ESCALA 6×1: UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS IMPACTOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E NA SAÚDE DO TRABALHADOR
Breve discussão acerca dos impactos sociais e econômicos da escala 6x1 na saúde e na vida privada dos trabalhadores.
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RESUMO
Presente artigo visa por meio de depoimentos de usuários do LinkedIn acerca da escala 6x1 trazer para a luz do público o ponto de vista dos trabalhadores vitimados por tal regime laboral. Buscando olhar científico, o presente trabalho faz uso dos estudos acerca da Psicossociologia, psicodinâmica do trabalho, teorias, e clínicas do trabalho com seus principais autores de forma objetiva.
Palavras-chave: Trabalho, política, abuso, direitos trabalhistas, capitalismo, esgotamento
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O que é a escala 6 x 1
A escala de trabalho 6 por 1 consiste no trabalho remunerado em seis dias da semana, descansando apenas um — geralmente aos domingos. Normalmente, tal escala de trabalho se vê em comércios populares como farmácias, fábricas, restaurantes, bares, lojas pequenas e médias, hospitais com médicos, enfermeiros, funcionários públicos como militares, bombeiros. A escala em questão é diferente da escala vigente na maioria dos empregos públicos (exceto bombeiros e policiais, que necessitam de uma atuação em alerta e à disposição da população), que é de cinco dias trabalhados e dois de descanso, conhecida como 5 por 2.
Buscando na literatura, encontramos modelos de teorias administrativas que visam apenas a produtividade do comércio ou da empresa, como sendo a mais adequada para geração de lucro, fortalecimento e vitória em uma competitividade com demais concorrentes. Entretanto, a crítica que se faz é do lado humano, do ser humano.
A maioria das pessoas estão acostumadas com um regime capitalista que visa apenas o lucro, que visa apenas a vitória sobre seus concorrentes, independente se seus funcionários estão esgotados, feridos, estressados ou mesmo se não veem seus familiares durante a semana. Não importa para o empresário se seu funcionário não vê sua família — desde que ele o faça. Normalmente os donos de comércio possuem mais liberdade que seus funcionários durante toda a semana. Mas não é isso que ocorre com o seu empregado em uma escala abusiva de trabalho.
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As ciências acerca do trabalho
Tendo como base a perspectiva das teorias do trabalho para avaliar a situação e definir de forma objetiva os impactos. Estas são:
1. Teorias do trabalho
2. Clínicas do trabalho
3. Psicodinâmica e saúde mental
4. Psicossociologia das organizações
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A Escala 6x1 como Instrumento de Controle
A exigência de seis dias consecutivos de trabalho por apenas um de folga é um claro exemplo de organização temporal que serve ao controle capitalista sobre o trabalhador. Como afirma Harry Raven (1987), no capitalismo moderno, a estrutura do trabalho é desenhada para aumentar o domínio do capital sobre a força laboral. Isso significa reduzir a autonomia do trabalhador não só na execução das tarefas, mas no ritmo e duração da jornada.
A escala 6x1 impõe uma rotina rígida, com pouca ou nenhuma possibilidade de recuperação física e mental, reforçando a disciplina dentro da lógica capitalista. Essa divisão do tempo remete ao conceito marxista de divisão social do trabalho, onde o trabalhador é separado dos meios de produção e submetido a regimes que ignoram sua saúde e bem-estar. O tempo do trabalhador, nesse modelo, é mercantilizado: vendido como força de trabalho e explorado para maximizar a produtividade do empregador.
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Psicodinâmica do Trabalho e Adoecimento Mental
A repetição exaustiva da escala 6x1, sem pausas adequadas, gera sofrimento psíquico, especialmente em atividades com esforço repetitivo, cobrança de metas e alta demanda. A falta de tempo para recuperação e para viver fora do ambiente laboral pode levar a:
- Estresse crônico
- Depressão
- Esgotamento (burnout)
Como destaca Lima (1997), a organização do trabalho define o conteúdo, o ritmo e as exigências temporais, tornando-o mais ou menos controlado. Na escala 6x1, a autonomia do trabalhador é quase nula: ele apenas cumpre ordens prescritas, sem poder modificar sua rotina.
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A Prescrição Legal vs. a Realidade do Trabalho
A CLT (Artigo 67) prevê a folga semanal após seis dias de trabalho, mas na prática, a escala 6x1 gera distorções:
- Jornadas excessivas e horas extras não compensadas
- Substituições não planejadas, levando à renúncia da folga
- Sobrecarga física e mental devido à curta recuperação.
Como observa Dejours (1997), o trabalho real exige que o trabalhador use criatividade para lidar com imprevistos, muitas vezes sacrificando seu descanso. Autores como Wisner (1994) e Daniellou (2002) mostram que a prescrição formal nunca abarca todas as variabilidades do trabalho real, resultando em fadiga crônica, absenteísmo e adoecimento.
