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“VIDAS SECAS”: UMA LEITURA CRÍTICA

Dados biográficos de Graciliano Ramos, Características literárias e Leitura crítica da obra Vida Secas de Graciliano Ramos.

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RESUMO

Ler criticamente não envolve apenas reproduzir o que está posto, mas decodificar e interpretar a mensagem proposta. Essa leitura tem primordial importância na formação do indivíduo enquanto sujeito na construção do país, pois quanto mais consciente o povo faça sua história, tanto mais que o povo perceberá com lucidez as dificuldades que tem a enfrentar, no domínio econômico, social e cultural, no processo permanente de sua libertação. Diante desse pressuposto, propomos nesta pesquisa, fazer uma leitura crítica da obra Vida Secas de Graciliano Ramos.

INTRODUÇÃO

No presente trabalho, procura-se destrinchar o papel da leitura enquanto fomentadora da consciência crítica no intuito de tornar o indivíduo, um sujeito participativo com questionamentos e opiniões a respeito do seu contexto social. Para a concretização desta leitura crítica escolhemos a obra célebre de Graciliano Ramos “Vidas Secas”, e esta nos forneceu elementos que estruturam o nosso pensar e conseqüentemente, o nosso escrever crítico. 

1. O ROMANCE

Herdeiro direto da estrutura narrativa da epopéia clássica, o romance emerge – como o concebemos hoje – entre meados do século XVI e início do século XVII, especialmente na Espanha, expandindo-se em seguida pela Inglaterra, França e Alemanha. Já no século XVIII, o romance havia se transformado na mais popular de todas as formas literárias.

Em relação à epopéia, o romance traz importantes novidades:

- A metrificação (verso) é abandonada e a prosa de tom relativamente coloquial torna-se uma característica da linguagem narrativa.

- Por se estruturar a partir da dissolução da epopéia clássica e do declínio das novelas pastoris, galantes e de cavalaria da Idade Média, o romance emerge sem regras fixas ou modelos a serem obedecidos. Por isso, por não ter um passado a guardar, ele se tornou a mais aberta de todas as formas literárias.

- Os personagens centrais – os heróis – deixam de ser o aristocrata guerreiro ou o grande homem de aventuras e conquistas, com os seus rígidos códigos de honra e seus valores típicos da nobreza. Ao contrário, o que temos agora são homens comuns, normalmente de origem burguesa ou plebéia, e que vivem dramas corriqueiros. Suas ações já não lhes proporcionam fama e poder, mas giram em torno de fatos relativamente insignificantes: complicações sentimentais, sociais e financeiras, comuns a maioria das pessoas.

Os romances representam – já no século XVIII e XIX, mas particularmente no século XX – um verdadeiro mergulho no cotidiano, como podemos constatar em Moll Flandres, de Defoe, em Germinal, de Zola, ou em Os ratos, de Dyonélio Machado. Nesta última obra, aliás, toda a trama é concentrada na questão do pagamento de uma conta de leite, que o protagonista precisa saldar em vinte e quatro horas.

Os personagens do romance já não são personalidades inteiriças e perfeitas. Agora a interioridade se dissocia da aventura e a alma fica fraturada entre os desejos íntimos e a realidade quase sempre hostil. Por viverem tal dualidade, os protagonistas apresentam uma complexidade maior. Portanto, a sondagem interior, mais tarde conhecida como análise psicológica, nasce como romance.

Os conflitos que embasam a epopéia clássica colocam em oposição apenas os personagens e a realidade exterior. No romance, ao inverso, ocorrem também dentro dos próprios protagonistas. É o chamado conflito interior. Isso não impede o choque dos indivíduos com o mundo, expressos, sobretudo na lua dos mesmos contra as normas e os preconceitos sociais.

Este último confronto torna-se clássico no romance: um indivíduo com valores autênticos tenta impô-los à realidade. Sede de amor, de justiça e de dignidade humana impele-o ao desejo de mudança de um mundo, geralmente insensível e injusto. No entanto, o resultado desse esforço é, no mais das vezes, o fracasso. Desamparado, o personagem ou adere à ordem opressiva ou sucumbe à desilusão, à loucura e até à morte. Por isso, inúmeros romances se apresentam como um verdadeiro inventário de ilusões perdidas.

Contudo, em muitas obras do gênero, há um triunfo do herói comum, seja pela realização de seus afetos ou de seus ideais, seja pela satisfação de suas exigências de escalada social, às vezes alcançada graças à sua esperteza e à sua flexibilidade ética.

Estas diferenças entre a epopéia e seu mais ilustre descendente levaram o filósofo alemão Hegel, nos primórdios do século XIX, a cunhar a célebre afirmação: “O romance é a epopéia de um mundo sem deuses”, ou seja, o romance é a epopéia do cotidiano.

2. Graciliano Ramos - Dados biográficos

Graciliano Ramos nasceu no dia 27 de outubro de 1892, na cidade de Quebrângulo, sertão de Alagoas, filho primogênito dos dezesseis que teriam seus pais, Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ferro Ramos. Viveu sua infância nas cidades de Viçosa, Palmeira dos Índios e Buíque, sob o regime das secas e das surras que lhe eram dadas por seu pai, o que o fez alimentar, desde cedo, a idéia de que todas as relações humanas são regidas pela violência.

