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AS DIFICULDADES NO APRENDIZADO DE LÍNGUA PORTUGUESA POR SURDOS NO CURSO DE LETRAS: LIBRAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

Pesquisa sobre as dificuldades dos alunos surdos em aprenderem o português dentro da universidade

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Meu Artigo. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

Resumo

Esta pesquisa buscou descobrir quais as dificuldades que os Surdos têm em aprender o português como segunda língua (L2) dentro da Universidade Federal de Goiás (UFG), baseada em teorias a respeito de aquisição da linguagem, metodologia de ensino de português como L2 e discussões sobre as dificuldades no aprendizado de segunda língua. Empregou-se a metodologia de pesquisa qualitativa, em que foram realizadas entrevistas e aplicou-se um questionário com seis alunos Surdos, formandos do curso de Letras: Libras na UFG. Os resultados mostraram que: (1) os alunos chegaram à universidade sem conhecer os gêneros acadêmicos e com dificuldades na leitura e na escrita; (2) apesar de a metodologia utilizada pela UFG ainda não estar em um patamar ideal, segundo os participantes da pesquisa, já é muito diferente da realidade das escolas. Desta forma, este trabalho contribui para expor a realidade do aluno Surdo na universidade, bem como sugerir mudanças para melhorar o processo de ensino/aprendizagem do português como L2.

Palavras-chave: Dificuldades. Escrita. Língua Portuguesa. Segunda Língua. Surdo.

INTRODUÇÃO

Através da interação com colegas Surdos durante a graduação, percebeu-se a dificuldade e até resistência que eles têm com o português, tanto para escrita quanto para a leitura de textos acadêmicos. No decorrer do curso de Letras: Libras, os alunos Surdos recorrem à ajuda de ouvintes e dos professores para conseguirem desenvolver as atividades propostas que exigem conhecimento em Língua Portuguesa.

Diante disso, levantou-se a hipótese de que os Surdos têm dificuldades em aprender o português como segunda língua (L2) porque a metodologia utilizada é pouco atraente. Desse modo, os objetivos desta pesquisa foram investigar as causas dessas dificuldades, conhecer o perfil dos alunos Surdos universitários, e buscar melhorias no processo de aprendizagem de L2.

Como embasamento teórico, apresentam-se estudos acerca: (1) do processo de aquisição de linguagem por surdos; e (2) português como segunda língua para surdos: metodologias e dificuldades. A partir de uma abordagem qualitativa, foram realizadas entrevistas e aplicado um questionário com seis alunos Surdos, formandos do curso de Letras: Libras da UFG. Os principais resultados e reflexões destas coletas são apresentados neste trabalho.

Assim sendo, apresentam-se a seguir as teorias a respeito de aquisição da linguagem por surdos, com foco na metodologia de ensino de português como L2 e as dificuldades de aprendizagem decorrentes deste processo de aprendizagem.

AQUISIÇÃO DE LINGUAGEM POR SURDOS

Sobre os processos de aquisição de L1 e L2, segundo Pereira (2009), a criança, seja ela surda ou ouvinte, aprende naturalmente a L1 através do seu meio social e a utiliza em casa e em sua comunidade. A L2 é aquela que se aprende após a aquisição da primeira língua, sob a necessidade de comunicação no processo de socialização.

No que diz respeito ao processo de aquisição da linguagem por surdos, Quadros (1997) afirma que, numa proposta bilíngue, a Libras deve ser a L1 da criança Surda brasileira e o português deve ser sua L2. Esta afirmação está relacionada com a condição física da criança: a surdez. É possível que a criança Surda seja oralizada[1], porém é um processo sistematizado e formal. A autora ainda ressalta que conhecer o processo de aquisição de uma segunda língua é primordial para qualquer profissional que trabalhe com o ensino de português para surdos.

Neste ínterim, Quadros (1997) considera que o processo de aquisição das línguas de sinais é semelhante ao processo de aquisição das línguas orais, e elenca os estágios de aquisição, que são: período pré-linguístico, estágio de uma palavra, estágio das primeiras combinações e estágio das múltiplas combinações.

O período pré-linguístico é marcado pelo balbucio, que é observado tanto em bebês Surdos quanto em bebês ouvintes, fruto da capacidade inata de aquisição da linguagem. Quadros (1997) ressalta que as vocalizações são interrompidas nos bebês Surdos assim como as produções manuais nos bebês ouvintes, pois o input[2] favorece o desenvolvimento de um dos modos de balbuciar.

O estágio de um sinal, conforme explicita a pesquisadora, inicia-se por volta dos 12 meses da criança Surda até por volta dos dois anos. Com menos de um ano, a criança Surda, assim como a criança ouvinte, aponta frequentemente para indicar objetos e pessoas. Quando a criança entra no estágio de um sinal, o uso da apontação desaparece.

