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Os matizes do gênero entrevista: o contexto de produção

O gênero discursivo/textual possui características peculiares que o tornam único.

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Um gênero discursivo/textual que é comum e ainda presente no cotidiano da sociedade é a entrevista, que por sua vez abre um leque de possibilidade de interpretação e de uso, tendo em vista que o mesmo é construído a partir dos conhecimentos críticos dos participantes, a cerca de um determinado tema. Sendo assim, este gênero possui características peculiares que o tornam único. Segundo Duarte (2010, p. 1) “A entrevista é essencialmente oral e requer uma postura adequada tanto por parte de quem elabora quanto por parte de quem responde”.

Logo, compreende-se que quanto à elaboração da entrevista, a linguagem assume o papel de fundamental importância, visto que através dela o homem comunica-se. No entanto, a mesma sofre influencia direta ou indireta do contexto o qual estão inseridos os participantes. No caso da produção nas entrevistas, a linguagem é elaborada para atender as especificidades do tema, e do formato da entrevista, isto é, uma entrevista de caráter jornalístico, por exemplo, requer dos participantes um uso mais apurado da linguagem.

E ainda, consequentemente, a produção discursiva, também é controlada, pois deve atender a grade de programação. Logo, infere-se que toda entrevista é programada, e que, os participantes constroem o seu discurso para atender os desígnios da programação, que por sua vez direciona aos interesses do público.

Sendo assim, as expectativas do público são determinantes para o processo de construção de uma entrevista, ou seja, o contexto externo contribui de forma significativa para a elaboração desse gênero discursivo/textual.

A elaboração prévia a respeito do assunto que será discutido é de suma importância, pois o entrevistador precisa dominar o assunto em pauta, de modo a evitar algumas falhas indesejáveis. Como também o mesmo deverá se manter totalmente imparcial, na qual a objetividade deverá prevalecer sempre, sobretudo porque nesse momento é preciso que se promova uma total credibilidade. (DUARTE, 2010, p.1).

Por conseguinte, percebe-se que a produção discursiva não sofre influência apenas da grade de programação, mas, também dos participantes, visto que, eles emergem de esferas ideológicas próprias, construindo o seu discurso de acordo com o contexto aos quais estão inseridos. Portanto, a construção do discurso influencia diretamente o público, contribuindo para que haja repercussão no sub-contexto da entrevista. Sendo assim, um discurso que tem falhas, logo, não atenderá as expectativas do público, e tão pouco formar opinião.

Para tanto, no contexto da produção torna-se relevante que os participantes sigam conscientemente ou inconsciente, as Máximas proposta pelo filósofo e linguista Paul Grice, proporcionando a compreensão.

  • Máxima de Quantidade - está relacionada com a quantidade de informação esperada que o locutor forneça, ou seja, informação que seja satisfatória para compreensão; Desrespeitando-se essa máxima, o falante fornecerá informações em demasia, ou então, deixará de fornecê-la:

1. A: Você comprou todos os ingredientes da receita?

B: Comprei apenas alguns.

Implicatura: (B) Não comprou todos os ingredientes.

Percebe-se que, em (1), o falante não respeitou a máxima de quantidade ao deixar de fornecer informações que seriam necessárias à compreensão. Se o falante (B) tivesse comprado todos os ingredientes da receita, não diria comprei apenas alguns.

  • Máxima de Qualidade – faz referência ao grau de veracidade e as evidências indispensáveis para acreditar que seja verdadeira a informação dada; Essa máxima possui duas submáximas: 1) não informe aquilo que você acredita ser falso; 2) não informe o que não possa fornecer evidências suficientes;

2. A corrupção acabou no Brasil.

Implicatura: O Brasil já foi um país corrupto.

Em (2), há um desvio da Máxima de Qualidade, tendo em vista que não se pode dizer aquilo em que não se acredita ser verdadeiro e tão pouco informar algo que não se tenha evidências suficientes para ser verdadeiro.

  • Máxima de Relevância - diz respeito à informação relacionada ao tema abordado, pois uma frase que seja pronunciada desconexa do seu tema pode impedir a compreensão da mensagem pelo alocutário;

Quando não se respeita a Máxima de Relevância, os diálogos, segundo Cançado (2005, p. 135) [...] “seriam uma sucessão de falas desconexas”, logo, não haveria entendimento entre interlocutores.

3. A: Posso comprar aquele vestido?

B: Devemos ir para casa agora.

