que o Estado fosse composto por representantes dos atuais oprimidos, a opressão seria para com as classes dominantes vigentes atualmente? Porém, para tal, as forças policiais deveriam ser compostas de membros das classes baixas e segregadas da população.
Preconceito Estrutural e a Polícia
O artigo O Preconceito Racial e Social no Brasil e a Abordagem Policial Discriminatória, escrito por Laura Araújo Xavier e orientado pela Doutora Carmen Hein de Campos, aborda o contexto das abordagens policiais discriminatórias no Brasil, focando em como o preconceito social influencia nas abordagens policiais. O estudo tem início com a consideração de casos emblemáticos de violência policial, como o caso de George Floyd nos Estados Unidos e de João Alberto no Brasil, que geraram protestos pela violência.
Baseado no trabalho de Silvio Almeida, que define o racismo como uma característica ligada à sociedade e refletida nas instituições políticas, econômicas e jurídicas, o texto aborda três concepções de racismo:
1. Racismo Individual: Atitudes e comportamentos discriminatórios de indivíduos.
2. Racismo Institucional: Práticas discriminatórias em organizações, empresas e instituições.
3. Racismo Estrutural: O racismo como parte da estrutura social, afetando diversos âmbitos da vida diária.
O artigo aborda a violência policial como ligada ao preconceito estrutural no país, perpetuado ao longo de gerações sem debates e sem ressignificações. Estereótipos raciais e sociais são perceptíveis pelos agentes de repressão, causando vítimas entre os jovens negros e pobres do país. O texto cita, por exemplo, casos em que as abordagens policiais foram baseadas em "atitude suspeita" do indivíduo, ressaltando a violência e o abuso, especialmente em comunidades periféricas.
Na conclusão, concebe-se que o preconceito estruturado na sociedade deve ser combatido com políticas antirracistas e a reforma de práticas policiais, focando na transparência e no respeito aos direitos do indivíduo. Defende-se uma educação antirracista desde a infância de todo e qualquer cidadão, de forma que mude a mentalidade e combata o preconceito que é estruturado atualmente.
Em um trecho do artigo sobre a violência policial, o estudo diz:
"A abordagem policial é um procedimento investigativo que consiste em parar, interpelar e até mesmo revistar algum suspeito de portar ilegalmente objetos como armas ou drogas. Essa prerrogativa de cercear a liberdade individual por um curto intervalo de tempo foi conferida à polícia como corolário da pretensão do Estado moderno ao monopólio do exercício da violência física legítima para a manutenção da ordem." (p. 12)
Adiante, acerca da "fundada suspeita", diz:
"A fundada suspeita, prevista no artigo 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. A ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava o paciente um blusão suscetível de esconder uma arma, sob o risco de referendar as condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder." (p. 15)
Sobre a violência policial decorrente do racismo institucional na polícia, o artigo afirma:
"A chance de uma pessoa negra ser assassinada é 2,6 vezes superior à de uma pessoa branca. Segundo os dados da pesquisa Atlas da Violência 2021, formulada em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a taxa de homicídios por 100 mil habitantes negros em 2019 foi de 29,2, enquanto a soma dos amarelos, brancos e indígenas foi de 11,2."
O Uso Progressivo da Força:
1. Protocolos de Atuação da Polícia Militar
São estabelecidos protocolos para a atuação da polícia em combate, interceptações, revistas e qualquer outra forma de abordagem à população durante o trabalho policial. Entendendo isso, concebem-se determinadas técnicas de uso progressivo da força: houve atualizações recentes nas diretrizes sobre o uso progressivo da força por policiais no Brasil. Em 24 de dezembro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decreto nº 12.341, que estabelece novas normas para a atuação dos agentes de segurança pública, enfatizando a eficiência das ações, a valorização dos profissionais e o respeito aos direitos humanos.
Entre os principais pontos do decreto, destacam-se:
Uso da força como último recurso: O emprego da força só é permitido quando outros meios de menor intensidade forem insuficientes para atingir os objetivos legais pretendidos. O uso de armas de fogo é considerado uma medida de último recurso.