O estágio das primeiras combinações surge por volta dos dois anos nas crianças surdas, e envolve de dois a três sinais. Quadros (1997), à luz dos estudos de Fischer (1973) e Hoffmeister (1978), ainda observou que a ordem usada pelas crianças surdas nesse estágio é sujeito-verbo (SV) e verbo-objeto (VO) e, posteriormente, sujeito-verbo-objeto (SVO).

A autora explica que o estágio de múltiplas combinações ocorre em torno dos dois anos e meio a três anos. É a chamada “explosão de vocabulário”. Nessa fase, a criança começa a desenvolver o domínio da morfologia da língua, que só o atingirá por completo por volta dos 5 anos de idade.

Desse modo, os estágios acima descritos pela autora demonstram como acontece o processo de aquisição da L1 na criança Surda filha de pais surdos. Pode-se observar que pouco se difere no que tange à condição física da criança, pois, em alguns estágios, a criança ouvinte e a criança Surda passam pelos mesmos processos.

No intuito de demonstrar o processo de aquisição de L1 e de L2 de Libras, Santos & Carvalho (2016) desenvolveram um estudo de caso de uma mãe ouvinte e de sua filha Surda, no qual se observou a relação entre as duas, bem como a aquisição da Libras como L1 da menina surda, e da Libras como L2 da mãe ouvinte. As autoras afirmam que é fundamental para o desenvolvimento da identidade a escolha da modalidade de comunicação do sujeito surdo. Ressaltam ainda que negar a habilidade de aquisição visuoespacial, e escolher a modalidade oral pode prejudicar no desenvolvimento da aquisição da linguagem, afetando o futuro da criança surda. É primordial, nesses casos, o apoio familiar.

As pesquisadoras explicam que é de suma importância que a criança Surda utilize a sua língua não só dentro do lar, mas fora dele também, com todas as pessoas com quem convive. A família é a referência para que ela se sinta bem e capaz de se comunicar.

Santos & Carvalho (2016) apontam que o estímulo da língua de sinais é um diferencial na vida da criança surda, pois as informações chegam até a criança sem o estranhamento que as palavras inaudíveis trazem. As autoras constataram também que, no estudo de caso, por causa do acesso tardio da criança à língua de sinais, ela apresentava dificuldades para se comunicar.

No que se refere ao processo de aquisição de uma segunda língua, Quadros (1997) elenca 3 formas deste processo: aquisição simultânea de L1 e L2, aquisição espontânea da L2 não simultânea e aprendizagem da L2 de forma sistemática. A aquisição simultânea de L1 e L2 acontece com crianças que são filhas de pais que usam duas línguas diferentes ou usam uma língua diferente da língua usada no meio social. A segunda forma de aquisição de L2 ocorre quando pessoas passam a morar em outro país onde é usada outra língua. Já a aquisição de L2 de forma sistemática, conforme explica a pesquisadora, é a situação de escolas onde o aprendizado acontece em um ambiente artificial e de forma sistemática, através de metodologias de ensino.

Por outro lado, as duas primeiras formas de aquisição da L2, segundo a autora, não são possíveis de serem aplicadas às crianças Surdas, e o motivo desta impossibilidade é a condição física da pessoa Surda. No caso de crianças ouvintes filhas de pais Surdos, podem ser aplicadas sem problemas, pois a criança pode adquirir tanto a língua de sinais quanto a língua falada. A criança surda e filha de pais Surdos só se enquadra nestas duas primeiras formas se considerar o aprendizado de duas línguas de sinais diferentes.

Quadros (1997) cita o estudo de Collier (1989), que constatou que o processo de aquisição da primeira língua é concluído na puberdade, e que antes deste período não é conveniente a instrução de uma segunda língua para a criança. A autora aponta que os adolescentes apresentam um desenvolvimento mais rápido nas habilidades comunicativas interpessoais. Averiguou também que os estudantes que fazem parte da minoria linguística levaram cerca de 7 a 10 anos para conseguirem aprender a L2 quando não são ensinados em sua língua nativa. Ainda utilizando a pesquisa de Collier (1989) como base, Quadros explicita que, para que haja sucesso na aquisição de L2, o desenvolvimento cognitivo é mais importante do que o número de horas de instrução na L2.

Nesse sentido, conforme os estudos de Goldfeld (1997) e Quadros (1997), pode-se afirmar que a proposta bilíngue é ideal para o desenvolvimento cognitivo da criança Surda, e que o Surdo, sendo bilíngue, não precisa se assemelhar ao ouvinte, pois pode aceitar e assumir a surdez.