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Psicossociologia e Relações de Poder
A psicossociologia do trabalho (Enriquez, 1997) revela como as organizações exigem sacrifícios dos trabalhadores em nome de metas produtivas, desumanizando as relações. A escala 6x1, ainda que legal, é um mecanismo de dominação que ignora as necessidades humanas, perpetuando:
- Sofrimento psíquico
- Obstáculos ao desenvolvimento profissional
- Relações laborais desiguais
Principais queixas de trabalhadores:
1. Família e lazer:
A jornada normalmente exaustiva de trabalho, cerca de 40 horas semanais somando aos seis dias de trabalho e um de folga, consome grande parte das horas e oportunidades de convívio com a própria família do trabalhador. A longo prazo, esta falta de convívio familiar adoece mentalmente esses indivíduos que sentem-se, dentre outras lástimas, sendo roubados de sua própria vida e abstendo-se da alegria de conviver com seus familiares.
Com base na discussão acerca do fim dessa escala, o comentário de diversos membros do LinkedIn é pertinente para compreensão íntima do sofrimento do regime da escala 6 por 1.
Para garantir o anonimato, todos os nomes citados são pseudônimos. Os depoimentos foram coletados em perfis públicos do LinkedIn entre março e abril de 2024, com reprodução fiel do conteúdo original. Optamos por substituir nomes reais por fictícios (ex.: 'Daniel Cerqueira', 'Suzana') A metodologia segue as diretrizes da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018, Art. 7º) e princípios éticos de pesquisa com dados públicos, garantindo anonimato e uso não comercial das informações.
Um rapaz, com o pseudônimo 'Daniel Cerqueira', diz:
"Não aguento mais ficar dentro de ônibus e trem todo dia, mesma coisa. Já cheguei a sentir ânsia de vômito. Fazer todo dia a mesma rotina. Não aguento mais."
Além daqueles que usam outros meios de transporte diariamente, ocorre de alguns caminharem para o trabalho, até desgastando-se fisicamente, dependendo do percurso. Ficam em contato com o desgaste físico no trabalho e no próprio ambiente laboral, o que gera necessidade de suporte médico — e nem sempre são acessíveis para todos.
"Aqui no Brasil já romantizaram tanto o sofrimento que as pessoas acham absurdo querermos mais um dia de folga. Isso não é questão de preguiça. É um imperativo para a saúde pública e dignidade humana."
Segundo o relato de um depoente que chamaremos de 'João’, diz o seguinte:
"Meu pai, um senhor de idade, trabalha nessa escala. Sempre trabalhou. Perdeu todas as datas comemorativas minhas e do meu irmão: formatura, primeira comunhão, aniversário... porque ele sempre chegava depois das 11 horas da noite. Além disso, foi assaltado várias vezes. Na penúltima, foi assaltado na sexta, no sábado novamente, e por não ter o celular para entregar, foi esfaqueado na mão e na coxa. Nunca tem tempo para ir ao médico, se cuidar. Tem enorme dificuldade para conseguir emprego por conta de sua idade. Essa escala acabou com a minha infância, com a vida da minha família e com 90% da vida dos brasileiros."
Dentre os comentários, um coordenador de uma empresa diz o seguinte:
"Não sei como explicar. Estou assistindo a isso e tenho um choque de realidade. Sou coordenador de uma grande empresa, trabalhando para sustentar minha família, mas sinto que não tenho tempo para meu filho. Cheguei ao ponto de gravar áudios como se fossem diário para que ele tenha um pouco de mim. Tenho medo de passar mal ou algo acontecer comigo e minha filha ficar sem nenhuma referência do pai, porque ainda não tem. Só pra constar: neste exato momento, estou trabalhando mesmo na minha folga, porque preciso fechar a conservatória."
Um trabalhador, cujo pseudônimo é 'Victor’ diz:
"Até 7 anos atrás eu trabalhava no comércio, CLT, 6 por 1. Sei bem a dor. Nesses últimos 7 anos sou um pequeno empresário. É inegável que vai atrapalhar meu negócio, mas fica necessário que a gente vá ter que se ajustar. A progressiva idade dos impostos — pronunciamento é brutal. Quem fatura 200 mil ao ano está na mesma taxa de quem fatura 3 milhões ao ano. Nós, menores empresários, precisamos de uma facilitação para ser sustentável, fazer o certo. Tento ser o patrão que eu não tive. Assino carteira, pago tudo certinho, não deixo empregado com funções acumuladas, tento investir no crescimento pessoal... mas vivemos no limite, vendendo o almoço para comprar a janta. É muito difícil crescer honestamente, é brutal. Se não quebrei nem na pandemia, seja a dificuldade que for, vou conseguir contornar e vai dar certo. Que trabalhadores melhores também sejam clientes melhores."
Uma mulher, com o pseudônimo de ‘Suzana’, diz:
"Uma das piores escalas/épocas da minha vida até hoje foi quando eu tive que trabalhar seis por um, com atendimento ao cliente, ganhando um salário mínimo de 1300 e pouco, com os descontos. Tendo 4 horas para mover-me para o trabalho de ida e volta todo dia. No dia de folga, eu resolvia meus problemas e dormia. Não tinha tempo para nada, não tinha vontade para nada. Eu emagreci, adoecia direto. Essa escala é um descaso com a classe trabalhadora."