Proibição de discriminações: As ações policiais não devem discriminar indivíduos com base em cor, raça, etnia, orientação sexual, idioma, religião, nacionalidade, origem social, deficiência, situação econômica, opinião política ou qualquer outra característica.
Relatórios de ocorrências com ferimentos ou mortes: Sempre que o uso da força resultar em ferimento ou morte, a ocorrência deve ser detalhada em relatório circunstanciado, conforme critérios a serem estabelecidos pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
Além disso, o decreto confere ao Ministério da Justiça e Segurança Pública a competência para editar normas complementares, financiar, formular, implementar e monitorar ações relacionadas ao tema, bem como oferecer capacitações e divulgar as normativas sobre o uso da força aos profissionais de segurança pública e à sociedade.
Dentre os muitos fatores que ainda serão abordados neste artigo, há ocasiões em que os protocolos de atuação do policial militar são violados. Pode-se conceber que o indivíduo revestido de autoridade cometa abusos, pois é da natureza humana que o poder "suba à cabeça". Esse é um problema humano e não especificamente da Polícia Militar, pois qualquer indivíduo investido de poder e autoridade, na maioria das vezes, tende a ser truculento, autoritário e vaidoso.
Abuso do poder:
Um dos experimentos psicológicos mais conhecidos que envolveu alunos assumindo os papéis de carcereiros e prisioneiros foi o Experimento da Prisão de Stanford, conduzido em 1971 pelo psicólogo Philip Zimbardo na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
2. Resumo do Experimento:
Zimbardo e sua equipe recrutaram 24 estudantes universitários para participarem de um estudo sobre a psicologia do aprisionamento. Os participantes foram divididos aleatoriamente em dois grupos: guardas e prisioneiros. O experimento foi realizado em um porão transformado em prisão improvisada.
Os guardas receberam uniformes, óculos espelhados e instruções para manter a ordem sem usar violência física. Já os prisioneiros vestiam roupas padronizadas e eram identificados por números, em vez de seus nomes.
Rapidamente, os guardas começaram a abusar de sua autoridade, impondo punições humilhantes e degradantes.
Os prisioneiros sofreram estresse emocional extremo, com alguns demonstrando sinais de colapso psicológico. Os abusos se intensificaram a tal ponto que o experimento, inicialmente planejado para durar duas semanas, foi interrompido após apenas seis dias.
O estudo demonstrou como pessoas comuns podem cometer atos cruéis quando colocadas em posições de poder e quando há desumanização do outro. Isso reforçou a ideia de que o ambiente e as condições situacionais podem influenciar drasticamente o comportamento humano.
O experimento de Stanford é frequentemente citado como um exemplo dos perigos do abuso de poder e tem sido comparado a situações reais, como maus-tratos em prisões e ambientes militares (por exemplo, os abusos em Abu Ghraib, no Iraque). No entanto, hoje ele também recebe muitas críticas por falhas éticas e por alegações de que alguns participantes podem ter sido incentivados a agir de forma extrema.
Entretanto, devemos considerar que o policial em atuação é um indivíduo como qualquer outro, passível de frustrações, medo e demais sentimentos humanos.
O Policial e o Civil
Acerca da compreensão do comportamento policial no dia a dia, é importante ressaltar que o agente também faz parte da população. Sendo assim, trata-se de um civil instituído de certa autoridade e poder em meio ao seu próprio povo. Deve-se levar em consideração que o policial militar não pertence à elite econômica do país, recebendo, na maioria das vezes, cerca de cinco mil reais. Portanto, ele pertence à classe média brasileira, com o bônus de ser um trabalhador concursado, ou seja, não pode ser demitido até sua aposentadoria ou em caso de punições severas decorrentes de infrações.