Por conseguinte, Quadros (1997) relata que, quanto mais línguas forem adquiridas por uma pessoa, mais esquemas automáticos de produção que foram adquiridos com a L1 são fixados pelas crianças. A educação sistemática abrange uma situação diferente do processo de aquisição de L1, pois quando ela não acontece, traz danos incorrigíveis à organização psicossocial do indivíduo. Tal situação não ocorre no processo de aquisição de L2, pois o indivíduo já domina o mecanismo da linguagem. A autora frisa que, no caso de crianças Surdas, a Libras como L1 garante o desenvolvimento da linguagem e do pensamento, enquanto a L2 é necessária para as crianças fazerem valer seus direitos diante da sociedade ouvinte, visto que a Língua Portuguesa é também uma língua oficial do país.

PORTUGUÊS COMO SEGUNDA LÍNGUA PARA SURDOS: METODOLOGIAS E DIFICULDADES

Em um estudo sobre o processo de aquisição de L2, Avelar e Freitas (2016) afirmam que o aprendizado de língua portuguesa por Surdos é mais eficiente quando a pessoa já usa a língua de sinais como L1, e que o conhecimento sobre a língua e a cultura surda é indispensável para o profissional que acompanha alunos Surdos.

Nesse raciocínio, Quadros e Schmiedt (2006) declaram que, para ensinar português para Surdos, é imprescindível que seja adquirida a língua de sinais. Isso possibilita fazer um paralelo de aquisição e aprendizagem em que cada língua apresenta seus papeis e valores sociais. As autoras relatam ainda que a realidade do nosso país é que se ensina o português antes de a criança adquirir a Libras, e frisam que é preciso assegurar a aquisição natural da Libras para realizar um trabalho sistemático com a L2. A necessidade deste processo evidencia que o português é, por excelência, uma segunda língua para a pessoa surda.

Em síntese, para que o processo de aquisição de L2 aconteça de maneira satisfatória, é necessário que a L1 já esteja adquirida completamente, do contrário, este processo poderá ser comprometido. É essencial que o Surdo aprenda a Língua Portuguesa, pois esta, assim como a Libras, é a língua oficial do Brasil. Desta forma, o Surdo irá adquirir autonomia para a convivência em sociedade.

Para ensinar o português como L2 para Surdos, é necessária uma metodologia diferenciada, conforme sugerem Quadros e Schmiedt (2006). O objetivo do aprendizado da L2 é chegar na leitura e na escrita e, para isso, as atividades devem ser contextualizadas. Primeiramente, o professor deve incitar, através da L1, interesse dos alunos pelo tema através de estímulos visuais ou dinâmicas, facilitando a compreensão do texto. As autoras ainda frisam que o texto deve ser interessante para a faixa etária do aluno, e no caso de crianças no Ensino Fundamental, o ideal é trabalhar com contos e histórias infantis.

A partir do momento em que o aluno Surdo começa a ler e compreender textos, ele começa a produzi-los, afirmam Quadros e Schmiedt (2006). Eles podem utilizar as experiências produzidas em sala de aula, bem como as experiências de vida da própria criança. É essencial que a criança Surda consiga expor seu pensamento, defendem as autoras. Portanto, num primeiro momento não é necessário preocupar-se com a estrutura da escrita, isso se dará no futuro, quando ela estiver mais segura de suas habilidades. As autoras ainda afirmam que esses momentos iniciais não podem ser frustrantes, pelo contrário, devem ser atraentes e desafiadoras para que a produção seja valorizada e que a criança sinta vontade de escrever seus pensamentos e o quão importantes eles são e podem ser registrados.

No que tange à metodologia de ensino de português como L2, Almeida, Santos e Lacerda (2015) consideram também que é um direito do aluno surdo aprender o português, e essa língua deve ser ensinada através da língua de sinais.

O processo de significação para o Surdo muitas vezes se dá através das imagens que os rodeiam. Desta forma, os pesquisadores afirmam que é necessário desenvolver métodos visuais para ensino de L2, como gráficos, imagens e figuras presentes no cotidiano do aprendiz, além de expressões faciais e corporais, e inserir os conceitos das imagens dentro do contexto em que o aluno está sendo ensinado.

Salles et al. (2004) também tratam da metodologia do ensino de português como L2 e elencam formas de ensino que facilitarão o aprendizado do aluno Surdo. Uma delas é a escolha de um texto autêntico. Esse texto deve fazer parte da experiência de vida do aprendiz e ele deve conter imagens ou ilustrações. As autoras afirmam que estas características estão relacionadas à concepção interacionista de ensino, a qual, segundo elas, é a mais adequada nesta situação, pois o professor pode utilizar da L1 para conduzir o ensino de L2. Entretanto, acredita-se que, se o aluno fica exposto o tempo todo à sua L1, poderá ter dificuldades em compreender a estrutura e a organização da L2.