2. Transporte / locomoção:
Um dos pontos mais estressantes, então, está intrinsecamente ligado ao transporte do trabalhador. Os meios de transporte no Brasil nunca foram referência em termos de conforto e excelência, principalmente em regiões como Rio de Janeiro, São Paulo, grande aglomerado de pessoas — que, por sua vez, são trabalhadores e estudantes.
Os momentos de horários de pico, seja da manhã, seja da tarde, empacam ainda mais os trens, metrôs e ônibus nas grandes metrópoles. O agravante surge quando escolas e trabalhos exploram esse sintoma em 6 dias, comparado ao trabalho desgastante de Deus.
3. Chefes abusivos e exploradores:
Um grande agravante para a saúde mental de empregados em uma empresa são seus respectivos chefes. Diferentes escritórios e sendo vaidosos e tiranos agindo sem sensibilidade. Encarregados identificam o ambiente laboral seja cobrando por mais produtividade, sendo agressivos com falhas humanas, e impossibilitando pausas para descanso. Em uma escala de resposta torna-se insuportável permanecer em determinado trabalho.
4. Baixos salários:
Dentre os tormentos vividos, um fator que contribui para a permanência desses trabalhadores em regimes exploradores são suas remunerações muitas vezes principais suportes de suas famílias.
Na prática, essa organização do trabalho gera consequências devastadoras. Christophe Dejours (1997) demonstra como "o trabalho real exige que o trabalhador use criatividade para lidar com imprevistos", muitas vezes às custas de seu próprio descanso. Os dados são alarmantes: 52% dos trabalhadores submetidos a essa escala recebem até 1,5 salários mínimos (IBGE, 2023), enquanto apresentam índices de estresse crônico três vezes maiores que a média nacional.
Conclusão
Muitas indagações surgem quanto ao surgimento de tal escala abusiva de trabalho. Entretanto, percebe-se a necessidade de se observar os atores que permitem a continuidade de tal abuso. Tem-se visto a grande força de movimentos para o fim das escalas na sociedade. E a mesma pauta para o fim das escalas vem sendo levada a cabo pela deputada Érica Hilton. Vemos que o texto ainda necessita passar por diversas aprovações no Congresso, o que barra essa resolução.
São políticos opositores ao fim das escalas — normalmente, tais opositores sendo de direita ou extrema-direita, são apoiados por empresários.
Levando ao entendimento que nem todo empresário é um indivíduo egoísta e explorador — Muitos desses políticos sendo financiados por empresários diversos — incluindo do agronegócio — se veem encostados na parede quando precisam tomar decisões contrárias ao fim dessa escala, porque esses empresários seriam diretamente afetados por seus funcionários tendo mais hora de descanso, mais dias de folga, redução de carga horária, ou principalmente aumento de remuneração.
Vale ressaltar que essa ala conservadora da política se baseia em normas sociais antigas, em que se considera o indivíduo apenas pelo valor que produz (Almeida, 2020, p. 45). Nesse regime capitalista, a vida é apenas um número. De seis a sete pessoas na sociedade ou no alto comando não se importam com o lado humano das pessoas. A máquina também, preconceituosamente, trata como "preguiçosas" as pessoas que buscam combater esse regime de opressão trabalhista. (Almeida, 2020)E vencê-la exige medidas firmes, combativas e coragem. Sindicatos, movimentos populares, ações jurídicas e parlamentares são caminhos legítimos para combater tal escala.
Referências
DEJOURS, C. A banalização da injustiça social. 8. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2007.
DANIELLOU, F. (Org.). A ergonomia em busca de seus princípios: debates epistemológicos. São Paulo: Edgard Blücher, 2004.
ENRIQUEZ, E. A organização em análise. Petrópolis: Vozes, 1997.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD): mercado de trabalho. Rio de Janeiro: IBGE, 2023. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho.html. Acesso em: 15 abr. 2024.
LIMA, M. E. A. Os males da alma: a psiquiatria no mundo do trabalho. Belo Horizonte: RH, 1997.
MARX, K. O capital: crítica da economia política. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2013.
RAVEN, H. Trabalho e capital monopolista. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
WISNER, A. Por dentro do trabalho: ergonomia, método e técnica. São Paulo: FTD/Oboré, 1994.
Referências Complementares (citadas indiretamente):
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 15 abr. 2024.
OIT. Trabalho decente e agenda 2030. Genebra: OIT, 2021. Disponível em: https://www.ilo.org/global/topics/decent-work/lang--pt/index.htm. Acesso em: 15 abr. 2024.
Escrito e publicado: André Pereira da Silva
(Estudante de psicologia da Universidade São Judas Tadeu)
Publicado por: André Pereira da silva

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