O policial – seja qual for sua força – só é destituído quando se envolve em abuso ou corrupção. Além das questões profissionais, ele também lida com dificuldades de um cidadão comum: contas para pagar, dívidas, problemas de relacionamento, abusos de seus superiores, cansaço, estresse e carga horária abusiva de trabalho.
É cobrado do policial uma postura adequada tanto dentro quanto fora do horário de serviço. Como agente da ordem, ele não pode ser visto embriagado, envolvido em brigas, em casos extraconjugais, ameaçando outras pessoas ou exibindo qualquer comportamento considerado "inadequado" pela sociedade.
O Policial no Combate ao Crime
Quando o debate sobre a atuação policial se direciona para o combate ao crime, o foco tende a ser as armas utilizadas pelos envolvidos. As armas dos policiais militares são de grande impacto quando falamos de letalidade, mas estão longe de ser equivalentes às utilizadas pelo crime organizado. No Rio de Janeiro, por exemplo, criminosos utilizam fuzis calibre .50 e outras armas de extremo poder, como pode ser averiguado em conflitos passados.
Durante o exercício do dever, há uma série de protocolos que o policial deve seguir. Caso contrário, ele está sujeito a penalidades administrativas que podem encerrar sua carreira permanentemente.
Por outro lado, os criminosos não se preocupam com as consequências de suas ações, ferindo letalmente tanto a polícia quanto civis, em assaltos, sequestros e trocas de tiros. Isso pode ser observado constantemente há anos, tanto em reportagens quanto no dia a dia do Brasil. Os diversos deveres e temores enfrentados pelo policial militar no exercício de sua profissão contribuem para comportamentos agressivos. Além de estar preocupado com sua própria vida, ele é responsável pela segurança de seus colegas e da população.
O Psicológico do Policial Militar
Como foi mencionado, o policial militar compartilha do mesmo sentimento do restante da população quanto às dificuldades diárias de ser um brasileiro médio. Sendo formado em uma instituição historicamente composta por homens, ele é associado à dureza, firmeza de ação e coragem. O soldado é treinado para não demonstrar emoções ou medo, ainda que essa obrigação não seja explícita, mas intrínseca, pois está ligada à masculinidade do indivíduo. Somando-se os desafios diários da vida desse soldado em constante patrulha, há também a somatização de suas obrigações, problemas pessoais e julgamentos dentro e fora da corporação, o que pode levar a comportamentos truculentos e letais.
Uma matéria do SBT Brasil, em 2025, evidenciou a crise da saúde mental dos policiais militares e os descasos dentro da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. A reportagem apresentou os depoimentos de dois policiais, que trouxeram um impacto significativo para a compreensão do problema. Os testemunhos revelam exemplos de servidores honrados que, ao longo do serviço, passaram por tristeza e depressão, perdendo o sentimento de pertencimento à corporação.
O soldado Vinícius Galiato afirmou:
"Os primeiros anos foram incríveis. Tudo que eu imaginei fazer dentro da polícia, entrei para fazer a diferença na vida das pessoas, salvar vidas, recuperar bens de cidadãos."
No entanto, ele relata que passou a ser perseguido por superiores após denunciar irregularidades:
"Algo para o qual a gente nunca está preparado, enquanto policial, é combater alguns que estão dentro da Polícia Militar – alguns gestores que acabam se tornando inimigos da própria tropa."
Em julho de 2024, Vinícius tentou suicídio e destaca que transtornos mentais são minimizados dentro da corporação:
"Dentro da polícia, existe um tabu gigantesco. Quem tem problemas psicológicos, quem está passando por depressão ou até pensa em suicídio, é tratado como frescura ou como vagabundo."
Apesar disso, Vinícius continua na corporação e demonstra esperança em uma melhora no tratamento dos policiais militares:
"Por isso eu faço isso. Por isso eu me exponho. Sei que tem consequências, mas continuo nesse caminho porque acredito que pode mudar, acredito que pode melhorar."
A mesma matéria entrevistou a soldado Bruna Navas, que passou pelas mesmas dificuldades. Ela relatou:
"A Polícia Militar era o meu sonho. Infelizmente, se tornou meu maior pesadelo."