Uma outra ferramenta eficaz para ensinar português para Surdos citada pelas autoras é utilizar a internet como meio de busca de textos, assim o próprio aluno pode assumir um papel mais ativo no processo, entrar em bate-papo, em que ele deverá utilizar o português escrito e interagir entre os colegas. Salles et al. ponderam ainda que não se pode considerar um material didático que contemple a língua como entidade inerte, precisa-se de um material que apresente a língua escrita em diferentes situações comunicativas.

Desse modo, tem-se como método eficaz para ensino de L2 a utilização de imagens e textos dentro do contexto de experiência de vida dos aprendizes, bem como a utilização da internet como recurso que possibilita a busca desses materiais. É imprescindível o ensino bilíngue e também a interação entre professor e aluno, e do próprio aluno com os outros colegas.

No que diz respeito às dificuldades encontradas pelos surdos no aprendizado do português, Avelar e Freitas (2016) realizaram um estudo de caso com alunos Surdos do Ensino Médio. Elas constataram que, com a presença de intérpretes, os alunos se acostumam a procurá-los, ao invés de procurarem o professor. Para elas, isso é prejudicial no processo de aprendizagem.

Nesta mesma pesquisa, as autoras constataram que o professor utilizava a mesma metodologia tanto para alunos Surdos quanto para alunos ouvintes. Na visão delas, tal metodologia é inadequada, já que o português é a L1 do ouvinte e a L2 do Surdo. Para as autoras, o professor sem fluência na Libras faz com que o processo de aprendizagem do aluno seja comprometido. Desta forma, é primordial que a Libras seja utilizada nas aulas de português, que o professor contextualize as atividades para que o Surdo não se sinta deslocado e aprenda com mais facilidade o português como L2.

Com base nos estudos de Fernandes (2009), atribuem-se as dificuldades no aprendizado do português por Surdos às experiências não significativas com o português, e também ao fato do ensino da segunda língua ser realizado por meio do português em sua modalidade oral, que não é a ideal. O ensino deve ser através da metodologia bilíngue, em que o professor utiliza a Libras como uma ponte para ensinar o português.

A autora constatou que há muita interferência da Libras em produções escritas dos Surdos, principalmente em aspectos morfossintáticos. No caso das três pessoas no singular e no plural, estas podem aparecer implícitas no enunciado, e no caso dos verbos direcionais, o sujeito e o objeto são marcados nos pontos inicial e final do movimento. Fernandes (2009) explica que a pessoa do discurso pode se apresentar através dos pronomes, da flexão verbal ou não ser explicitada por nenhuma expressão linguística. A seguir, há exemplos mostrados pela autora:

  1. Pronome

Ele muito tem bebê o AIDS

Nós amigos tem não AIDS

  1. Flexão verbal

Curitiba. Boa passear # vi

O menino # vi televisão camiseta do Brasil

  1. Implícita

Rua XV de novembro, andar (eu)

Ano 1991 tetra é ano 1998 penta? (O Brasil/Ele)

Fernandes (2009, p. 69)

A autora destaca que o sujeito e o objeto podem aparecer não explícitos no enunciado, e nos casos dos verbos direcionais, o sujeito e o objeto são sempre marcados nos pontos inicial e final do movimento que os caracteriza. No exemplo (1) acima, vê-se primeiramente o pronome evidenciado logo no início e o objeto no fim da frase, e a ocorrência do pronome e do nome na mesma construção. No exemplo (2), observa-se a construção da frase no modo OVS (objeto-verbo-sujeito), em que se nota a pessoa do discurso marcada pela flexão verbal “vi”. Por fim, o exemplo (3) mostra que o pronome está implícito na frase, deste modo não é possível decifrar quem é a pessoa do discurso.

Fernandes ressalta, através dos exemplos abaixo, o acompanhamento do nome junto com o pronome, que, segundo ela, é uma estratégia de reprodução do modelo escolar que prioriza essas construções:

  1. Eu André 1976 fui escola de ouvintes
  2. Eu André 1986 fui Cresa escola de de surdos

Fernandes (2009, p. 69)

Nesses exemplos (4) e (5), o problema encontrado nas construções é que o pronome da primeira pessoa do singular vem juntamente com o substantivo, o que a autora chama de hipercorreção, isto é, na tentativa de ser correto, corrige-se demais.

Fernandes também cita que artigos, preposições, conjunções e pronomes relativos não aparecem nos textos adequadamente, porque são inexistentes na Libras, conforme ela exemplifica nos exemplos reproduzidos a seguir:

  1. A avião viajar o frança Brasil
  2. Eu viu o televisão

Fernandes (2009, p. 70)

Nas frases dos exemplos (6) e (7), vê-se a inserção de artigos definidos antes dos substantivos, que a autora atribui às metodologias de oralização que costumam apresentar uma palavra sem o apoio do artigo definido.