Em 1894, a família muda-se para Buíque, onde o escritor tem contacto com as primeiras letras. Em 1904, retornam ao Estado de Alagoas, indo morar em Viçosa. Lá, Graciliano cria um jornalzinho dedicado às crianças, o "Dilúculo". Posteriormente, redige o jornal "Echo Viçosense", que tinha entre seus redatores seu mentor intelectual, Mário Venâncio.

Em 1905 vai para Maceió, onde freqüenta, por pouco tempo, o Colégio Quinze de Março, dirigido pelo professor Ângelo Marques Barbosa.

Com o suicídio de Mário Venâncio, em fevereiro de 1906, o "Echo" deixa de circular. Graciliano publica na revista carioca "O Malho" sonetos sob o pseudônimo de Feliciano de Olivença.

Em 1909, passa a colaborar com o "Jornal de Alagoas", de Maceió, publicando o soneto "Céptico" sob o pseudônimo de Almeida Cunha. Até 1913, nesse jornal, usa outros pseudônimos: S. de Almeida Cunha, Soares de Almeida Cunha e Lambda, este usado em trabalhos de prosa. Até 1915 colabora com "O Malho", usando alguns dos pseudônimos citados e o de Soeiro Lobato.

Em 1920 sua esposa falece, deixando quatro filhos menores.

Em março de 1936, acusado — sem que a acusação fosse formalizada — de ter conspirado no malsucedido levante comunista de novembro de 1935, é demitido, preso em Maceió e enviado a Recife, onde é embarcado com destino ao Rio de Janeiro no navio "Manaus". O país estava sob a ditadura de Vargas e do poderoso coronel Filinto Müller. No período em que esteve preso no Rio, até janeiro de 1937, passou pelo Pavilhão dos Primários da Casa de Detenção, pela Colônia Correcional de Dois Rios, voltou à Casa de Detenção e, por fim, pela Sala da Capela de Correção.  Seu livro "Angústia" é lançado no mês de agosto daquele ano. Foi libertado e passou a trabalhar como copidesque em jornais do Rio de Janeiro, em 1937.

Em 1943, falece sua mãe em Palmeira dos Índios. Em 1946, publica "Histórias incompletas", que reúne os contos de "Dois dedos", o conto inédito "Luciana", três capítulos de "Vidas secas" e quatro capítulos de "Infância".

Seus livros "Vidas secas" e "Memórias do cárcere" são adaptados para o cinema por Nelson Pereira dos Santos, em 1963 e 1983, respectivamente. O filme "Vidas secas"  obtem os prêmios "Catholique International du Cinema" e "Ciudad de Valladolid" (Espanha). Leon Hirszman dirige "São Bernardo", em 1980.

2.1. Características Literárias

Graciliano Ramos, ao lado de José Lins do Rego, destaca-se no papel de romancista da segunda fase do Modernismo (1930 - 1945). Graciliano Ramos tornou sua obra mais uma vertente de nosso rico romance regionalista. Com estilo seco, conciso e sintético, o autor deixa de lado o sentimentalismo a favor de uma objetividade e clareza. Seu estilo seco, frio, enxuto e impessoal, repleto de senso psicológico, aproxima-o de Machado de Assis, sendo considerado seu legítimo seguidor, sabendo exprimir a amarga realidade do homem nordestino com agudeza. Assim como José Lins do Rego, Graciliano Ramos vai descrever os tipos e as paisagens do nordeste evocando os problemas que ali se encontram. Seus melhores romances (São Bernardo, Angústia e Vidas Secas), mostram um perfil psicológico e sócio-político que nos indica uma versão crítica dos rumos que a sociedade moderna toma. A análise psicológica tomada pelo autor com relação aos seus personagens, parte do regional para o universal, confrontando o homem comum que vive com classes superiores e autoritárias. O nordeste se torna o palco deste conflito, a preocupação com os problemas do povo brasileiro sempre foram traços marcantes de suas obras. Graciliano Ramos escreveu ainda um romance autobiográfico que contém elementos ficcionais, Memórias do Cárcere, onde há toda a violência que o autor passou enquanto esteve preso, denunciando o autoritarismo estabelecido pelo Estado Novo.

De maneira geral, seus romances caracterizam-se pelo inter-relacionamento entre as condições sociais e a psicologia das personagens; ao que se soma uma linguagem precisa, “enxuta” e despojada, de períodos curtos mas de grande força expressiva. Seu romance de estréia, Caetés (1933), gira em torno de um caso de adultério ocorrido numa pequena cidade do interior nordestino e não está à altura das obras subseqüentes.

São Bernardo (1934), uma de suas obras-primas, narra a ascensão de Paulo Honório, rico proprietário da fazenda São Bernardo. Com o objetivo de ter um herdeiro Paulo Honório casa-se com Madalena, uma professora de idéias progressistas. O ciúme e a incompreensão de Paulo Honório levam-na ao suicídio.

Trata-se de um romance admirável, não só pela caracterização da personagem, mas também pelo tratamento dado à problemática da coisificação dos indivíduos.

Em Angústia conta a história de uma só personagem, que vive a remoer a sua angústia por ter cometido um crime passional.

