Os acordos de unificação da Língua Portuguesa ao longo da história
Os acordos de unificação da Língua Portuguesa ao longo da história, Língua portuguesa, unificação ortográfica, acordos políticos e mudanças, A necessidade de padronização da língua escrita.O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
OS ACORDOS DE UNIFICAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA AO LONGO DA HISTÓRIA
Michele Rosa Nascimento*
RESUMO: A língua portuguesa possui duas ortografias oficiais e esse fato dificulta a sua divulgação, o seu aprendizado e sua inserção em eventos internacionais. Por estes motivos, a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), há mais de 15 anos, estuda a possibilidade de unificação do idioma. O maior problema, no entanto, é que vários projetos de reforma ortográfica já foram apresentados, mas nenhum deles foi implantado.
Palavras-chave: Língua portuguesa, unificação ortográfica, acordos políticos e mudanças.
Há mais de uma década, a possível reforma ortográfica da língua portuguesa tem sido alvo de comentários e especulações nos meios acadêmicos, em agências de notícias e em quase todos os ambientes sociais de nosso país. Mas, ao que tudo indica, essa história está longe de ter um fim.
A ortografia – do grego orto- (reto, direito, correto, normal) e –grafia (representação escrita de uma palavra) – é, de acordo com o dicionário Houaiss, “o conjunto de regras estabelecidas pela gramática normativa que ensina a grafia correta das palavras”. Observe que tal definição apresenta o termo “grafia correta”. No entanto, torna-se uma tarefa difícil e polêmica julgar o que é, ou não, correto na escrita portuguesa; uma vez que esta pode ser alterada ao longo do tempo, de acordo com as necessidades de evolução da língua. É curioso notar que muitas pessoas são criticadas ao cometerem os famosos “erros” ortográficos. Mas, segundo a doutora em Letras Elis de Almeida Cardoso, “as confusões ortográficas são totalmente compreensíveis, uma vez que nenhum sistema gráfico é perfeito – a escrita é uma tentativa de representação da fala e, por isso, ninguém conseguirá escrever exatamente como fala”.
A necessidade de padronização da língua escrita surgiu, justamente, a partir da dificuldade encontrada em registrar palavras baseando-se na fonética, pois, o modo de pronunciação varia de acordo com a cultura de cada povo. Devemos levar em consideração o fato de o Brasil ter herdado influências lingüísticas de países como a França, a Espanha, Portugal, entre outros. É por este motivo, principalmente, que a pronúncia das palavras no Rio Grande do Sul e na Bahia, por exemplo, é tão distinta.
Já no século XIX, Antonio de Moraes Silva, no prefácio de seu “Diccionario da Lingua Portugueza” (7ª edição, Lisboa, 1877), disse que a falta de uma ortografia fixa causava muitas oscilações e trazia, sem dúvida, muitos problemas ao dicionarista.
De acordo com Elis de Almeida Cardoso, a ortografia, no início do século XX, encontrava-se mergulhada num grande caos, pois, cada indivíduo escrevia do modo que mais lhe agradasse, ou seja, cada escritor utilizava sua própria ortografia.
No século XVI, com o Renascimento, os latinismos enriqueceram o léxico português e, assim, passaram a ser valorizadas formas gráficas com base no latim, idioma muito prestigiado naquela época.
Nesse momento, a escrita iniciou um período de retrocesso. A ortografia baseada na fonética era muito mais simples. Porém, o que se buscava para a língua portuguesa era um status de língua de cultura.
No século XVIII, Luiz António Verney, que era contra a escrita de base etimológica, publicou uma obra chamada “Verdadeiro Método de Estudar”, criticando o emprego de letras dobradas (quando não pronunciadas). Ele também achava que consoantes não pronunciadas deveriam ser abolidas. (Ex. acção, acto, adopção).