Bruna afirma que sofreu perseguição dentro da corporação após divulgar vídeos denunciando irregularidades. Ela tentou suicídio cinco vezes durante esses períodos de estresse:
"A pessoa que tenta suicídio não quer morrer. A gente quer acabar com a dor que está sentindo no momento."
A psiquiatra Alexandrina Meleiro, entrevistada pela reportagem, explicou:
"A pessoa vem namorando há muito tempo a ideia da própria morte, a ideia do suicídio, e a ideia de realizá-lo intencionalmente. Isso revela não uma, mas diversas fragilidades da própria natureza da doença mental. A corporação precisa identificar esse estado psíquico."
No que tange ao sofrimento psíquico dos policiais, nem Bruna nem Vinícius receberam qualquer tratamento psicológico. Bruna, que desistiu de pertencer à corporação, afirma ter perdido dez anos de sua vida no serviço policial.
Pela primeira vez na história, o número de policiais militares que cometeram suicídio superou as mortes em serviço. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2023, foram registradas 107 mortes de policiais durante o trabalho e 110 suicídios em 11 estados do país. A realidade é semelhante em São Paulo, onde os suicídios cresceram 80% em um ano. No Rio de Janeiro, o aumento foi de 116%. Após a matéria, o SBT entrou em contato com a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, que respondeu afirmando que disponibiliza apenas cartilhas de prevenção ao suicídio e conta com outras iniciativas.
Em uma quarta-feira, dia 5 de fevereiro de 2025, no STF, na ADPF das Favelas, que trata do combate à letalidade policial no Rio de Janeiro, o ministro Alexandre de Moraes elucidou a necessidade do uso da força máxima por parte das polícias em operações contra milícias e o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. O ministro passou sua opinião, reforçando que deve-se ter cautela quanto aos desvios dos agentes de segurança durante a ação:
"A questão da possibilidade de a polícia realizar operação perto de escolas e hospitais... A partir do momento em que se veda isso, se restringe, as milícias e o tráfico estão utilizando essas áreas para realizar o crime. É muito difícil nós, daqui, entrarmos em pontos específicos de operações policiais em áreas em que a população — e nós não podemos romantizar, como infelizmente alguns fazem em novelas e seriados — em grande parte dessas áreas, a população é escravizada pelo tráfico de drogas, escravizada pelas milícias. Se eles discordarem de algo, são mortos. Se a população discordar, do traficante ou do miliciano use sua casa ou "convida" sua filha para sair, e eles são mortos.É uma escravidão moderna, com uso de armas, com uso de ameaças, com uso de coação. Então, uma coisa são as operações, e não há possibilidade de diluir isso, com todo respeito às opiniões contrárias [...]. É necessário, para que os policiais não sejam mortos, que eles entrem com a força máxima possível. Isso é a causa; o efeito é diferente. Qualquer desvio deve ser apurado. [...]
A finalização desse julgamento vem sendo muito aguardada para uma sinalização em relação à segurança pública. Nós devemos, e entendo ser extremamente rígidos em relação aos abusos e aos desvios cometidos. Devemos estabelecer critérios para que esses abusos e desvios possam ser verificados e responsabilizados, mas, ao mesmo tempo, me parece que o cuidado maior que devemos tomar — e Vossa Excelência vem tomando isso em seu voto (se refere ao ministro Fachin) — é que não podemos dar uma mensagem de que a polícia não pode ingressar fortemente armada, que a polícia não pode fazer sua operação em todo o território onde haja os criminosos. Porque os criminosos estão atuando perto de escolas, os criminosos estão atuando perto de hospitais. As bases que eram feitas pelas polícias estão sendo feitas pelos milicianos e pelos traficantes. Esses ajustes são importantes para que, ao mesmo tempo, nós possamos fortalecer as polícias na execução e punir os desvios. Mas a punição — e eu reitero aqui — não é só responsabilidade da polícia, do Ministério Público e da Justiça. Nós temos que ver também um de nós. Nós também."