Entre suas obras autobiográficas, destaca-se Memórias do cárcere (1953), depoimento sobre as condições dramáticas de sua prisão durante o governo do ditador Getúlio Vargas.

2.2. Obras

Romances: Caetés (1933); São Bernardo (1938); Angústias (1936); Vidas Secas (1938).

Conto: Insônia (1947).

Memórias: Infância (1945); Memórias do Cárcere (1953); Viagem (1954); Linhas Tortas (1962); Viventes das Alagoas (1962).

Literatura Infantil: Histórias de Alexandre (1944); Dois dedos (1945); Histórias Incompletas (1946).

3. “VIDAS SECAS”: UMA LEITURA CRÍTICA

3.1. A estrutura do romance

Rubem Braga designou Vidas secas como um “romance desmontável”, pois os treze capítulos que o compõem podem ser lidos isoladamente, constituindo flagrantes mais ou menos fechados da existência sertaneja. Aliás, muitos destes capítulos foram escritos “em retalho” (GR), como se fossem contos, sendo que a obra nasceu a partir do episódio Baleia, conforme afirmativa do próprio autor:

No começo de 1937 utilizei num conto a lembrança de um cachorro sacrificado. (...) Transformei meu avô no vaqueiro Fabiano; minha avó tomou a figura de sinhá Vitória; meus tios pequenos reduziram-se a dois meninos. Publicada a história, não comprei o jornal e fiquei dois dias em casa, esperando que meus amigos esquecessem Baleia. O conto me parecia infame – e surpreendeu-me falarem dele. (...) Habituei-me tanto a eles que resolvi aproveitá-los de novo. Escrevi Sinhá Vitória. Depois apareceu Cadeia. Aí me veio a idéia de juntar as cinco personagens numa novela miúda – um casal, duas crianças e uma cachorra, todos brutos.

A obra apresenta, pois, uma composição relativamente aberta e descontínua, dada a autonomia dos treze quadros. Excetuando-se Mudança e Fuga, respectivamente o primeiro e o último capítulo, os demais podem não exigem a necessidade de uma leitura linear. Isso se deve, em parte, a ausência de seqüência temporal delimitada claramente entre os episódios ou de marcos cronológicos muito visíveis em todo o romance. Sabemos apenas que os dias passam: “Entrava dia e saía dia.” Que os anos transcorrem: “Fabiano sentia distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha vivido alguns anos.” Quantos dias? Quantos anos? As respostas não permitem nem mesmo saber a idade de qualquer personagem ou a duração exata da narrativa.

Como observamos, a montagem do relato é feita pela justaposição de capítulos. Inexiste, portanto, ao contrário do romance tradicional, uma evolução dramática, algo que possa crescer, episódio após episódio, criando uma evolução de caracteres e um clímax. Assim, a estrutura de Vidas secas torna-se similar à incapacidade de Fabiano e os seus de traçarem o próprio destino. O encadeamento convencional de episódios (como em O continente e em O guarani, por exemplo) corresponde à ação do homem sobre o mundo. Já a família sertaneja de Vidas secas é apenas vítima e, por causa de sua impotência (inclusive mental), não consegue compreender a realidade como um todo, vendo-a de maneira fragmentada e desconexa. Esta descontinuidade é levada por G.R. à própria forma de composição do romance.

No entanto, apesar desta estrutura aparentemente descosida, destas cenas quase soltas que compõe a maioria dos capítulos, o leitor percebe que há unidade e grande coesão no romance. Elas são dadas pela recorrência de certos motivos que aparecem pratica-mente em todos os episódios da obra, cimentando-a estética e ideologicamente, como veremos adiante.

Quarto e último romance de Graciliano Ramos, (os outros foram Caetés, São Bernardo e Angústia) Vidas secas é o único narrado em terceira pessoa. Seria obviamente impossível dar voz a Fabiano e a opção pela terceira pessoa possibilitou também uma relativa adesão do narrador ao universo retratado. Ele procura ser tão “seco” e despojado quanto as vidas que registra. Para não “olhá-las” apenas de fora, impessoalmente, o autor vale-se de maneira contínua do discurso indireto livre, como neste exemplo:

Havia muitas coisas. Ele não podia explicá-las, mas havia. Fossem perguntar a seu Tomás da bolandeira, que lia livros e sabia onde tinha as ventas. Seu Tomás da bolandeira contaria aquela história. Ele, Fabiano, um bruto, não contava nada.

No dizer de um crítico, Graciliano Ramos procura, em Vidas secas, “condensar o máximo no mínimo.” O estilo é despojado, cortante, quase desagradável a ouvido, centrado em orações coordenadas, curtas e diretas. Algumas palavras de cunho regional dificultam um pouco a leitura, mas a linguagem do narrador está alicerçada no padrão culto urbano da língua portuguesa. O crítico Otto Maria Carpeaux definiu com precisão este estilo:

A maestria singular de Graciliano reside em seu estilo. É muito meticuloso. Quer eliminar tudo o que não é essencial: as descrições pitorescas, o lugar-comum das frases feitas, a eloqüência tendenciosa. Seria capaz ainda de eliminar páginas inteiras, eliminar os seus romances inéditos, eliminar o próprio mundo para guardar apenas o que é essencial (1965, p.16).