Em 1904, Gonçalves Viana, foneticista, filólogo e lexicólogo português, apresentou a “Ortografia Nacional – Uma Proposta de Simplificação Ortográfica”. O autor sabia que a aceitação de sua proposta, pelo público em geral, seria um grande desafio, pois, a valorização de aspectos da fala, afastando-se do latim, tornaria a língua mais popular; e isso não agradava aos doutos.
Contudo, Gonçalves Viana não desistiu de seu projeto e enfrentou as críticas afirmando que a ortografia etimológica “é uma superstição herdada, um erro científico, filho de um pedantismo que (...) assoberbou os deslumbrados adoradores da antiguidade clássica”. Para ele, o domínio da escrita não deveria ser privilégio de poucos, mas sim, abranger o maior número possível de pessoas.
As influências de Gonçalves Viana chegaram ao Brasil em 1907. Nesse ano, a Academia Brasileira de Letras (ABL) elaborou, a partir de uma proposta de Medeiros de Albuquerque, um projeto de reformulação ortográfica. Ao contrário de Portugal, que oficializou uma nova ortografia somente em 1911.
Entretanto, em 1919, por indicação do acadêmico Osório Duque Estrada, o Brasil revogou o projeto estabelecido em 1907. Sendo assim, não haveria reformas para a simplificação da língua portuguesa.
Em 1929, a Academia tentou resgatar o sistema ortográfico simplificado, mas não houve aceitação popular.
Em 30 de abril de 1931, Brasil e Portugal assinam um novo acordo. O Brasil adota o projeto português de 1911. No entanto, a instabilidade do sistema continuou. Depois de oficializado em 1933, o acordo de 1931 é derrubado pela Constituição Brasileira de 1934 que queria recuperar a ortografia da Constituição de 1891. Obviamente, tal decreto causou revolta geral, pois, a língua portuguesa estava regredindo no tempo.
A partir de 1938, com a volta do acordo de 31, iniciou-se um processo de uniformização da ortografia brasileira e portuguesa, que culminou no acordo de 1943. Com isso, os dois países assinaram a “convenção para a unidade, ilustração e defesa do idioma comum”.
Em 1971, durante o governo Médici, a ortografia estabelecida em acordo, no ano de 1943, sofreu pequenas alterações. Essa foi a última reforma e perdura até os dias atuais. Em Portugal, um decreto assinado em 1945 permanece em vigor.
Hoje, o português é falado por, aproximadamente, 240 milhões de pessoas em todo o mundo e apresenta duas ortografias oficiais (a do Brasil e a de Portugal). Esse fato dificulta a divulgação e a utilização do idioma em eventos internacionais e também o intercâmbio cultural entre os países lusófonos. Por estes motivos a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa têm negociado com os países membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) o acordo para a unificação do idioma.
No Brasil, todos os passos burocráticos para a ratificação do acordo já foram dados. Cabo Verde e São Tomé e Príncipe também assinaram o acordo. A adesão desses três países já é suficiente para que as alterações ortográficas ocorram, porém, autoridades portuguesas ainda demonstram resistência ao acordo.
Com a reforma pela qual a língua passará, muitas alterações serão realizadas. Em seu livro “A nova ortografia da língua portuguesa”, o filólogo e, também, principal negociador do acordo de unificação, Antônio Houaiss apresenta cerca de 40 mudanças que terão de ser incorporadas ou à ortografia brasileira ou à portuguesa.
As novas normas ortográficas farão com que os portugueses, por exemplo, deixem de escrever “húmido” para escrever “úmido”. Também desaparecerão o “c” e o “p” nas palavras onde não são pronunciados, como em “acção”, “baptismo”, “Egipto”.
Contudo, os brasileiros também terão que se acostumar com algumas mudanças “estranhas”. As paroxítonas terminadas em “o” duplo, por exemplo, não terão mais acento circumflexo. Ao invés de “abençôo”, “enjôo” ou “vôo”, o correto será “abençoo”, “enjoo” e “voo”.