Implicatura: (B) Não autorizou a compra do vestido.

A resposta de (B) torna-se inadequada diante do contexto em que se encontra. Portanto, (B) quebra o acordo de cooperação comunicativa, explicitado por Cançado (2005).

  • Máxima de Modo - esta não se refere ao conteúdo que é informado, mas de que forma este é concebido. Refere-se à clareza da informação comunicada.

4. Eu não posso nem ver lasanha.

Implicatura: O falante está proibido de comer lasanha.

A construção elaborada pelo falante em (4), deixa explícito que o mesmo não foi claro e objetivo ao comunicar que não podia ver lasanha. Portanto transgrediu a Máxima de Modo, na qual, se estabelece que o falante deva principalmente evitar ambiguidades.

Os modelos de construção apresentados acima enfatizam que o desrespeito as Máximas de Grice tornam a produção discursiva incoerente, pois não há cooperação entre interlocutores, por conseguinte, interlocutores devem apresentar total engajamento cooperativo, objetivando produzir uma sequência linguística compreensível. (KOCH & TRAVAGLIA, 2005, p. 49).

E ainda, torna-se necessário ratificar que estes postulados também podem ser aplicados na entrevista como produção textual, tendo em vista que, também há interlocução entre leitor e texto. Logo, o texto que não apresenta tais preceitos não possui sentido, limitando-se, apenas, a ser uma sucessão de frases desconexas.

Portanto, pode-se afirmar que os desígnios, e bem como os desejos, estão intrínsecos ao discurso; e, pois, é o discurso que contribui significativamente para formação crítica do individuo na sociedade. Isto é, no âmbito da entrevista, os sujeitos constroem seu discurso, de acordo com as instâncias de sua formação.

De acordo com Foucault (2007, p. 8)

[...] o discurso em sua realidade material de coisa pronunciada ou escrita apresenta-se como uma inquietação diante dessa existência transitória destinada a se apagar sem dúvida, mas segundo uma duração que não nos pertence; inquietação de sentir sob essa atividade cotidiana e cinzenta poderes e perigos que mal se imagina; inquietação de supor lutas, vitórias, ferimentos, dominações, servidões, através de tantas palavras cujo uso há tanto tempo reduziu as asperidades.

Deste modo, percebe-se que o discurso não se constitui apenas por meras palavras pronunciadas ou escritas, visto que através de seu uso, o homem domina, fere, conquista e que deixa propagada pelos tempos sua determinação e obstinação, dentro de um jogo de dominação e submissão. Aplicando esse preceito no campo da entrevista, também, estão em jogo as relações de dominação e submissão, no qual, os sujeitos constroem os seus discursos levando em consideração cargas ideológicas e intencionais que os constituem, não se desviando, logicamente, do tema abordado na entrevista.

Sendo assim, para transpor a entrevista ao contexto escolar, torna-se necessário, primeiramente, compreender o que e qual a função dos gêneros textuais, mais especificamente do gênero em questão; a entrevista. Em um sentido amplo Bronckart (1999, p. 73) apud Pinto (2007, p. 186) afirma que:

[...] a noção de gêneros textuais tem sido progressivamente aplicada ao conjunto das produções verbais organizadas: às formas escritas usuais (artigo científico, resumo, notícia, publicidade, etc.) e ao conjunto das formas textuais orais, ou normatizadas, ou pertencentes à “linguagem ordinária” (exposição, relato de acontecimentos vividos, conversação, etc.). Disso resulta que qualquer espécie de texto pode atualmente ser designada em termos de gênero e que, portanto, todo exemplar de texto observável pode ser considerado como pertencente a um determinado gênero.

Logo, percebe-se que a área de produção e gênero textual apresenta-se diversificado, aberto de possibilidades, e que a produção textual pertence a determinado gênero e bem como exerce sua função dependendo do contexto em que é produzido. Ou seja, o texto classifica-se de acordo com sua função social, a que está engajado.

Bakhtin (1953/1979) apud Pinto (2007, p. 186) expõe os principais pontos que elabora um conceito de gênero, explicitados abaixo:

  • Cada esfera social constrói diferentes tipos de enunciados dependendo do contexto: os gêneros;
  • “Três elementos os caracterizam: conteúdo temático – estilo – construção composicional”;
  • “A escolha de um gênero se determina pela esfera, as necessidades da temática, o conjunto dos participantes e a vontade enunciativa ou intenção do locutor”.