Narrado em 3ª pessoa (ao contrário das obras anteriores de Graciliano Ramos), Vidas Secas pertence a um gênero intermediário entre romance e livro de contos. Nesta obra não é a personagem que ressalta nele, mas o narrador que se faz sentir pelo discurso indireto, construído em frases curtas, incisivas, enxutas, quase sempre em períodos simples. A obra pertence a um gênero intermediário entre romance e livro de contos. Possui 13 capítulos até certo ponto autônomos, mas que se ligam pela repetição de alguns motivos e temas, como a paisagem árida, a zoomorfização e antropomorfização das criaturas, os pensamentos fragmentados das personagens e seu conseqüente problema de linguagem, seu Tomás da bolandeira, a cama de varas de sinhá Vitória etc.

O que une os episódios no livro é a utilização de vários motivos recorrentes (a paisagem árida, a zoomorfização e antropomorfização das criaturas, os pensamentos fragmentados das personagens e seu conseqüente problema de linguagem, seu Tomás da bolandeira, a cama de varas de sinhá Vitória etc.), que dada a sua redundância e a maneira como são distribuídos, chegam a constituir um verdadeiro substituto da ação e da trama do livro.

Também as personagens são focalizadas uma por vez, o que mostra o afastamento existente entre elas. Cada uma tem sua vida particular, acentuando-se a solidão em que vivem. Vidas Secas é, portanto, a dramática descrição de pessoas que não conseguem comunicar-se. Nem os opressores comunicam-se com os oprimidos, nem cada grupo comunica-se entre si. A nota predominante do livro é o desencontro dos seres. Os diálogos são raros e as palavras ou frases que vêm diretamente da boca das personagens são apenas xingatórios, exclamações, ou mesmo grunhidos. A terra é seca, mas, sobretudo o homem é seco. Daí o título Vidas Secas. O discurso do narrador é igualmente construído com frases curtas, incisivas, enxutas, quase sempre períodos simples. Escritor extremamente contido, com o pavor da verbosidade, Graciliano prefere a eloqüência das situações fixadas à eloqüência puramente verbal. O que há de libelo no livro se inclui na sua própria estrutura e não em discursos das personagens ou do autor.

3.2. Enredo

Vidas Secas é um romance mais apreciado de Graciliano Ramos, e o mais bem realizado esteticamente, compondo o quadro de personagens.

O romance praticamente não tem uma história a contar, mas um conjunto de situações confluentes, algo que se presta muito bem para a projeção animatográfica.

A história começa com a fuga de uma família nordestina fugindo da seca do sertão. Fabiano, o pai da família, é um vaqueiro com dificuldade de se expressar. Não tem aspirações nem esperanças de vida. Sinhá Vitória é a mãe, é mais "madura" do que seu marido Fabiano, também não se conforma com sua situação miserável, e sonha com uma cama de ouro como a de Tomás de Bolandeira. Os dois filhos e a cadela Baleia acabam por concluir essa família.

O menino mais novo sonha ser como o pai, já o mais velho desejava a presença de um amigo, conformando-se assim com a presença de sua cadela Baleia, a qual portava-se não como um animal, mas sim tratada com um ente e ajudava Fabiano e sua família a suportar as péssimas condições.

Depois de muito caminhar a família chega a uma fazenda abandonada, onde acabam ficando. Após de um curto período de chuva o dono da fazenda retorna e contrata Fabiano como seu vaqueiro.

Fabiano vai a venda comprar mantimentos e lá se põem a beber. Aparece um policial que Fabiano chama de Soldado Amarelo, que o convida para jogar baralho com os outros. O jogo acontece e numa desavença com o Soldado Amarelo, Fabiano é preso maltratado e humilhado, aumentando assim sua insatisfação com o mundo e com sua própria condição de homem selvagem do campo.

Fabiano é solto e continuando assim sua vida na fazenda. Sinhá Vitória desconfia que o patrão de Fabiano estaria roubando nas contas do salário do marido. A família participa da festa de Natal da cidade onde se sentem humilhados por diversos "patrões" e "Soldados Amarelos". Baleia fica doente e Fabiano a sacrifica.

Não satisfeito e sentindo-se prejudicado com o patrão, Fabiano resolve conversar com seu patrão, este que ameaça despejar Fabiano da fazenda. Fabiano tenta esquecer o assunto e acaba ficando muito indignado. Na voltada venda Fabiano encontra o Soldado Amarelo perdido no mato. Fabiano pensa em matar o Soldado Amarelo, porém sentindo-se fraco e impossibilitado, acaba ajudando o soldado a voltar para a cidade.

A seca atinge a fazenda e faz com que toda a família fuja novamente, só que desta vez, todos vão para o Sul, em busca da cidade grande, sem destino e sem esperança de vida.

 3.3. O narrador

O narrador se manifesta em terceira pessoa e é onisciente, a descrição é tática e sensível. Podemos encontrar muitas vezes os discursos indiretos livres. É o próprio narrador que revela o interior dos personagens através de monólogos interiores. O foco narrativo ganha destaque ao converter em palavras os anseios e pensamentos das personagens.