Defesa da Polícia Militar
Mais adiante, em 2024, o mesmo ministro defendeu a Polícia Militar no dia 23, em sessão sobre o patrulhamento, afirmando que só poderia ser exercido pelas polícias militares e civis. Ele declarou:
"Esse é o momento glorioso para as polícias militares, porque o policiamento ostensivo deve ser feito pela Polícia Militar. Porque a Polícia Militar tem mais hierarquia, tem mais disciplina — de Capitão, Major — e civis não teriam essa disciplina. Desde 2012, e depois de um período em que fui Secretário de Segurança Pública, o Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do meu estado defende a desmilitarização da Polícia Militar, a extinção da Polícia Militar. As ONGs, todas as ONGs, defendem a desmilitarização da Polícia Militar. Mas, quando a coisa aperta, todos nós chamamos quem? A Polícia Militar. Então, independentemente do método a ser tratado aqui, é um momento importante, porque a Polícia Militar é importantíssima para garantir a segurança do país. Hierarquia e disciplina são os dois fundamentos, os dois pilares da Polícia Militar.
Depois de 36 anos da Constituição — quase 38 da redemocratização — parece que nós estamos, como país, superando esse trauma, esse pós-trauma da ditadura, em que tudo era culpa da Polícia Militar."
Preconceito contra a Polícia Militar
Em outra sessão, acerca do mesmo foco, o ministro Alexandre de Moraes alegou que a Polícia Militar sofre preconceito e abandono desde o fim da Ditadura:
"Não se confunde, obviamente, a Guarda Civil com a Polícia Militar. E, talvez — talvez não, com certeza — por um preconceito histórico, que já repeti várias vezes nesse plenário, existente em relação às polícias, confundindo a ditadura militar com polícia. Obviamente, e lamentavelmente, na ditadura, a polícia é o braço armado do Estado. Mas não porque seja o braço armado da ditadura. Na democracia, quem é o braço armado do Estado internamente? São as polícias. Por causa disso, a partir da redemocratização, se proliferou um verdadeiro preconceito em relação às polícias e à segurança pública, dando no que deu hoje: no aumento da criminalidade organizada, no sucateamento de várias polícias por anos e anos. Independentemente aqui de corrente ideológica — direita, esquerda, centro — o governo federal se recusava na questão da segurança. Dizia: "Segurança pública é um problema só dos estados". O problema da União é simplesmente a Polícia Federal, alguns crimes e tal. Segurança pública é problema da União, dos estados e dos municípios. [...] Não devemos afastar nenhum dos entes federativos no combate à criminalidade, no combate ao narcotráfico, no combate às milícias, no combate ao contrabando de armas, cada um dentro do seu rol de competências."
ALTERNATIVAS PARA UMA MELHORA NA SAÚDE MENTAL DE POLICIAIS:
Com base na pesquisa feita pelos estudantes de Psicologia, outros pesquisadores propõem métodos para administrar o estresse do profissional, de forma que sua atuação seja mais baseada na razão do que na emoção, diminuindo assim o número de incidentes letais entre a população.
Acerca dos programas de prevenção ao estresse, Warren e Gram (1999, apud Dantas et al., 2010, p. 77) afirmam que, nos Estados Unidos da América, mais de 17.000 departamentos de polícia utilizam programas para dissolver os efeitos do estresse ocupacional. Esses programas contam com psicólogos oficiais treinados ou consultores externos, que ensinam os policiais a lidar melhor com as pressões da profissão.
Em outro trecho, destaca-se que o estresse ocupacional é constante e, se deixado sem controle, pode "rasgar o tecido policial". Essas pressões podem tornar-se uma doença progressiva e corrosiva, que lentamente compromete a eficiência e o potencial da força policial (BR, 2000, apud Dantas et al., 2010, p. 80).