A partir do exposto, infere-se que cada gênero textual, mesmo que não seja intencional, segue uma estruturação própria que o caracteriza. Assim, o gênero textual entrevista é caracterizado pela participação de dois ou mais participantes, que constroem seu discurso dependendo do tema a ser tratado, e repercutindo, de maneira positiva ou negativa, no público. Concordando com esta asserção, Pinto (2007) ainda afirma que na situação comunicativa, ou na própria entrevista, na qual os sujeitos estão engajados, eles atuam ligando diretamente o gênero produzido a essa situação. Então, pode-se afirmar que há uma adequação do gênero ao contexto da produção.

Todavia, estabelecido o que são gêneros textuais, torna-se necessário especificar sua função; a do gênero entrevista. Logo, percebe-se que esse gênero é construído a partir da perspectiva dos participantes, em relação ao tema sugerido pela grade do programa, e que, eles podem ser definidos de acordo com a função que desempenham.

Carvalho (2005) classifica-os de acordo com sua participação, mais precisamente em: participantes efetivos que estão em interação, especificamente expressos na relação entrevistador/entrevistado; e participantes observadores em casos de entrevistas que tem a presença de plateia. Tendo em vista estas definições, torna-se necessário ratificar que os papeis dos participantes não são fixos, podendo haver inversão na função desempenhada por cada um no desenrolar da interação.

Sendo assim, é notório afirma que a entrevista apresenta uma pluralidade de vozes, isto é, constitui-se pelos vários discursos dos participantes, e bem como, do público. Sendo assim, segundo Fávero & Andrade (1998, p. 154 – 155) apud Essenfelder (2005, p.6):

Em suas aplicações, a entrevista é uma técnica de interação social. Por meio dela, busca-se uma interpenetração informativa que visa a quebrar isolamentos sociais, grupais, individuais; pode ainda servir à pluralização de vozes e à distribuição democrática da informação. Em seus diversos usos nas Ciências Humanas, constitui sempre um meio cujo objetivo fundamental é o inter-relacionamento humano. Enquanto gênero jornalístico, a entrevista pode ser definida como uma técnica eficiente na obtenção de respostas pré-pautadas por um questionário.

Logo, no contexto escolar a produção desse gênero pode ser respaldada nas afirmações de Essenfelder (2007), na medida em que se busca quebrar com isolamentos, e também pluralizar o conhecimento de cada participante. É notório afirmar, que o gênero discursivo/textual entrevista ganha ampla aplicação, visto que sua função não se limita, apenas, à respostas de questionário elaborado com a finalidade de se tecer comentários a cerca de um tema.

A entrevista aparece como um instrumento de trabalho, tanto na linguagem escrita e oral dos gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos quanto a oralidade e escrita dos gêneros sugeridos para prática de produção de textos orais e escritos. (GOUVEIA, p. 1)

Portanto, o contexto em que se produz o gênero entrevista propicia o desenvolvimento sócio-cognitivo dos indivíduos, ou seja, o teor discursivo de entrevista pode contribuir significativamente para formação crítica dos indivíduos. Já que esse tipo de gênero é construído a partir dos ideais de cada participante a cerca de determinado tema.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARVALHO, Márcio Marconato de. A construção do discurso no gênero entrevista com convidados na internet. Revista Letra Magna: Revista Eletrônica de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura – Ano 02 – nº. 03 – 2º semestre de 2005. ISSN 1807-5193. Disponível em . Acesso em 15 de junho de 2010.

DUARTE, Vânia. Um gênero textual do cotidiano jornalístico. Disponível em . Acesso em 19 de junho de 2010.

ESSENFELDER, Renato. Marcas da presença da audiência em uma entrevista jornalística. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – ReVEL. v. 3. n. 4. Março de 2005. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br]. Acesso em 28 de abril de 2010.

FOULCAULT, Michel. A ordem do discurso. 15ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2007.

GOUVEIA, Adrieli. A análise do discurso dos gêneros jornalísticos: a entrevista e seu estudo no meio escolar. Monografia. Franca: Uni – FACEF. 2009. Disponível em . Acesso em 15 de junho de 2010.

PINTO, Cândida Martins. Gênero Entrevista: conceito e aplicação no ensino de português para estrangeiros. Revista da ABRALIN, v. 6, nº 1, p. 183-203, jan./jun. 2007.


Publicado por: Marcos Rosendo

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