"... Aí, a coleira diminuiu e Fabiano teve pena”. (Cap. 01 – Mudança)       

3.4. Tempo  

O tempo de narrativa medeia duas secas. A primeira que traz a família para a fazenda e a segunda que a leva para o Sul. Mesmo possuindo algumas referências cronológicas na obra, o tempo é psicológico e circular.

"... Sinhá Vitória é saudosista. Lembra-se de acontecimentos antigos, até ser despertada pelo grito da ave e ter a idéia de transformá-la em alimento".(Cap. 01 – Mudança)

3.5. Os personagens

O grau de semelhança na caracterização de Fabiano e de sua família é muito grande. A brutalidade da seca faz com que os personagens também se embruteçam, é ai que o autor os compara com animais. As personagens não falam, mas grunhem, rosnam, gesticulam e falam palavras soltas. Cabe ao narrador interpretar e expor os seus desejos.

Personagem Protagonista

FABIANO

Nordestino pobre, ignorante que desesperadamente procura trabalho, bebe muito e perde dinheiro no jogo. Fabiano é uma pessoa que fica dividida entre a revolta e a passividade, optando pela segunda atitude diante de sua impotência.

A impotência é reforçada por não saber usar a linguagem, que é o seu maior desejo. Toma como exemplo seu Tomás da bolandeira, tentando de alguma forma imitar-lhe o vocabulário. Por não saber se expressar, entra num processo de isolamento, aproximando-se dos animais, com os quais se identifica melhor.

Antagonista

SOLDADO AMARELO

Corrupto, oportunista e medroso, o Soldado Amarelo é símbolo de repressão e do autoritarismo pelo qual é comandado (ditadura Vargas), porém não é forte sozinho; sem as ordens da ditadura, é fraco e acovarda-se diante de Fabiano.

Personagens Secundários

SINHÁ VITÓRIA

Mulher de Fabiano, sofrida, mãe de 2 filhos, lutadora e inconformada com a miséria em que vivem, trabalha muito na vida, é ela que percebe as trapaças do patrão e também o início da estiagem. Seu sonho de consumo é uma cama de couro igual à do seu Tomás da bolandeira.

Seu inconformismo faz com que ela se transforme em uma pessoa queixosa, sendo impaciente com os filhos e um tanto quanto amargurada.

FILHO MAIS NOVO E FILHO MAIS VELHO

São crianças pobres e sofridas que não tem noção da miséria em que vivem. O mais novo vê no pai um ídolo, sonha sobressair-se realizando algo, enquanto o mais velho é curioso, querendo saber o significado da palavra inferno, desvendar a vida e ter amigos.

O DONO DA FAZENDA

Contrata Fabiano para trabalhar em sua fazenda, desonesto, explorava seus empregados.

BALEIA

Cadela da família, tratado como gente, muito querido pelas crianças.

Ela é humanizada em vários momentos, tornando-se um membro da família, sempre se solidarizando com esta. Sua solidariedade é desinteressada, pois além de ser bastante enxotada, fica sempre com os ossos, contentando-se com o pouco.

TOMÁS DE BOLANDEIRA  

Personagem que só aparece por meio de lembranças (pois já havia morrido), é tido como referência para Fabiano e sinhá Vitória. Enquanto Fabiano admira sua linguagem, tentando imitá-la, sinhá Vitória deseja uma cama de couro igual à sua. Dessa forma, ele representa as aspirações de mudança do casal.

O DONO DA FAZENDA, O FISCAL DA PREFEITURA E O SR. INÁCIO

Os três personagens são representantes das instituições sociais que oprimem Fabiano. Patrão: contratou Fabiano para trabalhar em sua fazenda, era desonesto, exigente, ladrão e explorava os empregados. O fiscal da prefeitura: intolerante e explorador. O Sr. Inácio: era o dono do bar.

3.6. O ambiente

O espaço é físico, refere-se ao sertão nordestino, descrito com precisão pelo autor.

"... na lagoa seca, torrada, coberta de caatingas e capões de mato”. (Cap. 11 – O soldado Amarelo)

3.7. A animalização do humano

A hostilidade da natureza e os vários níveis de opressão do sistema rural arcaico parecem eliminar do vaqueiro e de sua família vários traços de humanidade, impelindo principalmente Fabiano a desconfiar de sua própria condição. Inúmeras vezes, no transcurso da narrativa, ele se contempla como um bicho:

“Você é um bicho, Fabiano.”

“Estava escondido no mato como tatu. Duro, lerdo como tatu.”

Este processo de zoomorfização de alguma maneira é acentuado pela cachorra Baleia, já que esta se situa como protagonista pensante e com um nível de ex-pressão mental não inferior a da família sertaneja. Ou seja, vive-se em um universo tão primitivo, tão sem horizontes que os homens e os animais se igualam intelectualmente.

Por seu turno, é verdade que Baleia se humaniza, sobremodo no capítulo que leva o seu nome e no qual ela acaba eliminada. Em toda a prosa áspera de G.R. é o único momento de alta poesia.

A tensão dialética entre a condição humana e a não-humana, que determina o significado do romance, é resolvida no último capítulo, quando todos os animais já morreram e a família segue em direção à cidade. Repare nas frases derradeiras da obra:

E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão manda-ria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, sinhá Vitória e os dois meninos.