Na literatura, há cinco abordagens principais para a administração do estresse policial, conforme apresentadas a seguir:
1. Unidade de Estresse – Utilizada em departamentos reconhecidos, visa estabelecer uma unidade especial com a responsabilidade permanente de apoiar os indivíduos necessitados. Policiais treinados em procedimentos e técnicas de aconselhamento, com conhecimento para reconhecer problemas sérios, podem atuar sem a necessidade de serem psicólogos ou psiquiatras. O objetivo é permitir que os policiais expressem suas frustrações pessoais, o que, por si só, pode aliviar tensões.
2. Psicólogo/Psiquiatra do Departamento – Consiste na contratação de psiquiatras e psicólogos para prestar serviços diretamente aos departamentos de polícia.
3. Teste Psicológico Periódico – Implementação de processos rotineiros de avaliação psicológica, realizados a cada dois ou três anos, com o objetivo de identificar policiais que estão atingindo os limites máximos de estresse e auxiliar os administradores na busca por soluções adequadas. As entrevistas psicológicas também podem ajudar a compor o perfil do policial. No entanto, é essencial que o policial não seja forçado a receber ajuda.
4. Seminário de Estresse – Programa destinado a todos os policiais do departamento, podendo ser ministrado por meio de escalas de treinamento regional ou na academia de formação. São utilizados profissionais das áreas de alcoolismo, drogas, aconselhamento matrimonial, psicologia, psiquiatria e medicina. Os temas são discutidos em pequenos grupos, onde os policiais podem compartilhar suas experiências. Um programa como esse torna os oficiais mais conscientes da existência do estresse na profissão e os ajuda a reconhecer seus sinais.
5. Exercícios Físicos – Atividades como corrida e natação são consideradas meios eficazes para liberar o estresse reprimido, além de melhorar a aptidão física por meio do condicionamento cardiovascular.
Santos (1994, apud Lima et al., 2000, p. 67) afirma que as soluções para o estresse são programas que exigem esforços constantes e conscientes, enquadrando-se em diferentes padrões, tais como: programas individuais e empresariais, ações de curto e longo prazo e estratégias de remoção, prevenção ou alívio do estresse. O desenvolvimento de estudos sobre estresse policial e a implementação de programas para mitigá-lo são essenciais para garantir o bem-estar social do policial militar, sua saúde mental e a qualidade de vida dentro e fora do trabalho.
Considerações Finais
Pode-se entender que a violência policial, na maioria das vezes, é fruto de uma amalgamação de preconceitos internalizados pelo indivíduo em sociedade. Dessa forma, é essencial que as escolas promovam uma educação que combata o racismo estrutural e outras formas de desvalorização humana baseadas em julgamentos elitistas e superficiais. Isso deve ser uma tarefa conjunta entre pais e filhos, para que todos sejam conscientizados sobre seu papel na sociedade e a trajetória histórica dos preconceitos, que são combustíveis para o estigma social e, consequentemente, para a violência policial.
O estresse mental é um dos fatores mais comuns para a sobrecarga no trabalho dos agentes de segurança. Entre os principais motivos estão: excesso de horas de trabalho, pouco descanso, baixa remuneração em relação à periculosidade da função, conflitos internos, problemas pessoais, falta de reconhecimento e ausência de acompanhamento psicológico regular. A implementação de programas sérios e eficazes para mitigar os sofrimentos mentais e emocionais dos policiais pode contribuir significativamente para a redução dos índices de suicídio na classe e para o combate à violência policial.
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Vídeos do YouTube:
4. YouTube. [STF e Policiais I]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5cbjI_KS9Rc. Acesso em: [data de acesso].
5. YouTube. [STF e policiais II]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CL0KOAiPcGI. Acesso em: [data de acesso].
6. YouTube. [STF e policiais III]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1n5i3agqVqc. Acesso em: [data de acesso].
7. SBT.[Reportagemsobre suicídiode policiais]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=in2u1WpNXd0&t=56s.
Publicado por: André Pereira da silva

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