No que diz respeito à organização sintática, a pesquisadora afirma que a predominância é OSV (objeto, sujeito e verbo), contudo, podem ocorrer diferenças dependendo da relação semântica:

OSV

  1. Curitiba. boa passear vi

OVS

  1. O futebol joga Barisl

SVO

(10) Eu viu muito rio

Fernandes (2009, p. 74)

Estas três construções (8, 9 e 10) evidenciam uma inconstância na estrutura da construção de frases, isto é, há variações na estrutura, ora é OSV, ora é OVS. Contudo, a ordem mais frequente é OSV.

A negação também ocorre de três formas, segundo Fernandes (2009): pelo uso do léxico isolado (NÃO); do lexema verbal e da negação realizada com o balanceamento da cabeça para os lados (NÃO-CONHECER, NÃO-COMER); e a produção do item lexical distinto da forma afirmativa (SABER-NÃO, QUERER-NÃO).

Nos exemplos (10) e (11), nota-se a presença da negação juntamente com o verbo, que é característica da estrutura da Libras. Na Libras, frases negativas são formadas pelo verbo acompanhado da expressão facial e o movimento da cabeça para os lados. No caso dos exemplos (10) e (11), essa estrutura é reproduzida para o português escrito.

  1. Eu quero não gosto sexo

  2. Eu sabe namorado conversar precisa sengue médico conhece não aids

Fernandes (2009, p. 75)

De maneira geral, observa-se que os Surdos reproduzem no português a estrutura da Libras, que juntada à metodologia utilizada em sala, resulta nas construções textuais citadas.

Fernandes ressalta que os “erros” que os Surdos cometem ao escrever o português devem ser considerados consequências da aprendizagem da L2, isto é, resultado da interferência da L1 e a justaposição de regras da língua que ele está aprendendo. Fernandes afirma que os métodos tradicionais de ensino do português permitiram que os Surdos não tivessem acesso a práticas linguísticas significativas que o ajudassem a conceber um sentido no aprendizado da língua, e isso foi justificado como condição inerente da deficiência auditiva.

Desta forma, através dos estudos de Avelar e Freitas (2016) e Fernandes (2009), pode-se afirmar que as dificuldades encontradas pelos Surdos em aprender o português provém de uma metodologia que não é adequada, porque o aluno não é ensinado considerando a existência da Libras como L1. O professor acaba utilizando o próprio português para ensiná-lo, sem considerar a perspectiva bilíngue.

METODOLOGIA

A presente pesquisa utiliza a abordagem qualitativa para análise de dados. De acordo com Mendonça et al. (2013), a pesquisa qualitativa tem como objetivo compreender a natureza de um fenômeno social e as particularidades dos comportamentos anômalos. Os autores ressaltam que este método busca explicar as variáveis que são apresentadas em pesquisas quantitativas, e se dá pela investigação e descrição de fenômenos em seu ambiente natural, em que o pesquisador é peça fundamental.

A pesquisa qualitativa, segundo Silveira e Córdova (2009), busca um aprofundamento da compreensão de um determinado grupo social. Pesquisadores qualitativos, como apontam as autoras, procuram explicar o porquê das coisas, e exprimem o que convém ser feito.

Desta forma, utilizou-se a abordagem qualitativa por meio de uma pesquisa de campo na UFG. O público alvo foram seis alunos Surdos, formandos do curso de Letras: Libras, cujo perfil é destacado no Quadro 1 a seguir. Obtiveram-se estes dados aplicando-se um questionário individual através da ferramenta “Google forms”, com aspectos pessoais e linguísticos, que os alunos responderam através do computador ou do celular, e as respostas foram enviadas diretamente para o e-mail da pesquisadora.

Quadro 1 – Perfil dos alunos

Nomes

Sexo

Grau de surdez

Quando ficou surdo

Pedro

Masculino

Profundo

Nasceu surdo

Sara

Feminino

Profundo

1 ano e 3 meses

Tiago

Masculino

Profundo

Nasceu surdo

João

Masculino

Profundo

Nasceu surdo

Miriã

Feminino

Profundo

Nasceu surda

Débora

Feminino

Profundo

Nasceu surda

Fonte: a pesquisadora

Conforme mostra o quadro acima, há seis alunos Surdos em grau profundo, sendo três do sexo feminino e três do sexo masculino, que, com exceção de Sara[3], nasceram Surdos.