O termo “homem” certamente não designa gênero. Homens como sinhá Vitória? Homens como os dois meninos? Homem aqui tem outro sentido, o mesmo que Euclides da Cunha aplicou ao sertanejo. Representa força, capa-cidade de resistência, disposição voluntária para mudar a vida, vitória sobre as mais terríveis circunstâncias. Fabiano e seus familiares são homens e não bichos.

3.8  Análise Crítica

Graciliano Ramos no chamado romance do Nordeste, além de mostrar e denunciar as mazelas sociais, deu um nível literário, artístico à obra. É um escritor com um estilo próprio, com uma linguagem trabalhada. Não é um romancista na plena acepção da palavra, mas um bom contista e utilizou materiais já elaborados e até mesmo publicados para criar seus romances. Vidas Secas é montado num processo artesanal, ordenado à maneira de mosaico, não é um romance propriamente dito e sim uma coletânea de contos. São 13 capítulos autônomos, que se ligam pela repetição de alguns motivos.

Vidas Secas é um romance de estética realista naturalista é a dramática descrição de pessoas que não conseguem comunicar-se, pois a terra é seca, mas o homem, também é seco: nem os opressores (patrão, soldado) e nem os oprimidos (família de Fabiano). Sabendo se que o mais importante não é a intriga, mas o fundo sociológico e psicológico. Graciliano Ramos procura estudar o comportamento duma família extremamente rude e primitiva num meio ecologicamente severo e seco. Estuda as formas de raciocínio e linguagem, de adaptação ou revolta em diversas temperaturas psicológicas: as reações nos períodos de seca e fome, bem como nos períodos de fartura do inverno, as formas de comportamento no campo e na cidade, etc. O que interessa é o homem, o homem do sertão nordestino, o ser rude e quase primitivo pela hostilidade do meio físico e da injustiça humana. Graciliano Ramos conhecia a região e quis descrever o homem branco, rude e suas personagens são quase selvagens por isso o que elas pensam e falam merece ser anotadas.

Vidas Secas não é apenas o romance da seca, mas principalmente o romance da condição humana jogada entre a vida e a morte. As personagens deslocam-se para lugares distantes daquele em que se situa o conflito. Os retirantes recusam o presente e vão atrás de um sonho: casa para se abrigarem e trabalho para ganharem o suficiente para não morrer de fome.

Por ser um romance realista regionalista as descrições deveriam ser mais desenvolvidas. Fala-se do verão, do inverno, das nuvens, do sol, de água ou dos mandacarus; as anotações "paisagísticas" são breves e explicativas, por que precisa destes elementos para estudar o comportamento psicológico do homem entregue a um meio ecologicamente tão duro "seco".

Vidas Secas: o título afronta duas formas de narrar (tendências narrativas) que pendem mais para se excluir do que para se unir. A primeira linha é a sociológica "secas" onde tenta fazer um romance realista regionalista; a segunda linha a psicológica "vidas", a do realismo psicológico. Impondo-se com o romance psicológico onde a análise se sobrepõe o documentário sociológico.

A seca não permite a vida vegetal, mata os animais e expulsa os homens, desumanizando-os e obrigando-os a aproximarem-se dos animais para todos juntos tentarem a sobrevivência comum. Assim entre Fabiano e a seca trava-se uma luta de um caráter especial, porque o vaqueiro "Fabiano" tem nela um inimigo que não pode combater diretamente, mas por meios indiretos-fugindo. Para este combate a seca encontra ajuda "solidariedade" na cidade na luta contra Fabiano. E, Fabiano tem três fatores: a energia vital física, Deus e as ilusões que o ajudam a resistir a seca.

A energia vital física que lhe permite resistir aos obstáculos e que é indispensável preservar cautelosamente, sem esbanjamentos inúteis, como aparece em "Mudança", em que Fabiano ao avistar o pátio "cerca" de uma fazenda sentiu vontade de cantar a sua alegria, mas logo se conteve: "Calou-se para não estragar força"pág.12

Deus, Nossa Senhora, os santos e sinhá Terta com as suas rezas. Deus podia afastar alguns males, a reza da Ave-Maria reza forte "podiam esconjurar a seca e curar a novilha raposa que andava tresmalhada". Fabiano e a família vão a igreja pelo Natal "Festa" rezam para esconjurar os malefícios e doenças do gado, mas não reconhecem Deus como origem das situações más, por isso esperam dele as boas, como se ele "Deus" fosse um intercessor junto do Destino.

As ilusões como: um futuro melhor para os filhos, uma cama de varas, um bebedouro imaginário, isto são necessários para melhor lutar. Esta esperança no futuro não passa de uma forma de ganhar novas energias para vencer o presente, funcionando como narcóticos para encarar as dificuldades da seca.

Vidas Secas é um romance escrito em terceira pessoa, seu narrador é superior às personagens, pois tudo sabe tudo vê, tudo pode narrar por que não coincide com nenhuma personagem, uma vez que está por detrás de todas como narrador implícito e oculto. O narrador está perfeitamente à vontade para narrar e contar de maneira intemporal, impessoal e sem quaisquer outros limites. Pois tudo é permitido.

