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A Educação e a Psicanálise

Breve análise sobre a psicanálise e a educação

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É muito comum utilizarmos nas conversas informais e até mesmo nos diálogos formais, a seguinte oração: “_ Você precisa de tratamento. Vai se tratar, vai procurar um psicanalista.”

Na área educacional não é diferente. Já flagrei-me, em um diálogo intrapessoal equivocado, afirmando que tal aluno ou que aquela aluna precisa de terapia. Mas, afinal, qual seria a contribuição da psicanálise para a educação?

Durante a construção deste texto tentarei sustentar a afirmação de que, o objetivo da psicanálise é o inconsciente e o funcionamento do aparelho psíquico e o objetivo da educação é o conhecimento. Em outras palavras, acredito ser pertinente afirmar que a psicanálise não pode ser considerada a salvação de todos os problemas educacionais, desempenhando a função da educação. A psicanálise pode auxiliar em uma maior compreensão o funcionamento da mente e o inconsciente dos sujeitos envolvidos nesse processo de ensinagem.

Quando falamos em educação várias explicações e definições serão encontradas, a depender do contexto que ela – a educação - for associada.

Embora utilizada nas mais variadas situações, a educação, enquanto fato cultural, sempre existiu e tem a finalidade de preparar e ou adaptar o ser humano para viver em sociedade e em outros espaços que exijam a observação de regras, leis e combinados.

Esse processo de formação do ser humano ocorre nos mais variados espaços e das mais variadas maneiras. Temos a educação informal (utilizo, neste caso, educação expressão comumente empregada como sinônimo de criação) que ocorre nos lares, por exemplo. Essa educação informal tem aspectos mais inconscientes, que fazem ou fizeram parte da educação dos pais, mães e suas subjetividades. Porém, neste texto, vou limitar-me à educação formal - embora também contenha aspectos inconscientes de seus educadores e educadoras - , a oferecida pela escola, instituição tradicional de ensino, segundo o Ministério de Educação do Brasil, educação esta baseada em normas sociais, atitudes formais e leis, entre outros aspectos.

Enquanto instituição, a escola tem um função singular para a constituição do indivíduo e para ele próprio, da mesma forma que ela – a escola - nasce para a evolução da sociedade e da própria humanidade. (Não irei abordar a função da Escola, segundo “Vigiar e Punir “de Foucault e tão pouco com a reflexão de Chauí que enxerga a escola como uma ideologia que visa prescrever como as pessoas devem pensar, agir e sentir, atendendo uma exigência da classe dominante)

A escola tem uma cultura própria, com suas leis, regras e combinados. Há escolares que conseguem adaptar-se ao Mundo Escolar, sendo recompensados/as com elogios e menções avaliativas bem expressivas, incentivos estes que garantem um futuro promissor a eles/elas, se o futuro deles/as depender de quem os/as avaliarem.

Porém, há discentes quem têm dificuldades em adaptar-se à escola, seja no rendimento intelectual que ela exige, ao aplicar seus testes, seja no comportamento social que a escola exige e transmite, acompanhada de valores e conceitos morais.

Há pouco tempo, escolares que apresentavam posturas consideradas inapropriadas para o ambiente escolar, tinham suas atitudes justificadas pela escola, com a seguinte frase: _São assim porque querem”. Acredito que não havia a preocupação de saber o porquê alguns/as ignorarem os combinados e regras escolares, assim como, investigar alunos/as que têm dificuldades no desenvolvimento de competências e habilidades, independentemente de a escola, se fosse o caso, respeitar o seu ritmo de aprendizado.

Quando falamos em Escola é possível pensarmos, entre outras coisas, em pedagogia como sinônimo de educação. Tal pensamento apresenta alguns equívocos. Por quê? Segundo Voltoloni, enquanto que a educação sempre existiu, a pedagogia – prática social - não existiu desde sempre. Outro questão que segundo o autor mencionado merece destaque é registrar que a pedagogia trabalha no campo do controle do processo educacional e com um modelo de complemento – há alguém que ensina e alguém que aprende. Ao verificarmos a educação através das contribuições da psicanálise, observaremos que ela é compreendida através da desordem, no sentido de que há coisas que não temos controle.

Ao considerarmos a palavra com instrumento principal da comunicação humana e, por consequência estratégia principal de os educadores e educadoras escolares, verificaremos que não é garantido que o receptor ouça o que o professor/professora quis dizer.

Ainda em relação a educação, a psicanálise trabalha com a perspectiva de que há alguém que ensina e alguém que transmite. Enquanto ensinar é um ato intencional, a transmissão acontece sem que, necessariamente, haja uma intenção. (Há pessoas que transmitem o Covid-19 apenas pelo fato de estarem próximas de alguém).