Posteriormente, foram feitas quatro perguntas à respeito da metodologia de ensino de português como L2 no curso de Letras: Libras, bem como pontos que os professores poderiam melhorar. As perguntas foram as seguintes: Quais dificuldades você encontrou ao ingressar na universidade e começar a produzir trabalhos escritos, como por exemplo: resumos, fichamento, resenhas, artigos? O que você acha da metodologia do ensino de português aqui na UFG? Você percebeu diferença entre a metodologia do ensino de português aqui na UFG para a metodologia utilizada na escola (Educação Básica)? O que você sugere para melhorar o ensino de português para Surdos aqui na UFG?

Tanto as perguntas como as respostas foram feitas em Libras. A filmagem foi realizada nas dependências da Faculdade de Letras da UFG, na sala 114, e também na área comum do primeiro andar do prédio Bernardo Élis. A filmagem foi feita com o auxílio dos próprios alunos Surdos participantes da pesquisa, por meio do celular da pesquisadora.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Apresentamos, nesta seção, os resultados obtidos com o questionário e as entrevistas realizadas junto aos participantes desta pesquisa. 

Quando questionados sobre as dificuldades que sentiram ao ingressar na universidade e começarem a produzir trabalhos escritos, os participantes opinaram da seguinte forma:

Pedro: senti dificuldades quando cheguei na universidade, porque os professores precisam adaptar as atividades e estimular melhor os Surdos.

Miriã: eu tive mais dificuldade em ler artigo, é mais difícil. Para escrever, preciso conhecer as palavras, os sinais e os detalhes.

Tiago: quando cheguei no primeiro período, fiquei confuso em ler textos. Para escrever, tive dificuldades, porque não conheço alguns sinais.

Sara: Acho que escrever artigos e resenhas é mais difícil, mas com ajuda do professor eu consegui. Fichamento é mais fácil.

João: tive dificuldades, porque muitas palavras eu não conhecia o sinal. Precisei ler muito e também pedir ajuda ao professor.

Débora: Achei difícil principalmente a disciplina de literatura. Precisei da ajuda do professor e também precisei me esforçar e praticar muito.

Nota-se que os entrevistados tiveram dificuldades desde o início do curso. Primeiro no quesito leitura, por não conhecerem alguns termos em português, bem como seus significados. Eles fazem uma comparação do texto e tentam atribuir um sinal à palavra escrita, o que pode ser consequência de um ensino descontextualizado, em que se ensina sinal/palavra. Em segundo, no quesito escrita, percebe-se que estes alunos não tinham conhecimento prévio de escrita de textos acadêmicos, como resenhas, artigos e resumos.

Com base nestas respostas e no trabalho de Fernandes (2009), que explica que as dificuldades no aprendizado do português se devem às experiências não significativas com a língua, é possível que o ensino de português na escola de Ensino Básico tenha sido deficitário no que diz respeito ao ensino de português como L2, e isso afetou o processo de aprendizagem também na universidade.

Em seguida, perguntou-se a respeito da metodologia de ensino de português para Surdos na UFG, e obtiveram-se as seguintes respostas:

Pedro: tem pontos negativos sim, porque nós alunos Surdos chegamos aqui na UFG e o português não está claro. O professor precisa entender que o português é a L2 do Surdo, adaptar frases e contextualizar com imagens.

Miriã: minha opinião é que falta adaptar a metodologia, ajudar com as palavras e conhecer os sinais.

Tiago: falta metodologia, não tem adaptação para o Surdo. Parece que ensinam o português como primeira língua, não tem L2.

Sara: Não lembro certo. Sei que o professor aqui da UFG tem metodologia, mas não é a correta.

João: Acho que o professor precisa ser mais flexível na metodologia, adaptar atividades.

Débora: Acho importante porque dentro da disciplina do português precisa praticar dentro de sala de aula, mas o tempo é pouco.

Percebe-se a necessidade de adaptação de atividades e contextualização do ensino de português como L2, assim como tratam Quadros e Schimiedt (2006) e Avelar e Freitas (2016). É de suma importância utilizar estímulos visuais, dinâmicas e experiências de vida do aluno para que o processo de ensino e aprendizagem ocorra de forma eficaz, evitando que o Surdo se sinta deslocado.

O professor de segunda língua deve pensar em métodos que estimulem o aluno Surdo a aprender o português, e dentro da perspectiva bilíngue, utilizar ferramentas como internet, que faz com que o aluno assuma uma função mais ativa no processo. (SALLES et al. 2004).

Na terceira pergunta, abordou-se sobre o ponto de vista dos participantes a respeito da metodologia da escola e a metodologia aqui da UFG. Eis as respostas:

Pedro: na escola, o professor não tem uma metodologia própria de inclusão, não tem o foco no Surdo, mas aqui na UFG os professores sabem, mas não adaptam as atividades. Aqui os professores se preocupam mais com os Surdos.