O narrador assume qualquer uma das cinco personagens: Fabiano, Sinhá Vitória, o menino mais velho, o mais novo e a cachorra "Baleia"; cuja linguagem das personagens não vão além de monossílabos, por isso não pode analisar nem se expressar sozinhas. Cada personagem é especialmente analisada no capítulo que lhe pertence, com título apropriado e colocado em relação com as outras nos outros capítulos.

No primeiro capítulo "Mudança" as personagens apresentam-se todas juntas e numa ordem cronológica: Fabiano, sinhá Vitória, o menino mais velho, o mais novo, a cadela "Baleia" e o papagaio. Sabendo-se que este capítulo é o resumo de toda a história, pois o detalhe de cada personagem será, dito no capítulo que pertence a cada uma.

"[...] Fabiano ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não acontecesse, espiou os quatros cantos,zangado, praguejando baixo"pág. 9

Isto é o comportamento do pai perante o filho mais velho. E no capítulo que lhe pertence o que aconteceu em "Mudança" é explicado com mais detalhe.

b"[...] Ele, o menino mais velho, caíra no chão que lhe torrava os pés. [...] Mal sentia as pancadas que Fabiano lhe dava com a bainha fada de ponta."pág. 59

Na caminhada que os retirantes fazem, o filho mais velho não consegue acompanhar por causa do sol forte e da fome que estão passando. Fabiano, o pai, fala alguma coisa monossilábica, mexe no filho e não tem resultado. No capítulo designado ao filho mais velho, isto é, posto com detalhes.

Na verdade, o narrador conta toda a história e a fala das personagens estão agregadas para que pareça seu pensamento. Fazendo uso da metalinguagem o narrador tem o conhecimento de toda a história e, faz uso da função fática para estabelecer um diálogo perfeito na relação narrador-leitor. Ao narrar o capítulo do "Menino mais velho" o narrador incorpora a personagem para o distanciamento não ser nítido.

A cachorra Baleia é humanizada, pois pensa, sonham tem consciência dos sofrimentos e da morte muito próxima dos seres humanos a que está agregada.

O apanhar um preá é dado como importante para a narrativa, a fim de encarecer o que isso vale com fator de sobrevivência para o grupo que caminha. Por isso o narrador dá uma grande importância a este episódio.

A cadela morre atingida pela hidrofobia (sarna), mas mesmo na execução deste castigo se afirma a violação da proibição por parte do sujeito, que não deixa o animal morrer por si mesmo, antes lhe dá o golpe de misericórdia, afirmando a sua contingência e liberdade contra a força necessária que o quer aniquilar. Baleia espera a morte sonhando com outro tipo de vida, ao lado de Sinhá Vitória, consegue elaborar seus devaneios.

Dado o caráter bivalente de Vidas Secas como romance regionalista e psicológico. A onisciência da terceira pessoa só atinge a amplitude nas descrições exteriores e sofre as limitações que faz equivaler à primeira pessoa.

Usando o caráter ambíguo das formas verbais (imperfeito do subjuntivo e do pretérito imperfeito e mais que perfeito do indicativo), o narrador narra como se comentasse e comenta como se narrasse. O imperfeito corresponde ao aspecto cursivo, definindo o desenrolar da ação ou a apresentação da qualidade como algo que dura e se desenvolve dentro dum determinado período de tempo e de importância.

O perfeito assinala que o modo de manifestação do processo indicado na enunciação ocorre num ponto determinado, concentrando o interesse do leitor de maneira instantânea e prende sua atenção para um momento de convergência.

No capítulo "Cadeia" isso fica claro "[...] Não queria( pretérito imperfeito) capacitar-se de que a malvadez tivesse sido( pretérito imperfeito do subjetivo) para ele. Havia ( pretérito imperfeito) engano, provavelmente o amarelo o confundira(pretérito mais que perfeito) com outro. Não era(pretérito imperfeito) senão isso.

Então por que um sem-vergonha desordeiro se arrelia(presente), bota-se(presente) um cabra na cadeira, dá-se(presente) pancada nele? Sabia(pretérito imperfeito) perfeitamente que era assim, acostumara-se(pretérito mais que perfeito) a todas as violências, todas as injustiças [...]"pág. 33

O início da narração é feita com os verbos no pretérito imperfeito do modo indicativo e no imperfeito do subjuntivo para demonstrar que é o narrador falando. Mas parece mais o pensamento da personagem por que depois, vêm os verbos no presente, e no termino os verbos voltam ao modo indicativo "pretérito". Ao usar o pretérito mais que perfeito junto com o imperfeito gradua a importância narrativa em relação a um marco cronológico.

Mas como Graciliano Ramos faz uso do discurso indireto livre e agrega a personagem ao narrador; forjando, assim, um monólogo onde apenas o narrador conta a história. Lembrando-se que as falas das personagens são monossilábicas, e o devaneio que são as falas do personagem parece o estado mental do narrador.

O tempo adquire um caráter lógico, porque as personagens sempre em movimento através da mudança contínua dos estados: tanto física como psicológica. O tempo descontínuo se organiza no ritmo temporal do leitor moderno, o ritmo da vida precipitado e lento: precipitado por causa das frases curtas, enxutas, período simples, lento porque é cheios de vazios, sentidos densos.

As informações concretas são bem poucas, não são marcos absolutos e claros, mas relativos a outros marcos que se encadeiam em ate cedentes imprecisos.