Em relação à transferência é comum a seguinte frase, quando os /as responsáveis pelos discentes são chamados na escola, em razão de algum comportamento diferente de seus filhos: _ Onde você aprendeu/apreendeu isso? Eu nunca lhe ensinei tal coisa. Em casa, não é isso que ele/ela apreende/aprende.”

Em relação ao docente acontece a mesma coisa: escolares absorvem informações que não foram ensinadas, mas, transmitidas pelos professores.

Em “Novas Conferências Introdutórias à Psicanálise” há a afirmação de que “... muitas pessoas preferem acreditar nos Milagres da Virgem do que na existência do inconsciente”.

Em hipótese alguma quero ser preconceituoso com quem guia sua vida através de dogmas religiosas. Apenas registro que após mais de cem anos da publicação do estudo mencionado, ainda há resistências aos estudos e contribuições da psicanálise. Talvez seja por isso que no mesmo estudo Freud tenha afirmado, em relação à educação escolar:

“... Diremos que a única preparação adequada para a profissão educador é um sólido treino em psicanálise. O melhor seria que ele mesmo – o educador – fosse analisado, pois, afinal, não se pode assimilar a psicanálise sem experimentá-la na própria pessoa”

Para entendermos estas manifestações que ocorrem no ambiente escolar, precisaremos retornar à infância. Tudo começa na infância. Segundo Lacan e sua elaboração do estágio do Espelho, tendo como fulcro as teorias de Freud, a criança começa a elaborar o seu Eu a partir do Outro, que no caso é a figura materna. A mãe começa a interpretar para o seu filho ou filha, suas manifestações. O bebê percebe que ao chorar, ele tem atenção da mãe para averiguar o motivo do choro ou do aviso sonoro emitido por ele. Dizemos que há a constituição do eu alienado. Em outro momento, aparece o pai ou seu representante. Essa figura paterna representa a lei, a interdição, a fim de mostrar para a criança que ela, nas relações sociais, não é o mundo mas ocupa um lugar no mundo.

Há uma crônica do escritor Antônio Prata, cronista de um jornal impresso de alcance macro nos estados brasileiros, que eu gostaria de registrar nesse texto. Intitulado “Daniel”, a crônica é uma homenagem do escritor mencionado ao seu nascituro. De forma delicada e sensível, o cronista apresenta o mundo ao seu filho, informando com palavras não assertivas, que ele – Daniel – não é o mundo, mas, faz parte de um mundo pré-existente, com suas regras e combinados.

Acredito que seja importante abordarmos, rapidamente,  o Complexo de Édipo – conceito criado pelo pai da psicanálise, baseado na mitologia grega. O Complexo de Édipo, segundo Freud é uma fase em que o indivíduo começa a despertar desejos por um dos pais –o menino pela mãe e a menina pelo pai. Assim, a criança estabelece uma relação de transferência com as figuras parentais, e os pais se tornam objetos amorosos e odiosos de seus filhos.

Vamos retornar à transferência que mencionei no décimo quarto parágrafo deste texto, mas, desta vez, a fim de verificarmos o seu conceito. Em relação à transferência mencionada por Freud durante o Complexo de Édipo, Cristian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, afirma o seguinte:

“...Transferência é amor, é a repetição e reatualização da história de os nossos amores com os novos encontros...”

Quando o pai da psicanálise afirma a importância de os / as educadores / as terem conhecimento sobre a psicanálise, o faz neste sentido, pois é importante sabermos, entre outras coisas que, enquanto professores e professoras, podemos nos tornar o objeto de desejo de um aluno ou aluna, porque acabamos nos tornando uma pessoa de destaque na vida do escolar.

Durante e até mesmo depois da fase do Complexo de Édipo, vários conflitos surgirão na vida familiar da criança e como consequência, também no contexto escolar e em sala de aula. Assim, os comportamentos agressivos que muitos discentes apresentam e aparentam fazê-lo por puro prazer, situação que incomoda professores, professoras e gestores escolares, ganham significados diferentes. Nesta fase a criança na busca de um modo de se expressar e sem saber o que se passa com ela mesma, busca modos físicos, corporais para expressar seus conflitos, angústia, medo e desespero, que ela está a vivenciar.

Poderíamos também abordar a segunda tópica de Freud sobre a estrutura da personalidade: Id, Ego e Superego. A desarmonia da operação dessas três instâncias psíquicas pode ocasionar comportamentos que vão desde às dificuldades na observação de regras às necessidades de satisfação imediata de desejos.

Portanto, o ser humano e no caso específico, os escolares têm muito mais informações implícitas a serem exploradas, diante de afirmações que eles/as fazem, que à primeira vista ao docente e gestores, podem parecer ululantes, mas, quando estudadas, descobrimos que tais declarações são equivocadas e necessitam ser analisadas.

Referências

FREUD, S. (1886-1889). Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos. In: ______. Obras completas. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

Prata, Antônio. Daniel. Folha de São Paulo, São Paulo, 08/02/15, Colunistas.


Publicado por: Moabe Pinto

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