Miriã: na escola ensinam palavras básicas, leitura e prática do português, mas aqui na UFG é um nível superior, mais pesado. Tanto na escola quanto na faculdade é importante para aprender e interagir.

Tiago: a metodologia da escola é perfeita, mas aqui na UFG a metodologia parece própria para ouvintes, não tem adaptação.

Sara: na escola, não tem metodologia e didática pra Surdos, mas aqui na UFG encontrei professor que tem metodologia focada para Surdos.

João: na escola, a metodologia era ruim, porque o foco era português para ouvintes e aqui na UFG as atividades tem foco no Surdo.

Débora: Aqui na UFG o português é mais aprofundado. Na escola, o professor tem um ensino ruim para Surdos, porque o foco é o ouvinte.

As respostas indicam que o ensino de português em algumas escolas da Educação Básica acontece de forma inadequada, com exceção de Tiago, que cita que a metodologia de sua escola é perfeita. O português é a L1 dos ouvintes, desta forma, não se pode ensinar da mesma forma para os Surdos, uma vez que a Libras é a sua L1. (FERNANDES, 2009).

Embora a metodologia da UFG ainda não esteja em um patamar ideal, segundo os alunos, há uma preocupação maior em utilizar uma metodologia focada no Surdo. Tal metodologia se difere da utilizada nas escolas, em que há um despreparo em atender as demandas dos alunos Surdos, favorecendo sempre os ouvintes.

A seguir, questionou-se como melhorar o ensino de português para Surdos na UFG. As opiniões foram as seguintes:

Pedro: minha opinião é bem simples, os professores precisam reunir, conversar e adaptar a metodologia própria para Surdos. Faltam dinâmicas e atividades adaptadas.

Miriã: o problema sério aqui da UFG é a disciplina de ELiS. Precisa tirar essa disciplina e substituir pelo português, porque o tempo é pouco para aprender.

Tiago: Aqui na UFG, a metodologia é ruim. Precisa adaptar melhor as atividades, com imagens e relacionar com as palavras.

Sara: Aqui na UFG falta didática. O professor não usa didática. É preciso usar menos teoria, porque a prática é melhor.

João: os professores precisam adaptar as atividades. Precisa ter imagens e contexto.

Débora: na minha opinião, precisa ter um monitor de português para Surdos.

Os alunos apontam aspectos importantes de melhoria no ensino de português como L2. Destaca-se a proposta de Miriã, que sugere retirar da grade curricular do curso Letras: Libras da UFG a disciplina Escrita das Línguas de Sinais (ELiS) e substituir por Português, pois ela considera a carga horária insuficiente para o aprendizado. A disciplina de ELiS é importante para o desenvolvimento da Libras, contudo, pode-se afirmar que se faz necessária a reformulação da grade curricular do curso e aumentar a carga horária de Português. Atualmente, há três disciplinas de ELiS e duas de português na grade do curso de Letras: Libras da UFG. Sugere-se que as disciplinas de ELiS sejam diluídas nas aulas de Libras e que nestas disciplinas também ocorra a separação de turmas, ou seja, uma turma para Surdos, que têm a Libras como L1, e outra turma para ouvintes, que tem a Libras como L2, possibilitando assim a expansão da carga horária de português para atender à demanda dos Surdos.

Os entrevistados alegam que falta adaptação, contextualização e dinâmicas de atividades de português. Desta forma, acredita-se que é preciso produzir um material didático próprio para os alunos Surdos, que contemple a prática de leitura e produções textuais acadêmicas, através de estímulos visuais e dinâmicos. (QUADROS E SCHMIEDT, 2006).

Por conseguinte, Débora sugere o cargo de monitor de português para Surdos, embora já exista este cargo. Acredita-se que poderia ser melhor divulgada a disponibilidade do monitor. A monitoria é primordial para trabalhar em conjunto com o professor da disciplina, e auxiliar os alunos no desenvolvimento da leitura e da escrita do português.

Os participantes da pesquisa fizeram considerações importantes acerca do ensino de português como L2 na UFG. Percebe-se que a metodologia é melhor do que a utilizada nas escolas de Ensino Básico, entretanto, é necessário melhorar para atender às necessidades do aluno Surdo que quer se tornar professor e proficiente na escrita do português.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inicialmente, este artigo propôs a apresentação dos conceitos de primeira língua e segunda língua, bem como os processos de aquisição da linguagem, à luz dos estudos de Pereira (2009), Quadros (1997), Santos e Carvalho (2016), Goldfeld (1997), dentre outros autores. Buscou-se embasamento sobre o ensino de português como L2, em Avelar e Freitas (2016), que ressaltam a importância deste processo acontecer após a aquisição da Libras como L1. Quadros e Schmiedt (2006), Almeida, Santos e Lacerda (2015) e Salles et al. (2004) trataram da metodologia mais adequada ao ensino de português para Surdos, em que apontaram ser necessário utilizar imagens, contextualizar com a experiência de vida dos alunos, dentro de uma perspectiva bilíngue.