Além disso, não se usará mais o acento circunflexo nas terceiras pessoas do plural do presente do indicativo ou do subjuntivo dos verbos crer, dar, ler, ver e seus decorrentes, ficando correta a grafia “creem”, “deem”, “leem” e “veem”.
O trema desaparecerá completamente. Com isso, será correto escrever “linguiça”, “sequência”, “frequência” e “quinquênio”, ao invés de lingüiça, seqüência, freqüência e qüinqüênio.
O alfabeto passará a ter 26 letras, com a incorporação do “k”, do “w” e do “y”.
Entre outras mudanças, também, serão abolidos os acentos agudos nos ditongos abertos “ei” e “oi” de palavrsa paroxítonas, como “assembléia”, “idéia”, “heróica” e “jibóia”.
A escrita padronizada para todos os falantes da língua portuguesa foi estimulada por Antônio Houaiss, falecido em março de 1999. Para ele, era imprescindível que todos os países lusófonos tivessem uma mesma ortografia. Em seu livro “Sugestões para uma política da língua”, Houaiss defendia a essência de embasamentos comuns na variedade do português falado no Brasil e em Portugal.
Entretanto, apesar de todos os esforços por parte da ABL e da Academia das Ciência de Lisboa, bem como de todos os outros adeptos do acordo de unificação da língua portuguesa, esse assunto necessita de uma melhor avaliação e estudo.
O início do acordo ortográfico entre a CPLP estava marcado para 2008, porém, de acordo com Arnaldo Niskier, membro da ABL, “(...) o fato não é verdadeiro. Houve um recuo tático, sobretudo do Brasil e de Portugal. O MEC adiou o emprego das mudanças nos livros didáticos (mais de 120 milhões de exemplares) a serem distribuídos no início do ano letivo de 2008, e a única certeza, hoje, é a de que ninguém sabe quando o assunto voltará oficialmente à tona”.
Depois de tantos acordos e desacordos, ao longo da história, parece difícil imaginar que a unificação da língua portuguesa seja realmente aprovada e executada.
Se, por um lado, o Brasil aceita o acordo, por outro, os editores estão preocupados com os gastos que a reedição de livros clássicos poderá acarretar. Sérgio Machado, presidente do Grupo Record, vê desvantagem na mudança, pois, segundo ele, isso “vai implicar custos para adaptar textos clássicos à nova grafia e não resultará em ganhos, pois, a exportação é parte ínfima do nosso negócio”.
Já na Europa, o problema é outro. Portugal não quer abrir mão de sua ortografia e, de certa forma, teme que ocorra um certo “abrasileiramento” predominante. Segundo Arnaldo Niskier, em seu artigo: O desacordo ortográfico, “autoridades portuguesas desistiram de colocar o combinado em execução formal. Surgiram comentários do tipo “estamos sendo vítimas dos neocolonizadores””.
Observando todas as considerações apresentadas até aqui, podemos concluir que a melhor solução para o acordo de unificação da língua portuguesa só será encontrada a partir do momento em que os benefícios do acordo, em prol da universalização da língua e dos países que a adotaram como idioma oficial, estiverem acima dos interesses políticos particulares de nações mais favorecidas.
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*Acadêmica do 4º semestre do curso de Letras da UNIDERP Interativa – Pólo São Francisco do Sul – SC. E-mail: michele.letras@gmail.com
Referências
CARDOSO, Elis de Almeida. Orthographia virou ortografia - Um panorama da evolução do registro escrito da língua portuguesa. http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11184 Acesso em: 17 de nov., 2007.
NISKIER, Arnaldo. O DESACORDO ORTOGRÁFICO.
http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=310ASP008
Acesso em: 02 de dez., 2007.
PARAGUASSÚ, Lisandra. Um novo português mais próximo. http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=310ASP008 Acesso em: 02 de nov., 2007.
SILVA, Beatriz Coelho. "Filólogo é a favor da unificação da língua portuguesa, mas editores não". http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=310ASP008 Acesso em: 02 de nov., 2007.
Publicado por: Michele Rosa Nascimento
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