"Entrava dia e saia dia" pág. 13

"Agora Fabiano era vaqueiro" pág. 19

O narrador situa o encontro com o soldado amarelo um ano depois do episódio da "Cadeia"

" [...] voltou-se e deu de cara com o soldado amarelo que, um ano antes, o levara á cadeia [...]" pág. 99

E no final do romance diz: "dobrando o cotovelo da estrada, Fabiano sentia distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha vivido alguns anos, o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia esmoreceram no seu espírito" pág. 120

"Alguns anos" este plural indica que um ano é insuficiente para conter toda a matéria do romance ou a vida é um ciclo de retomadas.

Vidas Secas começa com uma fuga e acaba com outra, a ação fecha-se num circulo. A vida do sertanejo se organiza, do berço á sepultura, o perpétuo retorno.

E, para o narrador interessa apontar o mútuo distanciamento de determinado momentos de sucessão. Isto subtrai a cronologia do tempo criando um efeito psicológico.

Em Vidas Secas não há o contraponto entre o presente da escrita e o passado dos acontecimentos porque o narrador se dissimula perfeitamente por detrás do relato e aparece interessado em que o leitor se aperceba o menos possível de sua presença. É uma ocultação que não impede a relação narrador-leitor, mas a atenue bastante.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como José Luiz Meurer comenta:

"Ler criticamente significa procurar entender que representar o mundo de uma determinada maneira, construir e interpretar textos evidenciando determinadas relações e identidades constituem formas de ideologia."

Apesar, e por causa, desta investigação, pudemos perceber que já existem alguns estudos e muitas perguntas sobre a criticidade na leitura. Porém, podemos encarar isto como positivo, porque é somente através da curiosidade, do levantamento de questões que às vezes parecem sem resposta, que poderemos investigar, acoplar ou desprezar conceitos que nos mostrarão caminhos alternativos no ensino/aprendizagem.

Meurer ainda diz:

Uma necessidade e um desafio que permanecem para lingüistas aplicados, psicólogos da cognição e todos os interessados na importância da linguagem para as práticas sociais humanas é a busca de formas de desenvolver a leitura crítica. É preciso ver o processo de leitura não apenas em sua dimensão cognitiva, mas também em sua abrangência social. Nesse contexto, permanece e é premente a necessidade de desenvolver e testar formas de incentivar alunos e professores, e indivíduos em geral, a se interessarem em quebrar o círculo do senso comum, daquilo que parece natural, não problemático, mas que recria e reforça formas de desigualdade e discriminação.

Depois de tantos experimentos, Joanne Busnardo e Maria da Glória Moraes mostram seu raciocínio sobre a integração do ensino, bem como a escolha de textos:

Se acreditamos na centralidade da participação ativa do sujeito na compreensão, produção e aquisição da linguagem, e nas interações leitor/autor e aluno/professor, o ensino de línguas ligado a um universo de discurso familiar e importante para o aluno parece ser quase imprescindível. Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que o simples fato de oferecer textos dentro de uma área acadêmica específica não garante a participação necessária para a aquisição é o livre desejo de ler um texto, ou de comunicar-se.

Todas as orientações contidas nos autores citados neste trabalho servem, e continuarão servindo, à aplicação de leitura crítica em qualquer modalidade da língua. Mas o que pudemos apreender deste levantamento, é que embora o experimento muitas vezes possa nos desconcertar ou mesmo nos desestimular, ainda é mais válido que repetir velhas fórmulas que já não dão conta de um aprendizado realmente profundo e duradouro.

Também cabe às autoras referidas no penúltimo parágrafo o fechamento desta conclusão:

Resta dizer que o tipo de procedimento que acabamos de descrever envolve sempre certo grau de risco: afinal, estamos utilizando textos que não entendemos completamente. Sempre existe a possibilidade dos alunos não poderem contribuir muito à elucidação de certo sentido. Queremos sugerir aqui que, apesar do perigo, vale a pena arriscar. Porque sem este risco, a elucidação de sentidos através da interação também não pode existir.

Diante do exposto, pode-se perceber que a leitura exercitada corretamente possui vasta função social na medida em que é parte axial de uma consciência crítica que tem como fruto a formação intelectual de homens críticos e formadores de opinião, participativos no processo de evolução social.

Nesse sentido, abordamos aspectos que ajudam e dificultam o ato de ler de forma eficaz fazendo um comparativo entre as causas e as conseqüências de uma leitura passiva, nociva aos leitores, em geral, mas de conformidade com os anseios das classes dominantes.

De qualquer forma, sejamos otimistas ou pessimistas, apocalípticos ou integrados, podemos tomar como base que uma nova leitura do mundo é necessária, que a imensa maioria não está preparada para ou não sabe como fazer essa leitura, e que esse ato de ler não será isento de ideologia. E mais ainda, não haverá o conforto de uma leitura "totalizante": teremos que conviver tolerantemente com diferentes leituras do mundo.

Podemos concluir ainda que temporariamente, a melhor coisa que uma escola pode oferecer aos alunos, é a leitura, sem dúvida, é uma grande herança da educação, é o prolongamento da escola na vida, já que a maioria das pessoas, no seu dia-a-dia, lê muito mais do que escreve.

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Publicado por: Lucimário Augusto da Silva

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