O foco desta pesquisa foram as dificuldades no aprendizado de português por Surdos. Para isso, buscou-se embasamento nos estudos de Avelar e Freitas (2016) e Fernandes (2009), que constataram que a maior dificuldade vem de experiências ruins com a língua, em escolas que utilizaram uma metodologia inadequada para ensiná-lo.

Através de uma pesquisa qualitativa, obteve-se um panorama do ensino de língua portuguesa para Surdos no curso de Letras: Libras da UFG, em que os alunos formandos puderam emitir suas opiniões. Constatou-se que o ensino de português como L2 nesta universidade tem uma metodologia diferenciada da metodologia das escolas de Educação Básica, embora há pontos que carecem de melhorias.

Propõe-se a melhor divulgação dos horários do monitor de português para Surdos, para que os alunos tenham o apoio necessário durante o curso. Sugere-se também a criação de um material didático de português como L2. Este material auxiliará os alunos no aprendizado da língua, no exercício da leitura e da escrita, melhorando a fixação dos conteúdos ensinados em sala de aula.

É importante ressaltar que, conforme os resultados da pesquisa, a maioria dos Surdos vieram de uma Educação Básica ineficiente no que se refere ao português. Segundo os entrevistados, as escolas inclusivas não adotam uma metodologia própria para Surdos, sendo ela voltada para o ouvinte, que tem o português como L1. É necessário que haja uma mudança da metodologia desde a Educação Básica até a universidade, para que o aluno não chegue na graduação com tantas dificuldades na aprendizagem.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, D. L.; SANTOS, G. F. D.; LACERDA, C. B. F. O ensino do português como segunda língua para surdos: estratégias didáticas. Revista Reflexão e Ação. Santa Cruz do Sul, v. 23, n. 3, p. 30-57, Set./Dez. 2015.

AVELAR, M., & FREITAS, K. (2016). Português como segunda língua: dificuldades encontradas pelos surdos. Revista Sinalizar1(1), 12-24. https://doi.org/10.5216/rs.v1i1.36688.

FERNANDES, S. É possível ser surdo em português? Língua de sinais e escrita: em busca de uma aproximação. In: Atualidade da educação bilíngue para Surdos: interface entre pedagogia e linguística. Porto Alegre: Mediação, 2009. p. 59-81.

FONTANA, M. G. Z. Input linguístico. Disponível em: Acesso em 29 de maio de 2019.

SILVEIRA, D. T & CÓRDOVA, F. P. A pesquisa científica. In: GERHARDT, T. A; SILVEIRA, D. T. (org.). Métodos de pesquisaPorto Alegre: Editora da UFRGS, 2009. P. 31-33.

GOLDFELD, M. A criança surda: linguagem e cognição numa perspectiva sociointeracionista. São Paulo: Plexus, 2002.

MENDONÇA, A. F. et al. Guia para elaboração e apresentação de trabalhos acadêmicos. Editora: Alfa. Goiânia, 2003.

PEREIRA, M. C. C. Leitura, escrita e surdez. São Paulo: Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, 2009.

QUADROS, R. M. de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Porto Alegre: Artmed, 1997.

______.; SCHIMIEDT, M. L. P. Ideias para ensinar português para alunos surdos. Editora: MEC, SEESP. Brasília, 2006.

SALLES, H. M. M. L. et al. Ensino de língua portuguesa para surdos: caminhos para a prática pedagógica. MEC/SEESP, 2004.

SANTOS, L. R. L. & CARVALHO, D. M. (2016). Pais ouvintes, filho surdo: causas e consequências na aquisição da língua de sinais como primeira língua. Revista Sinalizar1(2), 190-203. Disponível em: https://doi.org/10.5216/rs.v1i2.41493 Acesso em 29 de maio de 2019.

[1] O Oralismo ou a filosofia oralista pretende integrar o surdo à comunidade de ouvintes, trabalhando para desenvolver a língua oral (GOLDFELD, 1997).

[2] Input: tudo o que a criança ouve (no caso das línguas faladas) ou vê (no caso das línguas de sinais). (FONTANA, 2017).

[3] São utilizados nomes fictícios para preservar a identidade dos alunos participantes, para que estes ficassem à vontade para emitir opiniões acerca das questões tratadas nesta pesquisa.


Publicado por: Nayana Teixeira Moreira

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